Governo publica sentença que reconhece omissão no caso de Gabriel Pimenta

É sintomático que determinação tenha sido cumprida pelo governo Lula, não pela administração anterior. Mesmo 40 anos depois do crime, governo Bolsonaro mostrou-se aliado a tudo que levou ao assassinato do advogado e ativista

Como parte do cumprimento da sentença proferida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, que reconheceu a omissão do governo brasileiro ao não investigar a morte do ativista e advogado mineiro Gabriel Sales Pimenta, assassinado no início da década de 1980, o ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, publicou na edição da última sexta-feira (27) do Diário Oficial da União portaria com o resumo oficial do julgamento.

A sentença, proferida em 30 de junho do ano passado e publicada em 4 de outubro, foi marco histórico após 40 anos de impunidade. Gabriel Pimenta foi executado às 22h30 do dia 18 de julho de 1982, em Marabá, município do sul do Pará, pelo fazendeiro Nelito Neto (irmão de Newton Cardoso, ex-governador de Minas Gerais), por José Pereira da Nóbrega (conhecido como Marinheiro) e por Crescêncio Oliveira de Sousa. Os três foram indiciados pela polícia e denunciados pelo Ministério Público por homicídio qualificado. O julgamento, porém, se arrastou por duas décadas e nenhum deles chegou a ser levado a júri popular nem a cumprir pena.

Antes de ser morto, Pimenta defendia cerca de 160 famílias de trabalhadores rurais na luta pela posse de terra na área da fazenda Mãe Maria, região do “Pau Seco”, a aproximadamente 18 quilômetros da sede do município de Marabá. Foi o primeiro advogado, aliás, a ganhar causa na Justiça em favor dos trabalhadores rurais sem terra da região, o que contrariou interesses dos latifundiários.

A atualidade do caso

O caso foi lembrado e destacado pelo Portal da Contee em 5 de outubro de 2022, dia seguinte ao da publicação da sentença e três dias após o primeiro turno das eleições presidenciais de 2022. Serviu, inclusive, no contexto do segundo turno das eleições, como exemplo para ilustrar como, entre as questões definidas pelo voto, está a defesa dos direitos humanos e a justiça.

Por isso mesmo, é sintomático que a determinação tenha sido cumprida pelo governo recém-empossado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e não pela administração anterior. Isso porque o governo de Jair Bolsonaro (PL), que se encerrou há pouco mais de um mês, mostrou-se, mesmo 40 anos depois do crime, aliado a tudo o que levou ao assassinato de Gabriel Pimenta. Graves violações de direitos humanos praticadas na região Norte do País durante a gestão Bolsonaro, aliás, continuam a ser desveladas, tendo latifundiários, grileiros e garimpeiros como principais responsáveis pela crise humanitária, como a que atinge o povo yanomami, em Roraima.

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Medidas de reparação

De acordo com os juízes da Corte Interamericana de Direitos Humanos, o Brasil “não cumpriu sua obrigação de atuar com a devida diligência reforçada na investigação do homicídio”. A negligência dos operadores judiciais nos trâmites do processo penal, que levou, inclusive, à prescrição do crime, foi o fator determinante para que o caso permanecesse em uma situação de absoluta impunidade.

Em razão das violações, a corte determinou as seguintes medidas de reparação:

– criação de grupo de trabalho com a finalidade de identificar as causas e circunstâncias geradoras da impunidade e elaborar linhas de ação que permitam superá-las;

– publicação do resumo oficial da Sentença no Diário Oficial da União, no Diário Oficial do Estado do Pará e em um jornal de grande circulação nacional, assim como a Sentença, na íntegra, no sítio web do Governo Federal, do Ministério Público e do Poder Judiciário do Estado do Pará;

– realização de ato público de reconhecimento de responsabilidade internacional em relação com os fatos do presente caso;

– criação de espaço público de memória na cidade de Belo Horizonte, no qual seja valorizado, protegido e resguardado o ativismo das pessoas defensoras de direitos humanos no Brasil, entre eles o de Gabriel Sales Pimenta;

– criação e implementação de protocolo para a investigação dos delitos cometidos contra pessoas defensoras de direitos humanos;

– revisão e adequação dos mecanismos existentes, em particular o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas, nos âmbitos federal e estadual, para que seja previsto e regulamentado através de uma lei ordinária e tenha em consideração os riscos inerentes à atividade de defesa dos direitos humanos;

– pagamento das quantias fixadas na sentença a título de dano material, imaterial, custas e gastos.

Táscia Souza

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