Palavra e luz: Evanildo Bechara e Sebastião Salgado são imortais
Do verbo à imagem, do ensino à terra, perdemos dois mestres da permanência

A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino – Contee expressa seu mais profundo pesar pela partida de duas figuras monumentais da cultura brasileira e universal: o gramático e educador Evanildo Bechara, que nos deixou nesta quinta-feira (22), aos 97 anos, no Rio de Janeiro; e o fotógrafo humanista Sebastião Salgado, que partiu nesta sexta-feira (23), aos 81 anos, em Paris.
Em menos de 48 horas, o Brasil se despede de dois patrimônios humanos das palavras e das imagens, mensageiros da linguagem, da arte e da realidade social do nosso tempo.
Bechara foi mais que um especialista da língua — foi um guardião da palavra como ferramenta de liberdade. Nascido no Recife, em 1928, dedicou sua vida a escutar o idioma brasileiro em todas as suas formas: do rigor gramatical à força criadora das variações populares. Autor de obras fundamentais como Moderna Gramática Portuguesa, Lições de Português pela Análise Sintática e Primeiros Ensaios sobre Língua Portuguesa, Bechara compreendia que a gramática não era um conjunto frio de regras, mas um mapa das muitas vozes que formam o Brasil. Seu trabalho foi, assim, um esforço permanente de escuta — da norma culta às variações populares, da tradição ao movimento vivo da linguagem.
Professor, filólogo, membro da Academia Brasileira de Letras, formador de gerações, ele acreditava que ensinar português era, acima de tudo, ensinar o Brasil. Sua atuação ultrapassou salas de aula e fronteiras nacionais, semeando saber e consciência crítica. Seu legado vive onde a língua é cultivada com afeto, responsabilidade e coragem.
Sebastião Salgado nasceu em Aimorés (MG) e construiu sua carreira retratando a dignidade humana em fotos preto e branco. Formado em economia pela Universidade Federal do Espírito Santo, Salgado realizou mestrado e doutorado na mesma área, respectivamente, pela Universidade de São Paulo e pela Universidade de Paris. No entanto, foi como fotógrafo que alcançou reconhecimento mundial. Poeta da imagem, militante da dignidade e observador incansável da alma humana, com sua câmera transformou luz e sombra em testemunho e denúncia. Percorreu os cantos mais remotos do planeta não em busca do exótico, mas da essência — do que nos une na dor, no trabalho, na resistência e na esperança.
Projetos como Trabalhadores, Êxodos e Gênesis não apenas revelaram desigualdades estruturais, mas reencantaram o mundo, trazendo à tona a força da vida em contextos de adversidade extrema. Ao lado de sua companheira Lélia Wanick Salgado, ampliou sua ação para além da fotografia: fundou o Instituto Terra, uma revolução silenciosa no coração do Brasil, onde hectares devastados se converteram em floresta, afirmando que restaurar é também uma forma de amar.
Salgado foi mestre no ofício de ver e fazer ver. Em cada clique, dizia que nenhuma injustiça é invisível, nenhuma beleza deve ser esquecida, nenhum ser humano é descartável. Seu legado pulsa onde houver luta por dignidade, ética do olhar e compromisso com a vida.
Bechara ensinou a nomear o mundo. Salgado nos ensinou a transver o mundo, a enxergar os encantos. Ambos, cada um a seu modo, defenderam o humano em todas as suas dimensões — no gesto de aprender, na determinação em resistir, na escuta atenta e no olhar transformador.
Eles partem, mas permanecem: Bechara, nas palavras que agora sabemos escolher melhor; Salgado, nas imagens que não conseguimos mais esquecer. A Contee reverencia essas duas vidas e reafirma seu compromisso com uma educação que une o rigor do conhecimento à sensibilidade da transformação. Porque, quando o verbo e a imagem são instrumentos de justiça, nem a morte é capaz de silenciar seus autores.
Brasília, 23 de maio de 2025
Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee)