Uma educação esquizofrênica: O caso do Chile e suas políticas educativas
Fabián Inostroza*
Os educadores são tensionados e se transformam em autômatos que constroem uma identidade que também se debate entre a defesa de uma educação integral e uma educação instrumental baseada em avaliações padronizadas.
O sistema escolar do Chile, desde a reforma neoliberal no marco da ditadura de Pinochet, tomou um rumo inexorável para o precipício e a enfermidade: a esquizofrenia.
Assim é, de fato: em um sistema que menciona em suas políticas que a educação é um direito, que busca a formação integral dos cidadãos, que promove e celebra a inclusão e que, além disso, busca a realização e a maturidade de seus cidadãos, o que se faz é implicitamente declarar que busca a felicidade e o bem estar de todos, o que se distancia bastante da realidade atual.
É quase redundante afirmar que o Chile tem sido um verdadeiro laboratório de ideias neoliberais, que Milton Friedman e seus seguidores cunharam, implementadas sob um regime ditatorial (a sangue e fogo), quase sem resistência dos cidadãos e que, depois, no regime democrático, foram preservadas, aperfeiçoadas e aprofundadas.
Neste sentido, a educação é um bem econômico e um serviço a ser comprado e negociado, que não é estranha à lógica neoliberal, que busca melhorar a qualidade das escolas e ensinar por meio da competição, da incorporação do ensino privado e descentralizado. Um balanço de mais de 30 anos de sua aplicação demonstra que não melhoraram nem a qualidade e nem a equidade do sistema. Em vez disso, aumentaram a desigualdade, a segregação da educação por nível socioeconômico e a produção de guetos educacionais. Com isso, houve o aprofundamento da desigualdade em nível social e a instrumentalização e mercantilização de um direito tão básico e necessário.
No entanto, houve iniciativas políticas e sociais que buscaram reverter a “neoliberalização” da educação e tentaram torná-la correta e pouco comerciável. Entre essas políticas estão a chamada “inclusão” e todas aquelas cuja intenção tem sido gerar ações de discriminação positiva para os estudantes chamados “vulneráveis”, através do aumento de recursos econômicos e pedagógicos, para compensar as desigualdades estruturais.
Entre essas políticas está a Lei de Bolsas Escolares, implementada desde 2009, que fornece recursos financeiros adicionais a todas as escolas, com a condição de desenvolver um plano de melhoria, medido por indicadores quantitativos construídos externamente que, por sua vez, estão vinculados aos resultados obtidos pelos alunos na avaliação padronizada e censitária do Sistema de Mensuração da Qualidade da Educação (SIMCE).
Embora essa política proporcionasse maiores recursos econômicos e humanos para que as escolas pudessem contratar profissionais dedicados a trabalhar com alunos com dificuldades de aprendizado e melhorar a infraestrutura e o material didático, esses recursos também foram ligados à responsabilização, com altas consequências, de escolas e atores educacionais. Concentraram-se mais em atingir as metas padronizadas de “qualidade” do que na produção de uma educação abrangente para todos os alunos, o que, por sua vez, mudou de uma cultura de colaboração existente nas escolas, focada na aprendizagem dos alunos, para uma cultura de auditoria em que a responsabilidade é importante para evitar punições ou sanções, como representado pelo fechamento de escolas (atualmente existem 36 escolas ameaçadas de fechamento).
Portanto, diante de orientações que buscam, em parte, “nivelar o campo” e compensar, em certa medida, a desigualdade, somadas às leis que defendem a inclusão escolar e o direito de todos os alunos à igualdade de oportunidades de aprendizado, essas políticas, colidindo com os princípios e a responsabilidade do mercado, geram nos atores educacionais perplexidade, confusão, contradição e tensão permanentes.
De fato, com tal grau de contradição e complexidade, as políticas educacionais alcançaram, em sua lógica e linguagens que, por um lado, levam a que o aluno classificado como vulnerável e com dificuldades de aprendizado seja desejado pelas escolas, uma vez que receberá por este educando um subsídio maior do que aquele que receberia por um aluno “normal”, por outro lado essa criança “desejada” é excluída e construída discursivamente como “problemática”, principalmente porque é “arriscada” devido à pontuação potencialmente baixa que ela produziria na avaliação SIMCE, afetando e prejudicando a imagem e a posição da escola no mercado.
Neste sentido, essas políticas transmitem contradições e tensões aos atores da escola, que, por sua vez, geram interpretações e traduções de políticas mais complexas. De fato, há um acúmulo de literatura que aponta que, no Chile, coexistem políticas orientadas à inclusão e igualdade de direitos e outras que apontam para a exclusão, a segregação e diretamente a preconceitos de eugenia. Em um cenário como esse, os atores educacionais ficam estressados e transformados em autômatos que constroem uma identidade que se debate entre a defesa de uma educação integral e uma educação instrumental baseada em avaliações padronizadas, o que exclui e pune mais os alunos vulneráveis e com maiores dificuldades de aprendizado.
Se algum país pretende imitar as políticas promovidas pelo sistema educacional chileno, a recomendação é: pense várias vezes, pois não é o caminho da humanização.
*Fabián Inostroza é professor de educação básica, mestre e doutor em educação.
Publicado originalmente em Ibero America Social, tradução de Carlos Pompe