Marinha ocultou informações sobre mortos, afirma a Comissão da Verdade

Centro de Informações produziu prontuário em 1972, mas negou dados ao próprio governo em 1993; documento comprova pela primeira vez que ex-deputado Rubens Paiva foi morto pela repressão.

Paulo Sérgio Pinheiro durante o balanço de um ano de atividades da Comissão

São Paulo – Em relatório parcial divulgado hoje (21), a Comissão Nacional da Verdade (CNV) apresentou documento de dezembro de 1972 no qual a Marinha relaciona nomes de mortos durante a ditadura, informações que foram sonegadas em 1993, já depois do período autoritário, inclusive ao próprio governo e ao Congresso. Cruzadas com outro documento, do Ministério da Justiça, a CNV chegou a 11 nomes de mortos. Um deles é o do ex-deputado Rubens Paiva, desaparecido desde 1971. Mas em 1993, em resposta a uma determinação do próprio presidente Itamar Franco, a Marinha informou que Paiva e outros nomes eram foragidos.

“A Marinha brasileira ocultou deliberadamente documentos e informações já durante o período democrático”, afirmou a professora Heloísa Starling, assessora de comissão. Segundo ela, o Centro de Informações da Marinha (Cenimar) ocultou “até as últimas consequências” as informações, negadas ao próprio Estado. “Eu diria que foi um dos organismos mais ferozes da estrutura da repressão.”

A Marinha tem 12 mil páginas de documentos sobre esses 11 casos, revelou hoje a CNV. A comissão acredita que essas informações não eram de conhecimento apenas da Marinha. “Um dado importante é que, dada a extrema capilaridade entre os órgãos de inteligência, você pode inferir que não é só o Cenimar que sabia que Rubens Paiva estava morto.” Ela ressalta que é a primeira vez que há um documento oficial reconhecendo a morte do ex-parlamentar.

A Comissão da Verdade apresentou a jornalistas e representantes de entidades da sociedade civil um “organograma” do Centro de Operações de Defesa Interna (Codi), cuja linha de comando, diz a assessora, “chega a até a ministros militares”, o que segundo ela evidencia a responsabilidade do Estado. “O comando do Codi tem linhas de comunicação diretas com o comando do Exército.”

O cientista político Paulo Sérgio Pinheiro, membro da CNV, não identificou a fonte do acesso à informação do Cenimar. “Não foi a Marinha que deu”, comentou. A uma pergunta sobre um possível contato com as Forças Armadas e mesmo com a presidenta Dilma Rousseff sobre esse documento, a atual coordenadora da comissão, Rosa Cardoso, foi cautelosa: “Há questões que, para o avanço do nosso trabalho, não devem ser respondidas. Mas agradeço a pergunta e acho que ela é indicadora de caminhos”.

Em um ano de atividade, a CNV realizou 15 audiências públicas em nove estados e firmou 18 acordos com outras comissões. Foram ouvidas 207 vítimas da ditadura, 37 colaboradores do regime e 24 militares que sofreram represálias por serem contrários às medidas adotadas pelo governo. Para a comissão, a tortura não é pontual: começa a ser praticada sistematicamente já em 1964 – e não após o AI-5, em 1968 – e é uma “base” da repressão. O relatório cita nove modalidades mais comuns de tortura.

Também são objetos de investigação 44 casos de supostos suicídios e outros seis de mortes apontadas oficialmente como consequência de atropelamentos. Pinheiro afirmou que, até julho, 19 milhões de documentos deverão estar digitalizados.

Segundo Rosa Cardoso, este é um momento em que a CNV terá de acelerar seus trabalhos. “Chegamos a um momento em que temos de fazer tudo com muita rapidez. Temos pouco tempo para ouvir, digerir e analisar”, afirmou. Sobre um possível uso de mecanismos judiciais para obter documentos, especialmente nas áreas militares, ela respondeu que todas as possibilidades são analisadas. “Cogitamos de todos os meios legais, compreendendo inclusive que fomos investidos de poderes e a expectativa é da sociedade é de que usemos esses poderes.”

Eduardo Gonzalez, do Centro Internacional para a Justiça de Transição (ICTJ, na sigla em inglês), afirmou que a CNV tem o mandato legal para revelar a autoria das violações de direitos humanos cometidas pela ditadura. “Muitas das violações que o Brasil ainda vive tem relação com as violações impunes do passado”, observou orepresentante para a América do Sul do Alto Comissariado da Organização das Nações Unidas para os Direitos Humanos (Acnudh), Amerigo Incalcaterra.

As atividades da comissão, previstas para terminar em maio de 2014, deverão ser prorrogadas até o final do ano que vem. A medida ainda não foi confirmada oficialmente, mas já é dada como certa.

Da Rede Brasil Atual

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