Perguntas e respostas sobre demissão em massa
Diante da tese fixada pelo STF, que determina intervenção sindical prévia como exigência para dispensa em massa de trabalhadores, Coletivo Jurídico da Contee indicou elaboração de roteiro inicial de orientação de conduta aos sindicatos
Por José Geraldo de Santana Oliveira*
Como já foi razoavelmente divulgado, em recente decisão (8.6.2022) no julgamento do RE (Recurso Extraordinário) 999435 — Tema 638 —, o STF fixou tese com repercussão geral (obriga a todos) sobre demissões em massa, com o seguinte teor:
“A intervenção sindical prévia é exigência procedimental imprescindível para a dispensa em massa de trabalhadores, que não se confunde com autorização prévia por parte da entidade sindical ou celebração de convenção ou acordo coletivo”.
Essa decisão, muito embora almejada e buscada, ao menos desde 2009, era incerta e um tanto quanto inesperada em razão dos constantes e certeiros golpes perpetrados pelo STF sobre os direitos fundamentais sociais, nos últimos anos, especialmente a partir do julgamento RE 590415, em 2015**.
Por encerrar conteúdo de real interesse dos/as trabalhadores/as e de suas entidades sindicais, em rota de colisão com a de/reforma trabalhista, que reescreveu a CLT e a converteu em consolidação das leis do capital, a tese sob destaque, por um lado, desperta inquietações e pertinentes questionamentos sobre seu alcance e efetividade, notadamente por não estabelecer parâmetros sobre o que se deve tomar como demissão em massa e por afirmar, categoricamente, em sua parte final, que a intervenção sindical prévia, apesar de ser “exigência procedimental imprescindível”, não implica autorização sindical ou celebração de convenção ou acordo coletivo.
Por outro lado, desperta ira, deboche e cruzada, exatamente contra seu alcance e sua efetividade, por parte dos apologistas da de/reforma trabalhista e o esvaziamento do primeiro dos direitos dos/as trabalhadores/as urbanos/as e rurais, dentre os 34 elencados no Art. 7º da CF (Constituição Federal), que é o da “relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos”.
Com a finalidade de dar início ao necessário e inadiável debate sobre o tema em realce, realizou-se reunião do Coletivo Jurídico da Contee, ao dia 4 de julho corrente, com a participação de dezenas de advogados/as e dirigentes sindicais, quando se suscitou uma pletora de questionamentos e dúvidas sobre o quê e o como fazer, com vistas a garantir o alcance e a efetividade pretendidos, especialmente no âmbito do ensino privado.
Ao final da referida reunião, o Coletivo indicou a elaboração de roteiro inicial de orientação de conduta aos sindicatos e aos/às advogados/as que os assessoram, fazendo-o a partir dos citados questionamentos e dúvidas, em forma de perguntas e respostas; é o que se tenta com este opúsculo.
Deve-se dizer, de pronto, que as orientações abaixo, longe de esgotarem as controvérsias que já se prenunciam, têm por objetivo apenas suscitá-las, pois que a matéria posta para debate ainda não passou de seu primeiro passo dado com a realçada decisão do STF. Há um mundo a ser desbravado até que se assentem bases mínimas para seu enfrentamento, especialmente quanto ao que se deve tomar como demissão em massa, que, a toda evidência, não se confunde com multidão nem comporta tabelamento numérico.
Ei-los!
1) Quem se obriga ao cumprimento da comentada decisão do STF?
Todos os empregadores, sem exceção, não importando se são micros, pequenos, médios ou grandes empresários; seu cumprimento é exigível de todos.
2) Como se deve entender a expressa afirmação de que a intervenção sindical prévia é exigência procedimental imprescindível para a demissão de trabalhadores?
É princípio orientador da hermenêutica jurídica que a lei não contém palavras inúteis; todas elas são dotadas de eficácia.
Segundo os dicionários de Língua Portuguesa, o substantivo intervenção possui os seguintes sinônimos, dentre outros: ato de intervir, interferência, ação, mediação, influência, introdução, intermédio, interposição etc.
Por sua vez, o adjetivo prévio é sinônimo de: antecipado, anteriormente, antes, primeiro, de antemão, preliminarmente etc.
Já o também adjetivo imprescindível é sinônimo de: substancial, obrigatório, vital, forçoso, inevitável, imperativo, fundamental, essencial, necessário etc.
Desse modo, resta patente que a decisão do STF, com caráter obrigatório para todos os empregadores, não se satisfaz com mera comunicação aos respectivos sindicais laborais. Exige, isto sim, negociação prévia, fundada nos princípios da probidade e da boa-fé, conforme Art. 422 do CC (Código Civil).
