Um livro que recomendo

Por Rita Fraga

Há um livro que li e cuja leitura recomendo a toda a população. Vira e mexe, lá está ele, aberto sobre minha mesa: releio e relembro cada trecho dele, que faz parte da minha vida como um mantra. Muitos deviam conhecê-lo, seu texto, sua construção, sua história. É um livro de grande relevância, sua leitura e o conhecimento de seu conteúdo e de sua construção podem mudar o pensamento e o entendimento de muita gente para questões que assistimos hoje na TV e às vezes nem sabemos como pensar e quem apoiar. Enfim, sem enrolar mais, vamos falar logo desse livro.

Ele foi escrito por várias autoras e autores, muitos dos quais trabalham atualmente comigo e me relataram como foi participar e lutar pela sua confecção.

Uns apelidaram-no de Constituição Cidadã, outros já o chamam pelo seu título completo: Constituição da República Federativa do Brasil. Essas diversas mãos escreveram-no em 1988, três anos após o Brasil iniciar seu processo democrático.

Portanto, imaginem um país e seus cidadãos, suas entidades, suas várias associações participando da construção de uma Carta Magna que nos daria o rumo de uma nação com ideais democráticos, uma sociedade mais justa, igualitária e na qual estariam definidos os direitos dos cidadãos, sejam eles individuais, coletivos, sociais ou políticos, além de serem estabelecidos limites para o poder dos seus governantes.

Tudo começou após o fim do regime militar. Em todos os segmentos da sociedade, era unânime a necessidade de uma nova Carta, pois a anterior havia sido promulgada em 1967, em plena ditadura, além de ter sido modificada várias vezes com emendas arbitrárias  pelo famoso AI-5, promulgado em dezembro de 1968, que daria cada vez mais poderes ao presidente da República. A oposição intensificava sua indignação e atuação e o governo aumentava a repressão: isso foi o estopim para o início real e efetivo da ditadura.

O marco inicial deste grande acontecimento foi dado pelo deputado do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), Moreira Alves, que fora acusado de ter cometido injúrias às Forças Armadas durante seu discurso.

Foram pedidos processos, porém nada aconteceu, o clima parlamentar mudou, a represália foi ativada através do fechamento do Congresso e instituiu-se o AI-5. Com esse ato institucional, o Executivo ampliava seus poderes sobre o Legislativo, outorgando-se o direito de fechar o Congresso Nacional, as assembleias legislativas e as câmaras de vereadores, de cassar mandatos parlamentares e direitos políticos e de legislar sobre qualquer matéria (COSTA e MELLO, 1999).

Só depois de muita luta de membros e partidos da esquerda, pressões, prisões, tortura, ditadura, mortes é que no dia 13 de outubro de 1978, Ernesto Geisel promulga a Emenda Constitucional nº 11, que em seu artigo 3º revogava todos os atos institucionais e complementares que fossem contrários à Constituição Federal, e restaura o habeas corpus. Essa emenda constitucional entrou em vigor em 1º de janeiro de 1979.

Em 1º de fevereiro de 1987, foi instalada a Assembleia Nacional Constituinte, composta por 559 congressistas (senadores e deputados federais, eleitos no ano anterior), e presidida pelo deputado Ulysses Guimarães, do Partido Movimento Democrático Brasileiro (PMDB).

Esse foi o pontapé em direção à democracia. A sociedade, em seus diversos setores e segmentos, foi estimulada a contribuir por meio de propostas formuladas por cidadãos brasileiros, as quais só seriam válidas se representadas por alguma entidade (associação, sindicatos, etc.) e se fossem assinadas por, no mínimo, 30 mil pessoas. Portanto, posso dizer que tenho o privilégio de conhecer vários desses autores, pessoas que se envolveram e lutaram por essa possibilidade e, quando a conquistaram, estavam lá apresentando propostas, artigos, leis que beneficiassem a todas e todos os brasileiros.

Enfim, me delicio ao ouvir as histórias que me contam do que foi fazer, escrever, buscar apoio, disputar no voto no Congresso cada artigo dessa Constituição.

