Universidade particular da Paraíba pode comprar vacina sem doar ao SUS, diz juiz

Pessoas jurídicas de direito privado não podem ser obrigadas a doar vacinas por elas adquiridas, uma vez que isso viola previsões constitucionais sobre confisco, tributação regular, requisição administrativa, desapropriação e doação voluntária.

O entendimento é do juiz substituto Rolando Valcir Spanholo, da 21ª Vara Federal Cível do Distrito Federal. O magistrado autorizou, em decisão desta terça-feira (6/4), que o Centro de Ensino Superior e Desenvolvimento (Cesed), da Paraíba, importe vacinas sem a necessidade de repassar as doses ao Sistema Único de Saúde. As doses, segundo a instituição, serão usadas para imunizar professores, colaboradores e até alunos.

A Lei 14.125/2021, que dispõe sobre a aquisição e distribuição de vacinas por pessoas jurídicas do direito privado, estabelece, em seu artigo 2º, caput, que compradores podem importar doses de imunizantes, “desde que sejam integralmente doadas” ao SUS.

Já o parágrafo 1º do mesmo artigo diz que se os grupos prioritários já tiverem sido vacinados, 50% das doses podem ficar com os responsáveis pela importação, indo o restante obrigatoriamente ao SUS.

A decisão do DF derruba a expressão “desde que sejam integralmente doadas ao SUS”, no que se refere ao caput, e a íntegra do parágrafo 1º, por suposta violação à Constituição Federal. O magistrado apreciou a compra de vacinas em termos de concorrência privada mundial e disse que a iniciativa privada consegue “empregar um ritmo mais acelerado” no que diz respeito ao combate à Covid.

“Ao invés de flexibilizar e permitir a participação da iniciativa privada, [a Lei 14.125] acabou ‘estatizando’ completamente todo o processo de imunização da Covid-19 em solo brasileiro. Afinal, mesmo legalmente ‘autorizadas’ a importar tais vacinas, as organizações privadas passaram a ser obrigadas a doar integramente tudo que conseguirem importar até que o estado brasileiro conclua a ‘imunização dos grupos prioritários'”, diz a decisão.

Disposições constitucionais

Segundo o juiz do DF, o envio de todas as vacinas ao SUS, em um primeiro momento, e de metade, caso já vacinados os grupos prioritários, não se amolda às previsões constitucionais de confisco, já que, segundo a CF de 1988, só podem ser confiscadas propriedades rurais utilizadas para cultivo ilegal de plantas psicotrópicas e que se valem de trabalho escravo.

Ainda de acordo com o magistrado, a lei também não poderia ser enquadrada nas hipóteses constitucionais de tributação regular, já que a doação de todas as vacinas ao SUS representaria tributo de 100% sobre o valor do bem; de expropriação ou requisição administrativa, que exigem prévia indenização ou posterior restituição; nem de doação voluntária, já que quem importa estaria sendo forçado a doar a compra.

“Literalmente, com as devidas venias, o artigo 2º da lei 14.125/2021 não ajuda a resolver o gravíssimo quadro de pandemia que vivemos (inclusive, até o momento, não há notícias de qualquer adesão oficial de empresas privadas), como ainda tem o poder de retirar da iniciativa privada brasileira o direito de disputar com a iniciativa privada do resto do mundo as vacinas adicionais que a indústria farmacêutica colocará em breve no mercado”, prossegue a decisão.

Decisões semelhantes

Segundo apurou o jornal o Estado de S. Paulo, em 12 dias, o juiz deu decisões idênticas beneficiando outras nove entidades. Outros processos ainda aguardam decisão. Uma das liminares autorizou que sua própria classe comprasse os imunizantes, conforme mostrou a ConJur em 11 de março.

A decisão autorizou que a Associação Nacional de Magistrados Estaduais importasse as doses contra a Covid-19. Essa ordem, no entanto, acabou sendo derrubada pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região.

Outras liminares beneficiaram o Sindicado dos Servidores da Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais; o Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo; a Associação Brasiliense das Agências de Turismo Receptivo; o Sindicado dos Motoristas Autônomos de Transportes Privado Individual por Aplicativos no DF; entre outros.

Em decisão semelhante, o desembargador Johonsom di Salvo, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, liberou a compra de vacinas ao Sindicato dos Empregados no Comércio de Campinas, Paulínia e Valinhos.

TCU

Todas as compras de vacina por entes privados, liberadas pela Lei 14.125/2021, devem ser feitas via Ministério da Saúde, órgão responsável por avaliar a operação. Por causa disso, o subprocurador-geral do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União, Lucas Rocha Furtado, quer saber o motivo de o próprio governo não está comprando as vacinas que os empresários dizem ter condições de adquirir.

Na representação enviada por Furtado ao TCU, ele se vale de uma matéria publicada pela revista Veja informando sobre a necessidade do aval do Ministério da Saúde para a compra de vacinas.

“Informa [a matéria] que, de acordo com Carlos Wizard, um dos empresários interessados em comprar vacinas, as farmacêuticas produtoras das vacinas contra a Covid-19 fizeram um acordo internacional no sentido de só poderem vender os imunizantes para governos e que, em razão disso, será necessário que o Ministério da Saúde dê seu aval. Há um trecho da matéria que merece destaque por levantar indagação sobre os motivos pelos quais o próprio governo não compra as vacinas que os empresários alegam ter condições de comprar”, diz a representação.

Clique aqui para ler a decisão

Revista Consultor Jurídico

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