Novas coalizões internacionais têm o papel de “virar o jogo de ‘sim senhor’ com os EUA e a União Europeia”

Mesa de debate “Uma nova politica externa” destaca papel do Brasil para a “desestabilização da política neoliberal”

Coalizões como a conformada pelos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e IBAS (Fórum de Diálogo Índia-Brasil-África do Sul) passam a ter um papel chave para “virar o jogo de ‘sim senhor’ com os Estados Unidos e a União Europeia”, avalia Graciela Rodriguez, integrante da Rede Brasileira pela Integração dos Povos (REBRIP).

Palestrante na mesa de debate “A política externa brasileira e as novas coalizões internacionais”, nesta quarta-feira, na Universidade Federal do ABC, Graciela acredita na “construção da passagem de um sistema unilateral, unipolar, de hegemonia total e absoluta dos EUA na governança global para um multipolar”. Para que esse momento chegue, ela entende que se necessitará de uma “ação cada vez mais coordenada dos governos”, que devem passar a agir em sintonia com as organizações da sociedade civil.

A representante da REBRIP recordou como a atuação dos movimentos sociais tem sido decisiva na “desestabilização da política neoliberal”, colocando ênfase na “primeira grande manifestação antiglobalização, realizada em Seattle”, e nas massivas mobilizações contra a Alca (Área de Livre Comércio das Américas). Tal acúmulo de organização e pressão “impulsionou as coalizões a uma atuação geopolítica de enfrentamento”, que repercutiu em ações de resistência dentro da OMC (Organização Mundial do Comércio) e do próprio Banco Mundial.

 

Graciela Rodriguez, Guilherme Patriota, Monica Hirst e Kjeld Jakobsen

Entre outros exemplos, Graciela citou a formação do G-20 financeiro e o papel do Brasil na mudança, a partir de 2003, na formatação do G-20 agrícola, no interior da OMC. “Países que sofreram impactos financeiros sentiram um mal estar com a política de condicionalidades e exigências do Fundo Monetário Internacional (FMI)” e “pelas insatisfações crescentes, começaram a ser chamados para discutir”. Com a lembrança de que “a regulamentação do sistema financeiro” – que vinha sendo proposta – “foi sendo preterida pelo apoio aos bancos”, a representante da Rebrip alertou: “se os processos de integração não tomarem papel central na política, vai ser muito difícil para o Brasil cumprir o seu papel”. Entre os problemas no horizonte, apontou que “a integração regional está a perigo com a Aliança do Pacífico”, alertando para o fato de que a Colômbia já manifestou inclusive a “vontade de ser incluída na OTAN”.

MÍDIA SABOTA

Amplos setores da mídia, particularmente os que têm “maior relevância, como a imprensa escrita, Folha, Estado e Globo”, atuam contra o necessário “protagonismo na política exterior”, destacou Guilherme de Aguiar Patriota, da Assessoria Especial da Presidência da República, também painelista no evento.

“Aqui a imprensa pode ter todos os meios, uma propriedade cruzada em que o mesmo grupo dispõe de televisão fechada e aberta, mil revistas, jornais, rádios, o que torna muito difícil fazer política exterior, porque eles vão criticar o governo. E para isso não faltam recursos”, acrescentou. Para Guilherme, a aproximação destes setores de forma “mais efetiva com os Estados Unidos, subordinada, subalterna”, é o que explicaria a sua “visão nostálgica em relação à Alca”.

O assessor especial da Presidência acredita que é preciso “interagir, se projetar para fora, para o país sair fortalecido”. “Não se faz política internacional diminuindo o Estado, destruindo o Estado, tendo menos pessoas e recursos, falando menos. Tem que ter mais”, assinalou.

Conforme Guilherme, a transformação da Ordem Mundial deve ser uma “aspiração do Brasil como nação” e daí a importância de nos reunirmos em grupo, em coalizões como a dos BRICS, para defender posições soberanas.

Por isso a reunião dos BRICS incomoda, destacou. E muito. Por esta razão “EUA, França e Inglaterra gastam todo esforço diplomático para saber o que vai se passar antes, durante e depois de um encontro. Não querem o banco dos BRICS para fazer contraponto”. Com a presença chinesa, avalia, a iniciativa do banco de investimento passa a ter bala na agulha: “a China é um grande dínamo, o parceiro comercial número um”. Então, acrescenta, “como BRICS se começa a colocar uma cunha no clube fechado das tradicionais potências”.

Frente à complexidade de um momento em que a União Europeia está se “desmilinguindo” com o euro, onde “é preciso navegar nas ondas de uma crise”, o assessor presidencial acredita que está na ordem do dia “criar novas agendas, novos caminhos e oportunidades, sem a mediação de uma potência estrangeira”. Daí a relevância de iniciativas para o fortalecimento do Mercosul, Unasul e Celac, “coalizões que tentam quebrar a Ordem Internacional como existiu, onde os EUA nos tratava como quintal, numa relação bastante assimétrica”. Mas será preciso que o país retome o crescimento, alertou, pois “é difícil que esse mecanismo prospere se o Brasil não começar a crescer mais”.

Na avaliação de Monica Hirst, professora de Relações Internacionais da Faculdade Nacional de Quilmes, na Argentina, “é preciso vencer os primados da paz neoliberal na internacionalização”.

Hirst citou oito temas que, acredita, precisam ser colocados sobre a mesa: o vínculo inexorável entre segurança e desenvolvimento; paz, soberania e desenvolvimento sustentável – “no que se insere o reconhecimento do Estado da Palestina”; liberdades políticas, soberania nacional e integridade territorial – os casos de Líbia e Síria; os perigos do avanço do Conselho de Segurança sobre outras agendas – “como mudanças climáticas”; a prudência no uso de métodos coercitivos – “que podem se tornar um primeiro passo para a ocupação militar”; prudência na aplicação da Carta da ONU em relação à paz e ao uso da força; prudência em ações preventivas e o aperfeiçoamento de instâncias como a Assembleia Geral da ONU.

De acordo com a professora “esses posicionamentos estão relacionados com uma visão crítica que se constrói a partir do Sul, que busca a paz, a segurança e o desenvolvimento”, que sustenta um “compromisso com o multilateralismo” e afirma a “soberania como direito universal”. Resumindo: “Mais voz, mais altivez”.

Coordenador dos trabalhos, Kjeld Jakobsen, consultor em Cooperação e Relações Internacionais, defendeu a relevância da Conferência e reiterou a necessidade da construção de espaços de formulação que levem em conta todo o acúmulo dos últimos anos, a fim de que se possa combater as anacrônicas e reacionárias concepções do FMI e da Escola de Chicago, “pois o remédio que vão sugerir é o mesmo”.

Da CUT

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