O fundo bilionário de George Soros aposta contra a centralidade da questão nacional

Felipe Maruf Quintas

Chama a atenção a recente decisão do especulador magnata húngaro George Soros de liberar $1 bilhão para a criação de uma rede universitária de âmbito mundial, abertamente destinada a promover a dita sociedade aberta e os seus valores liberais. Essa medida apresenta-se, segundo ele, em resposta ao surgimento e/ou fortalecimento de governos nacionalistas, nos quais inclui o governo chinês de Xi Jinping, o russo de Putin, o indiano de Narendra Modi, o estadunidense de Donald Trump, o húngaro de Viktor Orbán, o norte-coreano de Kim Jong-Un e, até mesmo, o brasileiro de Jair Bolsonaro, a despeito do principal nome desse governo, o financista Paulo Guedes, ser um contumaz defensor da mesma sociedade aberta de Soros.

Em sua avaliação, o nacionalismo é o principal inimigo da sociedade aberta. Ele está correto. Nem mesmo o internacionalismo proletário condensado na fórmula “Trabalhadores de todo o mundo, uni-vos!” o assusta; antes o estimula por justificar uma certa disposição antinacional. Ele não hesita em classificar a China de Xi Jinping como o País que mais o incomoda, pois o socialismo chinês, em vantagem na disputa tecnológica com EUA e Europa, é francamente nacionalista: é o “socialismo com características chinesas”. De fato, como veremos, é o nacionalismo quem mais impõe barreiras ao projeto político de dominação bancado por Soros.

George Soros: o magnata das finanças aponta seu fundo de 1 bilhão de dólares para financiar movimentos e lideranças em todo o mundo contra o nacionalismo e contra a centralidade da questão nacional.

A expressão “sociedade aberta”, na acepção de Soros, tomada de empréstimo do filósofo austríaco Karl Popper, significa, simplesmente, a sociedade liberal, cujo individualismo possessivo moral legitima, no plano axiológico, o controle político-econômico privado exercido pelo mercado, como preconiza George Soros.

Tal “abertura” significa a desterritorialização dos contingentes humanos e a dissolução completa dos vínculos substantivos e do patrimônio de cada povo em relações abstratas de compra e venda, mediadas pelo dinheiro, principal instrumento político dos financistas para controlar populações e países inteiros.

A sociedade aberta é, de fato, menos do que uma sociedade, reduzindo-se a uma soma de individualidades sem pertencimento nem lealdade coletivos, aglomeradas pela adequação compulsória do pensamento, da linguagem e dos afetos a critérios mercadológicos e, portanto, apátridas.

O identitarismo pós-moderno, manifestação cabal da sociedade aberta e publicamente financiado por Soros, é, com efeito, um estratagema para desidentificar certos tipos sociais da Nação a qual pertencem. Cumpre a função de agrupá-los em identidades artificiais e arbitrárias que, desenraizadas de qualquer vínculo comunitário e de toda história comum, espelham o caráter abstrato e impessoal do dinheiro que as forja, condicionando seus integrantes à compulsão hedonista e consumista própria de um individualismo sem peias.

Por isso mesmo, tais identidades são nada mais do que modismos, itens de consumo feitos para serem comprados, exibidos e descartados. São tão frágeis e voláteis quanto o cassino financeiro que as possibilita e pelo qual Soros, um dos seus principais agentes, enriquece. Na sociedade aberta, o indivíduo humano não é uma pessoa, cuja personalidade forma-se no compartilhamento de uma vivência nacional comum e na lealdade a seus compatriotas, mas um manequim de roupagens extravagantes, que evidenciam o poder dos magnatas financeiros de decidirem sozinhos o que cada um deve pensar, querer e sentir.

Apenas em uma sociedade aberta, na qual os padrões existenciais são ditados por uma oligarquia financista, torna-se natural e aceitável a atuação espoliativa de George Soros, que coleciona, entre os seus feitos, a colaboração para a derrubada dos regimes socialistas do leste europeu e sua subsequente pilhagem, e, também, um ataque especulativo à libra esterlina que o levou a ganhar cerca de 1 bilhão de dólares (ironicamente, o mesmo valor que hoje ele destina a uma universidade própria) em apenas um dia, levando, assim, o Banco da Inglaterra à falência.

As nações, por outro lado, comportam relações sociais e estruturas históricas complexas e irredutíveis aos comandos financeiros privados. Nações são construções históricas coletivas nas quais confluem as experiências e os esforços de sucessivas gerações unidas entre si por memória e língua comuns. Sua permanência histórica sedimenta uma identidade concreta e singular, maior que os indivíduos, na qual eles se reconhecem e se situam.

Paulo Guedes, ministro da Economia do Brasil, defende as mesmas ideias da sociedade aberta pregada por George Soros, embora o presidente do Brasil tenha sido alvo das críticas do financista húngaro.

