#JáTeveCopa: Emoções e tristezas do mundial de 1950

geraldoO futebol está na veia do senhor Geraldo Magela, atual vice-presidente do Tupi Football Club, time de Juiz de Fora (MG). Nascido em 1927 e torcedor do Botafogo de Futebol e Regatas, ele foi jogador profissional, técnico, comentarista esportivo… E assistiu pessoalmente, no então recém-construído Maracanã, a três jogos da Copa do Mundo de 1950, incluindo a triste final contra a seleção uruguaia. Ele contou um pouco dessas lembranças à Contee:

Contee – Como foi acompanhar de perto a Copa do Mundo de 1950?

Geraldo Magela ­– A Copa do Mundo, quando foi realizada no Brasil, acompanhei como se fosse um alimento. Me empolguei com a Copa do Mundo. Acompanhei o nascedouro, quando começaram as discussões se o Brasil poderia ou não sediar uma Copa do Mundo. E o primeiro jogo que eu assisti foi Brasil e Iugoslávia. O Brasil ganhou de dois a zero.

Um dos momentos mais gloriosos da minha vida eu vi no Maracanã. Eu vi o [jogo] Brasil e Espanha. O Brasil deu um show de bola na Espanha. Meteu seis a um. Numa só voz eu ouvia – e participei – 200 mil pessoas cantando “Eu fui às touradas em Madri… Pararatibum bum bum…”. Duzentas mil vozes cantando “Touradas em Madri”… Aquilo encheu meu peito de orgulho! Eu cheguei aqui contando. Dá vontade de chorar de lembrar, de emoção.

Contee ­– E como era essa Copa para os brasileiros? O senhor tinha uma ligação grande com o futebol, mas e o povo brasileiro? Vibrou com a Copa de 1950?

GM ­– Vibrou, vibrou muito. Muito mesmo. Daqui de Juiz de Fora saíram caravanas, apesar de que, para chegar ao Rio de Janeiro naquele tempo, em 1950, levava de cinco a seis horas. Eu, por exemplo, saí daqui para ver Brasil e Uruguai às 3h30 da manhã. Custamos a chegar lá. O brasileiro era apaixonado por futebol. Como gosta até hoje (hoje nem tanto, era muito mais naquele tempo). Por quê? As cidades é que impulsionavam o futebol. Os campinhos de várzea eram onde as famílias se encontravam aos domingos. E quais eram os comentários da vida? Os jogos do domingo. Quais eram os comentários futuros? O que ia acontecer no domingo. Então, era empolgante. Se nós adorávamos futebol, íamos nos empolgar com a Copa do Mundo.

Contee ­– O senhor acha que teve influência, depois da Copa, para o futebol? Aumentou o amor pelo futebol depois da Copa?

GM ­– Não, diminuiu. Diminuiu porque o Brasil perdeu a Copa. Quando eu falei que vivi a maior emoção vendo o Brasil ganhar de seis a um da Espanha – e o melhor jogador em campo foi o Ramallets, o goleiro da Espanha! –, a imprensa toda nos ajudou a viver essa ilusão de que o Brasil ganhava a Copa. Ganhamos de todo mundo, só empatamos com a Suíça, em dois a dois, por burrice do Flávio Costa, que era o treinador. Perdemos a Copa porque o Flávio Costa foi burro. Não foi o Barbosa que perdeu a Copa. Todo goleiro falha e o Barbosa era o melhor goleiro que o Brasil tinha.

Nós fomos reunidos, garotos (21 anos era garoto, né?), saíamos daqui quase 4h da manhã e chegamos ao Rio quase 10h. Você não imagina a multidão que estava em volta do Maracanã, levamos mais de hora para entrar. A fila não andava. Entramos, fomos ver o jogo. Uma expectativa muito grande; eu, mocinho, vivendo tanto momento bonito. Já tinha ido lá duas vezes. Pensei: “Hoje eu vou sair daqui consagrado”. Era eu jogando. Éramos nós lá dentro do campo. Nós nos víamos assim.

Contee ­– O povo brasileiro se via em cada jogador?

GM ­– Se via em cada jogador. “Vamos ser campeões”. Mas acontecia uma coisa. Os políticos desgraçados nos impediram de ser campeões do mundo.

Contee ­– Por quê?

