Secundaristas, ainda é primavera

“Para enfim derrotarmos o golpe é preciso, contudo, que se derrote todas as consequências desastrosas que ele causou. A ‘deforma’ do ensino médio é uma delas”

Por Gilson Reis*

Acaba de haver uma subversão do tempo, um paradoxo espaço-temporal que comprova que outro mundo é, sim, possível: o verão terminou na última segunda-feira, 21 de março, mas a primavera não. A primavera continua.

A primavera, na verdade, floresceu mesmo em setembro de 2016, quando, em reação à Medida Provisória 746, com a qual o governo golpista de Michel Temer impôs a “deforma” do ensino médio, uma onda de ocupações nas escolas públicas tomou o País.

No ano anterior, o movimento que ficou conhecido como Primavera Secundarista já tinha impedido o fechamento de centenas de salas de aula em São Paulo, contra a “reorganização escolar” proposta pelo então governador Geraldo Alckmin (ex-PSDB, atual PSB), hoje vice-presidente da República. Em 2016, à “deforma” imposta por Temer juntou-se a chamada PEC (Proposta de Emenda à Constitucional) 241, que tramitava na Câmara para estabelecer, à revelia dos direitos básicos, um teto de gastos no orçamento, congelando os investimentos públicos em educação por 20 anos. E, assim, a reação estudantil que começara em São Paulo se alastrou por todo o Brasil.

É claro que, ao longo dos últimos sete anos, as coisas estiveram longe de serem flores. A PEC do Teto de Gastos — ou mais apropriadamente chamada PEC do Fim do Mundo — foi transformada na EC (Emenda Constitucional) 95 ainda em dezembro de 2016. Dois meses depois, em fevereiro de 2017, foi a vez de o Congresso concluir a tramitação da MP e, no lugar dela, Temer sancionar a Lei 13.415, alterando a LDB (Lei de Diretrizes e Bases) para estabelecer o NEM (Novo Ensino Médio).

No entanto, nem essas duas derrotas nem o fato de o País ter mergulhado num período extremamente tenebroso a partir dali (período que só começou a se encerrar no dia 1° de janeiro deste ano) fizeram com que as sementes da mobilização deixassem de germinar. Tanto que agora, no último dia 15 de março, quase três novas gerações de secundaristas depois, a Ubes (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas) voltou a protagonizar a maior reação à implementação do NEM, com mais de 150 mil estudantes nas ruas pressionando o governo pela revogação da reforma do ensino médio, que ameaça a educação pública e inclusiva.

Esse “retorno” a 2016 também aconteceu no dia 17, quando, num auditório lotado de lideranças dos movimentos da educação brasileira, o ministro da Educação, senador licenciado Camilo Santana (PT-CE), assinou portaria para recomposição do FNE (Fórum Nacional de Educação), reincorporando entidades, entre as quais a Contee (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino), que nele atuavam antes do golpe e que haviam sido expulsas em 2017  — ou se retirado em solidariedade — pela Portaria 577 do MEC (Ministério da Educação) de Temer. E é este novo-velho FNE que tem por tarefa urgente retomar o debate democrático na educação, em especial, neste momento, sobre o NEM. Porque reformulações na educação são complexas e exigem muito debate e construção, sendo o fórum, amplo e participativo, o espaço privilegiado para tanto.

É preciso lembrar que a reforma do ensino médio representou um retrocesso em relação à própria LDB, que, décadas atrás já tinha superado a discussão dos tais itinerários formativos e aprovado a importância de uma formação única, propedêutica, ou seja, com cursos introdutórios de cada disciplina nas diferentes áreas de conhecimento para todos. Além disso, o que já era denunciado em 2016 e está sendo comprovado agora, à custa da exclusão de centenas de milhares de estudantes, é que, embora devesse haver itinerários formativos a serem escolhidos por cada estudante, a oferta nem oferta nem direito de escolha estão efetivamente garantidos, uma vez que a lei não assegura os recursos para tanto, ainda mais depois da EC 95.

Essa é uma das razões pelas quais a revogação do NEM é necessária, bem como a discussão e elaboração de nova proposta para esse nível de ensino. Há outras, como a vastamente denunciada pela Contee: o escancaramento de portas ao setor privado, que poderá, de um lado, fechar convênios com estados e municípios para a oferta de “serviços” de educação e, por outro, elevar suas mensalidades sem que para isso tenha efetivamente de assegurar que os trabalhadores tenham todos os seus direitos assistidos (haja vista que a lei permite contratação de pessoas sem formação pedagógica, apenas com “notório saber” para lecionar). Tem-se, com isso, professores e estudantes submetidos a um modelo tecnicista, privatizante e pouquíssimo reflexivo.

Ao que tudo indica, neste paradoxo temporal, estamos de volta a 2016, o ano que não acabou. Para enfim derrotarmos o golpe — derrota que começou com a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) —, é preciso, contudo, que se derrote TODO o golpe, com todas as consequências desastrosas que ele causou. A “deforma” do ensino médio é uma delas. Para que, mesmo quando  passar este outono e chegar o inverno, para os milhões de estudantes que ainda virão, continue sendo primavera.

*Gilson Reis é coordenador-geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino — Contee

Da Carta Capital

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