Importa dizer: negociação idônea, pautada no respeito e na observância dos fundamentos constitucionais da valorização do trabalho humano (Art. 170, caput, da CF), no primado do trabalho, tendo como objetivos o bem-estar e a justiça sociais (Art. 193 da CF).
3) E se a empresa não cumprir essa determinação do STF, as demissões por ela promovidas, à revelia do sindicato correspondente, são anuladas?
Como se trata de determinação mandatória, sua inobservância implica nulidade absoluta das demissões levadas a efeito, a ser declarada pela Justiça do Trabalho, por não se revestir da forma prevista da comentada decisão do STF, conforme Art. 166 do CC:
“Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando:
[…]
IV – não revestir a forma prescrita em lei;
V – for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade;
VI – tiver por objetivo fraudar lei imperativa”.
Em casos que tais, o processo demissional deve ser refeito, cumprindo-se, em primeiro lugar, as prescrições do STF, ou seja, negociando-as previamente com o sindicato de direito.
4) Não havendo acordo com o sindicato, a empresa fica impedida de realizar demissões em massa?
Nos termos da tese com repercussão geral fixada pelo STF, acima reproduzida, não. A empresa poderá realizá-las, desde que comprove que previamente tentou negociar sua concretização, mediante apresentação de proposta com comprovada probidade e boa-fé e não apenas simulacro de negociação, não tendo as partes chegado a bom termo.
Como, lamentavelmente, conduta idônea não é prática cotidiana em considerável número de empresas, inclusive em instituições de ensino, por certo, serão múltiplas e intensas as controvérsias e disputas judiciais.
Isso exige dos sindicatos, desde o primeiro passo, que se documente de maneira robusta, para eventuais discussões judiciais. Para tanto, devem registrar todos os atos que forem praticados de um lado e de outro.
5) Ocorrendo a situação descrita no item anterior, a empresa ficará isenta de oferecer aos/às trabalhadores/as demitidos qualquer garantia e/ou benefícios?
Não é o que se colhe da decisão do STF. Muito embora, em casos tais, as demissões não sejam nulas nem anuláveis, isso não significa dizer que a empresa se isentará de qualquer obrigação para além daquelas decorrentes de demissão sem justa causa. Tais obrigações poderão ser fixadas pela Justiça do Trabalho, mediante ação promovida pelo sindicato ou pelo MPT (Ministério Público do Trabalho).
6) Se a empresa resolver afrontar a decisão do STF, promovendo as demissões pretendidas à revelia do sindicato correspondente, como a entidade deve agir?
Quando isso ficar constatado e, por certo, acontecerá de forma não esporádica, em razão de não mais haver obrigatoriedade de assistência sindical (homologação) em rescisões de contrato, o sindicato deve, de imediato, procurar munir-se de informações fidedignas e, prontamente, acionar a empresa judicialmente, por meio de ação declaratória de nulidade de ato jurídico, com base no Art. 166 do CC, 276, 281 e 282 do CPC (Código de Processo Civil), cumulada com obrigação de fazer, amparada pelo Art. 815 e seguintes do CPC.
7) Ao se estabelecer mesa de negociação com a finalidade de se discutir demissão em massa, quais devam ser as reivindicações sindicais?
Para que a entidade sindical possa cumprir seu dever constitucional de bem representar a categoria, não há dúvidas de que a primeira e mais relevante reivindicação a ser levada à mesa negocial deve ser a da preservação do emprego, ainda que isso possa acarretar concessões. Somente em caso de encerramento das atividades da empresa é que essa reivindicação não se constituirá na prioridade sindical.
Claro que, não sendo possível o atendimento dessa reivindicação, o sindicato, em nenhuma hipótese, pode e deve dar por encerrado o processo negocial. Deve, isto sim, buscar outras garantias mínimas aos/as trabalhadores/a a serem desligados/as, tais como pagamento de salários e manutenção de todos os benefícios convencionais por determinado período de tempo, a ser definido na avença que for firmada.
8) Na hipótese de se estabelecer o impasse entre em empresa e sindicato quanto aos termos da avença buscada, qual deve ser a medida jurídica adotada pelo sindicato: conciliação pré-processual ou ação judicial?
A mesa negocial é que apontará o caminho jurídico a ser trilhado pela entidade sindical, em caso de impasse nas negociações com a empresa. Quando se constatar idoneidade na conduta dessa e disposição para a composição, a conciliação pré-processual, a ser requerida diretamente ao Tribunal Regional do Trabalho, pode, inicialmente, mostrar-se caminho adequado.
Quando, de plano, se constatar indisposição por parte da empresa quanto ao êxito das tratativas negociais, que, para ela, se constituam em mera formalidade, não haverá outro caminho que não seja o judicial, por meio de ação de obrigação de fazer, já referenciada acima.
