Educação, sociedade e o papel dos sindicatos num contexto de “vingança do capital” contra os direitos e organizações dos trabalhadores

Gaudencio-750x562Professor do Programa de Pós Graduação em Políticas  Púbicas e Formação Humana do Estado do Rio de Janeiro e professor titular aposentado  em economia política da educação na Universidade Federal Fluminense, Gaudêncio Frigotto é um grande nome na área de educação, políticas públicas e programas sindicais. Participante ativo em discussões sobre trabalho e trabalhador, tem pesquisa e obras que falam sobre o assunto em diversos âmbitos.

Devido a esse enorme conhecimento é que o SINPROESTE, trouxe a Chapecó, para além de realizar palestras, Frigotto ministrasse uma oficina aos membros, direitos e sindicalistas de Chapecó e toda a região. A temática da oficina “Reestruturação Produtiva: do Fordismo ao Toyotismo” – impactos na vida do trabalhador levou a um grande debate. Mas para falar mais sobre o assunto a assessoria de Comunicação do SINPROESTE, fez uma pequena entrevista com o professor. Acompanhe. 

SINPROESTE – Como o senhor vê hoje a organização sindical do país?

PROFESSOR GAUDÊNCIO FRIGOTTO R- Inicialmente gostaria de louvar a iniciativa do SIMPROESTE por organizar tanto a oficina com lideranças sindicais de diferentes sindicatos da região, quanto  as conferências em São Miguel do Oeste, Chapecó e Concórdia com o tema que relaciona sociedade, reestruturação produtiva, sustentabilidade e educação. Foram momentos intensos de aprendizado coletivo e fico grato por ter participado. Uma iniciativa que aponta uma direção auspiciosa para enfrentar os desafios do presente dos trabalhadores de todas as categorias que não querem apenas reformar o capitalismo, mas superá-lo.

Não só no país, mas sem todo mundo, as organizações sindicais, com mais ou menos intensidade, foram golpeadas por três ordens de questões. A primeira liga-se à aplicação do receituário neoliberal cujo centro é desmontara as conquistas e organização sindical e demais organizações dos trabalhadores. Margareth Theatcher, que esta tendo um longuíssimo funeral nesta semana, foi denominada dama de ferro justamente pro por em prática uma vingança contra as organizações sindicais inglesas e que, em seguida, foi imitada em todo mundo. Não todavia sem resistência e luta. Esse efeito no Brasil veio na era Fernando Henrique Cardoso na década de 1990. Mas esse desmonte sindical foi possível mediante, de um aldo a apropriação privada de um salto tecnológico incorporado na produção em todas as esferas da sociedade. A tecnologia que une micro eletrônica e informação. Isso permitiu e permite ao capital a dispensa em massa de trabalhadores e uma nova organização da produção com mais controle e mais exploração. Junta-se a isso a derrota do socialismo real após mais de sete décadas de vigência. Derrota que a ideologia neoliberal apresenta como fracasso e inviabilidade. Nos termos de  Franscis Fukuyama, o fim da história, ou seja que o capitalismo seria eterno. Sem organização e ampliação dos sindicatos não poderemos enfrentar a avassaladora vingança do capital contra a classe trabalhadora, dentro deste contexto e pensar numa sociedade alternativa sob as bases de um socialismo renovado.

SINPROESTE- A classe trabalhadora está cada vez mais fragmentada, o que se deve essa fragmentação?

FRIGOTTO – As três determinações acima explicam, no geral, o estilhaçamento da organização sindical. As tecnologias flexíveis permitem item ao capital deslocar-se facilmente de um espaço a outro, por um lado e, por outro, ao destroçar a organização sindical e seus direitos colocar, mo limite, cada trabalhador isolado frente à poderosa organização do capital. A filosofia emblemática de  Theatcher foi: Eu não vejo a sociedade, vejo os indivíduos. Logo não existe a sociedade, existem indivíduos. Daí não falar-se mais em emprego, mas em empregabilidade. O emprego está ligado a um direito social e subjetivo, a empregabilidade é do indivíduo isolado; não se fala mais em qualificação, mas em competência, esta igualmente ligada ao indivíduo isolado; ao desempregado, não se fala mais em direitos, mas em empreendedorismo. Mas a fragmentação, como vimos no debate da Oficina, também advém da falta de autocrítica das lideranças e intelectuais do campo de esquerda e de posturas dogmáticas ou arrogantes que não permitem buscar um elo comum de luta. Não percebem que isso é exatamente o que o capital e suas organizações desejam. Karel Kosik, um intelectual e militante da Checoslováquia apontava duas atitudes que geram a desunião e fragmentação da classe trabalhadora: a figura da bela alma e do comissário. No primeiro caso trata-se dos que advogam sua verdade como absoluta, mas não participam das lutas. No segundo caso é daqueles que intelectuais, sindicalistas e políticos que se apoiam na base, mas nos cargos se fastam dela em proveito próprio

SINPROESTE – O que os trabalhadores e empresas procuram para se encaixar aos novos contextos trabalhistícos?