Uma Nação, ao contrário de uma “sociedade aberta”, não se improvisa nem se compra, é obra coletiva de séculos. Toda Nação é, portanto, fechada, no sentido de proteger a sua identidade e o seu patrimônio, impondo limites ao alcance e à intensidade das operações mercantis e, com isso, resguardando-se do arbítrio de especuladores como Soros.

Por conseguinte, o nacionalismo implica a edificação de instituições capazes de representar e de desenvolver uma comunidade nacional específica, subsumindo a economia às necessidades e aspirações da Nação. O nacionalismo é, em suma, a defesa do que é comum a um povo organizado historicamente em uma nacionalidade.

Exatamente por isso, só as nações são de fato abertas ao devir histórico, pois, sendo coletivas, substanciais e duradouras, abrangem um conjunto amplo e complexo de aspectos da realidade, entre os quais se inclui a prática criadora humana. Só nos marcos nacionais, assumindo o modo de ser característico da Nação a qual uma sociedade pertence, é possível haver uma abundância de vida, no sentido de uma disposição para a liberdade.

A liberdade, bem entendida, não se confunde com a concepção individualista e possessiva que o liberalismo lhe dá, pois é um fenômeno social e relacional, cuja realização se condensa na inserção em uma comunidade nacional idiossincrática. A liberdade é, ao mesmo tempo, conservadora da identidade pátria e criadora de novas possibilidades inerentes a esse modo nacional de existência. A liberdade só existe imersa nas ligações e na lealdade concretas com aqueles com quem se compartilha um destino comum, propriamente nacional.

Portanto, a transformação qualitativa do real depende, em grande parte, de uma condução política representativa da totalidade nacional e, desse modo, capaz de agir no curso dos acontecimentos conforme as peculiaridades da Nação. Justamente por ser “fechada”, no sentido de preservar aquilo que lhe é próprio, é que uma Nação pode ser aberta à liberdade e à História, pois a criação autêntica do novo parte de um repositório comum de experiências, tradições e instituições que compõem o patrimônio nacional. A liberdade e a História são atributos nacionais, ou seja, coletivos e superiores aos indivíduos e aos interesses puramente utilitários que caracterizam a sociedade aberta.

Por outro lado, a sociedade aberta é fechada à História. Em razão de sua artificialidade e falta de densidade temporal e comunitária, os tipos sociais e organizações que dela fazem parte dependem, única e exclusivamente, do poder financeiro que os sustenta. Vivendo no eterno presente do mundo financeiro, do puro valor-de-troca, são incapazes de responsabilidade coletiva e de participarem da projeção e da construção de um futuro alternativo.

O “progressismo” da sociedade aberta, celebrado por Soros e seus funcionários, nada mais significa do que o acréscimo quantitativo e compulsivo de novas e precárias identidades artificiais ao mesmo plasma mercantil. Ocorre, assim, uma aceleração das relações sociais – reduzidas a relações de troca – ao mesmo tempo em que há a aniquilação das perspectivas transcendentes ao status quo liberal.

Dividido artificialmente entre identitários de “direita” e de “esquerda”, o Brasil desperdiça as energias necessárias para defender seus interesses nacionais e retomar um projeto nacional de desenvolvimento que proteja seu futuro.

Não há liberdade nem História na sociedade aberta, pois não há raízes, lealdade e pertencimento concretos, apenas a vontade caprichosa dos que a comandam pela força do dinheiro. A sociedade aberta é feita à imagem e semelhança da Bolsa de Valores, para remover os empecilhos que os vínculos e práticas sociais nacionais e alheios à lógica de mercado representam para a acumulação financeira desmedida.

O nacionalismo significa, então, o principal meio de resistência dos povos à espoliação dos seus países pela banca. Por isso, Soros o aponta corretamente como o seu principal inimigo. No intento de fechar a História com a sociedade aberta e eternizar a dominação financeira, o magnata húngaro pretende intensificar a formação de quadros políticos e intelectuais comprometidos em remover quaisquer obstáculos à financeirização e à mercantilização de todos os aspectos da vida.

Mas as sociedades concretas e realmente existentes, que são nacionais e não “abertas”, resistem a serem dissolvidas e transformadas em meros instrumentos de valorização de ativos bursáteis. O mal-estar e a degradação dos padrões de vida e de convivência provocados pelo neoliberalismo nas últimas décadas, para os quais Soros muito contribuiu, colocam novamente a centralidade da Nação como eixo ordenador de uma política voltada para as maiorias populares.

Alastra-se a consciência, em todo o mundo, de que só pela primazia da questão nacional cada sociedade encontrará as respostas para seus problemas e desafios. Não importa quanto dinheiro a mais Soros gaste para formar uma elite que respalde seu projeto, o século XXI é e será cada vez mais nacionalista.

Felipe Maruf Quintas é Mestre e doutorando em Ciência Política na Universidade Federal Fluminense (UFF).

Bonifácio

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