9) Afinal, o que se deve compreender como dispensa em massa, fixada na repisada tese do STF?
Parece induvidoso que esse será o ponto nodal de toda e qualquer discussão acerca da intervenção sindical prévia, determinada pela mencionada tese, em casos que tais. De um lado, as empresas tentando esvaziar o conteúdo dessa conquista social, buscando, a todo custo, transformá-la em sinônimo de multidão ou de grande quantidade de trabalhadores/as. Por outro lado, os sindicatos buscando dar efetividade à realçada conquista, caracterizando como tal toda leva de demissão que ultrapasse o que se deve conformar dentro do estreito limite de dispensa individual.
Isso, com toda certeza, gerará muitas demandas e contendas judiciais e normativas. A guerra de ideias, conceitos e parâmetros acha-se aberta e em pleno fogo cruzado.
O desembargador (juiz) do TRT da 15ª Região, Jorge Luiz Souto Maior, em percuciente artigo postado em seu blog, com o título “Dispensas coletivas e individuais: a reviravolta imposta pelo STF, em mais uma derrota da ‘reforma’ trabalhista”, publicado aos 15 de junho último, traz importantes reflexões sobre o tema, que desafiam a leitura e a análise por todos quantos queiram se aprofundar sobre o tema.
Dentre as citadas judiciosas reflexões insertas no artigo acima, merecem mais amplo destaque as seguintes:
“O STF, no entanto, ao fixar a tese acima enunciada, explicitando a imprescindibilidade da ‘intervenção sindical prévia’, aniquilou com a vontade do legislador ‘reformista’ de conferir ao empregador o poder de ameaçar os empregados com uma dispensa coletiva e, assim, forçá-los a aceitação de um acordo para redução de direitos (o que também foi obstado pela decisão proferida pelo STF no Tema 1046).
[…]
Considerando os termos da tese explicitada, muito se discutirá ainda sobre os efeitos do descumprimento da condição procedimental estabelecida, se implica nulidade das dispensas, com a consequente reintegração dos(as) trabalhadores(as) – o que me parece, inequivocamente, o mais acertado – ou se resulta em obrigação indenizatória – o que, ao meu ver, só seria vislumbrado nas situações em que não se apresentar possível a reintegração –, sendo certo que, em todo caso, é cabível, na ação judicial em que se discutam as dispensas, fixar indenizações por dano moral coletivo ou de ‘dumping social’, independentemente da determinação da reintegração dos(as) trabalhadores(as) irregularmente dispensados, com o pagamento dos salários e demais consectários, devidos desde o afastamento até a efetiva reintegração.
A fórmula vaga adotada no Tema 638 também instiga disputa quanto ao que se identificaria como uma ‘dispensa em massa’. Mas, a rigor, se a dispensa atinge mais que um trabalhador (feita de forma concomitante ou sequencial) e a motivação não está ligada a um aspecto específico da conduta ou da aptidão para o trabalho do(a) trabalhador(a), relacionando-se, isto sim, a um equacionamento econômico do empregador ou aos seus propósitos em torno de uma reestruturação produtiva ou efeito de uma investida tecnológica, entra-se, automática e objetivamente, no campo da dispensa coletiva.
A propósito, informam Lorena Vasconcelos Porto e Augusto Grieco Sant’Anna Meirinho que:
‘[…] a Diretiva n. 59, de 1998, da União Europeia, em seu artigo 1º, considera como dispensa coletiva quando forem desligados ‘num período de 90 dias, no mínimo 20 trabalhadores, qualquer que seja o número de trabalhadores habitualmente empregados nos estabelecimentos em questão’ (art. 1º).
Na Itália, a Lei n. 223, de 1991, prevê que a dispensa coletiva se configura quando o empregador que possua mais de quinze empregados, em consequência de uma redução ou transformação da atividade ou do trabalho, efetue, no mínimo, cinco dispensas, no lapso de 120 dias, em cada unidade produtiva, ou em mais unidades produtivas, desde que situadas no âmbito territorial de uma mesma província (art. 24).
Na França, há dispensa coletiva quando são desligados ao menos 10 empregados no período de 30 dias (art. L1233-46 do Código do Trabalho).
Na Espanha, há dispensa coletiva quando são desligados ao menos 30 empregados nas empresas que ocupam 300 ou mais trabalhadores (art. 51).
Em Portugal, há dispensa coletiva quando o empregador, simultânea ou sucessivamente, no período de três meses, proceda ao desligamento de, pelo menos, dois ou cinco trabalhadores, conforme se trate, respectivamente, de microempresa ou de pequena empresa, por um lado, ou de média ou grande empresa, por outro (art. 359 do Código do Trabalho).