GM ­– Porque eles levaram os jogadores para concentrar debaixo da arquibancada do Vasco, para que eles tivessem mais facilidade de entrar lá. O Brasil foi mal formado. Houve política, muita política. O Brasil só não foi campeão do mundo porque os políticos não deixaram. A seleção brasileira era formada quase que por jogadores do Vasco; era a base. Todo mundo queria tirar retrato com os jogadores. Ninguém sabia que o Brasil não seria campeão. Todo mundo achava que só ia consagrar o título, porque o título já tinha sido conquistado. Não era verdade. Ia enfrentar um time que não estava morto.

Era tanta gente, 200 mil pessoas ali dentro daquele estádio bonito. Era lindo o Maracanã, bonito demais. Eu me sentia privilegiado. Tinha tanta gente que você não podia sentar, porque o de cima mijava no de baixo. Não tinha jeito de ir ao banheiro, se você fosse ao banheiro perdia o lugar. Assisti ao jogo de soslaio, esguelhado ali para botar minha cara para ver o jogo. Com a bunda molhada porque urinaram lá em cima e eu estava sentado. Aí não pude sentar mais. E todo mundo cantava.

A vida é constituída de momentos. Entra o Brasil, camisa branca, gola azul. Vêm os nossos ídolos! Aí vem o Uruguai. Camisa azul-céu bonito, calção preto. E o Brasil jogando um futebol bonito, tocando a bola, jogando de primeira. O Brasil faz um a zero. E nesse um a zero só não morremos porque não estava na hora. Terminou o primeiro tempo com o Brasil ganhando. E a gente naquela alegria, comendo pão com linguiça que tinha comprado cedo, antes de entrar.

Mas nós não íamos ser campeões… Você não imagina quando eles fizeram dois a um…

Contee ­– Não teve apoio da torcida, para empurrar o time para a frente?

GM ­– A torcida emudeceu. A torcida adivinhou que nós íamos sofrer. Todo mundo culpa o Barbosa, mas eu não culpo. O Barbosa era o melhor goleiro do Brasil, do melhor time do Brasil na época, que era o Vasco. Mas Flávio Costa não foi o treinador que nós precisávamos.

Dois a um. Maldito gol. Emudeceu o Maracanã. Um olhava para o outro como quem não estava acreditando. “Isso não está acontecendo. Ganhamos de seis a um da Espanha. O Uruguai é pior que a Espanha.” Mas, no futebol, cada jogo é um jogo.

Choramos muito. O sonho acabou. Os jogadores em campo baixaram a cabeça e foram saindo como boi que vai para o corte. E nós ali, que viajamos uma madrugada inteira, que mal alimentamos, que fomos lá tentar ver os jogadores na concentração no campo do Vasco, que viemos ao Maracanã, passamos momentos difíceis ali, em pé durante horas. Mas nós tínhamos energia que o jogador brasileiro não teve. E o torcedor também foi culpado porque, quando tomou dois a um, não reagiu.

Nossos torcedores saíram de lá chorando, limpando lágrimas nos olhos. Na rampa, abraçavam uns aos outros, gente que nem se conhecia, sofrendo, dividindo o sofrimento. Se abraçava e chorava. Abracei muita gente, chorando no ombro de pessoas que nem sei. Sou testemunha viva daquela tragédia.

Contee ­– O Maracanã foi uma grande obra. Como foi a reação do povo àquela construção?

GM ­– Valorizaram. Estou falando como eu senti. Eu, acostumado com os campinhos de várzea, ver construir aquilo era um orgulho, gente.

Contee ­– Hoje nós vemos várias obras além dos estádios, de infraestrutura, mobilidade urbana. Naquela época tivemos outras obras também?

Não. Foi construído o Maracanã. Que eu me recorde, e eu tenho a memória boa, não teve outras, não.

Contee ­– Qual a expectativa para Copa deste ano?

GM ­– O Uruguai até hoje debocha da gente. Tenho visto na televisão que eles estão falando em “Maracanazo” de novo. Será que dessa vez nós vamos criar vergonha na cara? Mas não foi falta de vergonha, não. Nem falta de vontade. São coisas que acontecem e você não tem como mudar. Talvez tenha sido o excesso de confiança. O futebol brasileiro era o futebol mais bonito do mundo.

Acho que o Brasil vai ser campeão. Não sei se é meu espírito de vingança, mas eu quero ser campeão. Me tiraram a chance de ser campeão de 1950, agora eu quero. Eu quero estar vivo. Estarei, se Deus quiser. Dia 12 agora. Tenho uma esperança muito grande de ver o Brasil campeão.

Assista à participação do senhor Geraldo Magela na TV Contee

Da redação
Foto: Tribuna de Minas

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