Um dia gostaria que este blog fizesse uma entrevista, um bate-papo com algum deles, que foram protagonistas dessa novela. Vocês verão que não foi fácil. Não participei, não tinha a consciência política que tenho hoje e que aprendi com eles, mas agradeço o presente que deixaram para o meu dia a dia, para minha proteção como cidadã, mulher e trabalhadora.

Essa grande introdução é para dizer que com três anos apenas, mal sabendo o que era democracia, tiveram a competência de escrever uma Constituição Federal que nos permite o Estado de Direito, já destacado no início com o seguinte preâmbulo:

“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.”

Muito de nós gostaríamos de um Estado laico, mas representantes da Igreja também contribuíram para essa construção e deixaram sua contribuição.

Vejam o primeiro artigo, que coisa poética:

“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I – a soberania;

II – a cidadania;

III – a dignidade da pessoa humana;

IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V – o pluralismo político.

Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.”

Por fim, fiz tudo isso, coloquei tudo isso, porque nossa Constituição prevê e legitima qualquer manifestação política, até porque:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;

II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;

III – ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;”

Porém…

Usar máscaras, desculpem, lembra o que Cazuza dizia:

“mostra a tua cara, quero ver quem paga pra gente ficar assim…”

Anonimato é proibido, é feio, lembra fascismo:

“IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

(…)

IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;”

Mas quero conversar com quem levou cartazes e mostrou a cara de forma justa e legítima.

Vi vários cartazes pelo país afora. Aliás, a mídia nunca deu tanta atenção aos movimentos dos trabalhadores em educação como está dando agora.

Vocês vão falar: “Ah, é comoção nacional”.

E com muita tranqüilidade respondo: não.

As escolas particulares depositam milhões de reais nas emissoras de TV, nos jornais, revistas, quando veiculam suas propagandas sobre as suas instituições de ensino. Portanto, não seria bom para os negócios divulgar que tal escola não paga salários, não deposita FGTS, que determinada faculdade está com seus professores em greve.É assim; agora entendem como a mídia funciona?

Bem, continuando…

Vou falar dos cartazes que li baseados na minha cidade, São Paulo, em que há dois partidos opostos. Gostem ou não do que eu fale, tenho que ser coerente com tudo que escrevi. Portanto, quando leio:

“Fora Dilma”, “Fora Alckmin”, “Fora Haddad”, ou “Alckmin não me representa”, “Dilma não me representa”, Haddad não me representa”…

Bem, o voto é secreto. Dessa lista, votei em alguns, em outros não votei. Fato constatado. Mas, não posso negar, todos me representam.

Foram eleitos pelo povo.

E, como é garantido pela nossa Constituição, a vontade emana do povo. A maioria os elegeu.

Temos que respeitar nossas instituições.

Devemos sim: reivindicar,exigir hospitais públicos de qualidade, escolas públicas de qualidade, transportes de qualidade.

O passe livre foi uma reivindicação legítima.

Queimar bandeiras de partido não é legítimo.

Saibamos reivindicar, participar, lutar por uma vida melhor, uma sociedade mais justa, igualitária como diz nossa Carta Magna, mas mostrando nossa cara.

Participe das reuniões e movimentos dos bairros. Você sabia que tem? Você já foi a alguma?

Da mesma forma que estamos discutindo a educação do país, a saúde também tem seu fórum de discussão, você já participou?

Então, não é só ir para rua de máscara e quebrar patrimônio público. Informe-se dos eventos e discussões que lhe interessam, cobre dos vereadores, deputados, senadores que você elegeu e faça a sua parte, como cidadã, como cidadão.

Só para fechar a história que contei dos autores do livro, claro que nem tudo foi como queriam. Mas, logo depois, nasceu outro livro, mais interessante: Quem foi quem na Constituinte? Esse sim é um bom exemplo para saber quem deve ou não deve ser votado, quem atrapalhou e quem contribuiu para a Constituição Cidadã.

Dilma eleita com 55.725.529 votos (56%)

Alckimin eleito com 11.519.314 votos (50,63%)

Haddad eleito com 3.387.720 votos (55.57%)

Do Blogosfêmea

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