Na Dinamarca, há dispensa coletiva quando são desligados ao menos 30 trabalhadores em empresas que normalmente empregam no mínimo 300 empregados (Lei sobre as Dispensas Coletivas, que repete os critérios previstos na Diretiva n. 59, de 1998, da União Europeia).
Na Finlândia, há dispensa coletiva quando são desligados ao menos 10 trabalhadores em empresas que empregam no mínimo 20 empregados (Lei sobre as Dispensas Coletivas, que repete os critérios previstos na Diretiva n. 59, de 1998, da União Europeia).
Na Inglaterra, há dispensa coletiva quando são desligados ao menos 20 empregados, nos termos do ‘Collective Redundancies and Transfer of Undertakings (Protection of Employment) (Amendment) Regulations’.
Nos Estados Unidos, há dispensa coletiva quando são desligados ao menos 50 empregados, em empresas que ocupam no mínimo 100 trabalhadores, no período de 30 dias, conforme o ‘Worker Adjustment and Retraining Notification Act’. No Japão, há dispensa coletiva quando são desligados mais 30 empregados no período de 1 mês, conforme o ‘Worker Adjustment and Retraining Notification Act’.
O que não comporta qualquer discussão é o fato de que o STF, ao estabelecer esta condição procedimental, superou, vez por todas, a ideia de que subsista um ‘direito potestativo’ do empregador em cessar imotivadamente vínculos de emprego, pois a única forma de se avaliar se uma dispensa (ainda que de apenas um empregado) pode ser considerada objetivamente como uma dispensa coletiva e, assim, se submeter, obrigatoriamente, à procedimentalidade prevista para a dispensa em massa, é a explicitação dos motivos nos quais dispensa está embasada. A motivação para a dispensa deve ser explicita inclusive para afastar a presunção da intenção de fraudar a garantia procedimental fixada, além de propósitos ainda mais graves, socialmente irresponsáveis e humanamente indefensáveis, ligados à discriminação e a atos de represália ou de mera demonstração de poder.
Além disso, não se pode esquecer que a cláusula geral da garantia de emprego foi insculpida no art. 7º, I, da CF, coibindo a dispensa arbitrária ou sem justa causa. Antes se dizia, de forma totalmente equivocada, que a punição ao empregador quando descumprisse a norma constitucional se resumiria ao pagamento da indenização de 40% sobre os depósitos fundiários, conforme fixado no art. 10 do ADCT, como se a inércia do legislador infraconstitucional pudesse ser suficiente para negar eficácia a preceito constitucional relacionado a um direito fundamental e como se o inciso I do art. 7º não fosse suficientemente nítido quanto à garantia instituída.
Inúmeros, ademais, são os argumentos jurídicos a demonstrar a insustentabilidade do suposto ‘direito potestativo de resilição contratual’, que vão desde a integração das diversas normas, que vedam a cessação imotivada de vínculos empregatícios, constantes de tratados internacionais com os quais o Brasil está compromissado, passando pelo teor da Convenção 158 da OIT, que foi ratificada pelo Brasil, Convenção esta que foi denunciada de forma flagrantemente inconstitucional, tanto que na ADI 1625 (movida em 1997 e cujo julgamento até hoje não foi encerrado), já há 5 votos no STF declarando esta inconstitucionalidade, até chegar nos mais rudimentares fundamentos da teoria geral do direito. Tudo isto já foi por demais dito e pode ser lido aqui.
Cumpre, agora, acrescentar mais um inusitado, mas definitivo, argumento, que vem da própria ‘reforma’ trabalhista.
É que o artigo 477-A da CLT, introduzido pela Lei n. 13.467/17, equiparou, ‘para todos os fins’, as dispensas individuais e as dispensas coletivas. Como o STF acaba de dizer que há um procedimento imprescindível para a realização das dispensas coletivas, por aplicação do artigo 477-A da CLT, há de se exigir que tal procedimento seja cumprido também nas dispensas individuais.
De todo modo, não deixa de ser instigante a perspectiva de assistir, doravante, os defensores da Lei n. 13.467/17, para não se chegar a este resultado, recusando-se a aplicar o artigo em questão.
E vivam as contradições!!! Como são reveladoras…”
Ao debate e à ação! A hora é agora; ao depois, será tarde!
*José Geraldo de Santana Oliveira é consultor jurídico da Contee
** Tese: “A transação extrajudicial que importa rescisão do contrato de trabalho, em razão de adesão voluntária do empregado a plano de dispensa incentivada, enseja quitação ampla e irrestrita de todas as parcelas objeto do contrato de emprego, caso essa condição tenha constado expressamente do acordo coletivo que aprovou o plano, bem como dos demais instrumentos celebrados com o empregado.”