FRIGOTTO – As empresas rentamente buscam minimizar seus custos mediante a incorporação de tecnologias poupadoras de mão de obra. Os mandamentos, desde a década de 1980, das empresas, como mostra Cristophe Dejours, foi entender o trabalhador como algo que pesa na empresa. As expressões enxugar os quadros, racionalizar, tirar o pó, diminuir as gorduras explicitam este comportamento. De outra parte, as empresas tendem a arrochar mais aqueles que estão empregados. Os sindicatos tentam buscar forças e novas estratégias para renascer das cinzas. Não tem sido fácil devido à fragmentação das organizações dos trabalhadores, como apontamos acimaA oficina que o SIMPROESTE realizou, com a presença de outras seis entidades sindicais – SINTE, SAAEOESTE, SINDICATO DOS BANCÁRIOS, SINTAEMA, SINVIG e SEEAC – apontam uma tendência necessária para poder fazer face aos problemas que enfrentamos no presente. Um dos problemas dos trabalhadores no Brasil é sem dúvida ter o direito da educação básica para disputar a dupla cidadania: participar ativamente da construção da sociedade local, regional, nacional e mundial e poder ter o preparo técnico e científico para inserir-se no mundo da produção de forma sustentável.

SINPROESTE – O que a classe trabalhadora almeja, ou busca em seus sindicatos?

FRIGOTTO – A classe trabalhadora busca em seu sindicatos, quando estes de fato defendem seus interesses, a solidariedade e a união de forças para contrapor-se a todas as formas de exploração, a começar de sua força de trabalho. Trata-se de um espaço onde o trabalhador pode construir a consciência de pertencimento de classe e avançar em organização na defesa de seus interesses imediatos na sua categoria. Todavia, esse é o nível mais elementar. Avança-se quando vários sindicatos, como foi o caso da Oficina onde debatemos com sete organizações sindicais, como a reestruturação produtiva e a apropriação privada da ciência, da técnica, das terras etc., afetam a vida e o futuro dos atuais trabalhadores e de seus filhos. Por fim, no sindicato pode-se buscar o caminho para atingir o grau mais elevado da luta que consiste em não apenas reformar a sociedade que produz o desemprego, a precarização e a exploração, mas de alterá-la pela raiz. Uma sociedade marcada pela cooperação, solidariedade, justiça e preservação da natureza, base de todas as formas de vida.

SINPROESTE – Como o senhor vê a necessidade de se sindicalizar, de fazer parte do sindicato?

FRIGOTTO –  A necessidade de fazer parte de um sindicato liga-se a possibilidade de construir não apenas a defesa dos direitos de cada trabalhador no âmbito econômico, mas de seus direitos de produzir vida digna para si e seus filhos. Como nunca isto está ameaçado pelo desemprego, pela precarização do trabalha e a super exploração. Todos os sindicatos que partilharam da Oficina aqui mencionada têm consciência desta importância. Não estar sindicalizado, mesmo quando temos discordâncias com a forma de atuar de nossos sindicatos, é situar-se no campo da alienação social, econômica e política. Sem perceber, quando ficamos Isolados, é tudo o que os donos do capital querem. A região do Oeste de Santa Catarina, no que produz já não pertence a quem produz, mas a meia dúzia de grandes empresas mundiais, associadas a grupos nacionais, que buscam o lucro fácil. Trata-se de empresas que não tem pátria e por isso pouco se interessam se o milho, soja, feijão, carnes aqui produzidos saem procurando o melhor preço no mundo. Também pouco se importam se as águas ou o ar ficam contaminados com venenos. Antonio Gramsci, um dos grandes intelectuais ligados às lutas da classe trabalhadora assinalava que para mudar qualquer situação era preciso conhecimento para entender o que está acontecendo, quem está do lado dos trabalhadores e suas lutas e quem está contra; mas, em seguida precisa a vontade política para poder mudar o que é contra os trabalhadores; e, por fim, só se consegue mudar mesmo com a organização. Por isso é vital que todos os trabalhadores que atuam na educação, nos bancos, na indústria, no campo, nos serviços busquem filiar-se ao seu sindicato. Trabalhadores como Lula, 0lívio Dutra, nunca teriam chegado a ser presidente e governador, respectivamente, se não estivessem se filiado aos seus sindicatos e se tornado líderes dos mesmos.

SINPROESTE – Com o crescimento econômico, tecnológico do país qual a importância ou participação, dos educadores neste processo todo?

FRIGOTTO – É muito interessante, especialmente a partir da década de 1930, empresários, políticos e até mesmo pesquisadores e a grande mídia, todos estão de acordo que a educação escolar é fundamental para a cidadania, para o desenvolvimento sustentável do país, mas que na prática pouco ou nada se faz a não ser defender seus interesses particulares. Hoje quando vemos quem está verberando“todos pela educação”, mas na verdade escondem que se trata a educação que lhes convém. São os representantes de bancos, empresários da indústria e comércio e do agro negocio, grande mídia e, até mesmo as igrejas que se tornaram impérios de negócios que impedem que as demandas dos educadores que constam no Plano Nacional de Educação sejam aceitas e aprovadas. Passaram-se quase três anos e o Plano nacional de educação está sendo estraçalhado. Chegamos à nova Conferência Nacional de Educação, que deveria estar avaliando o andamento do Plano, na estaca  zero. Ecando respondo estas questões, acabo de ler que o Ministério da Educação está fazendo parceria com institutos privados para gerir e melhorar o ensino médio. Algo inacreditável sob todos os aspectos. Que as empresas e institutos privados querem subordinar o estado Nacional, como o vêm fazendo de forma avassaladora, estão em seu jogo, mas que o Ministério lhes abra as portas e os constituam nos arautos do bom ensino, oxalá fosse piada. Aqui valeria lembrar a sugestão de  Herbert de Souza (Betinho), que, quando o  Fundo Monetário Internacional (FMI) mandava e desmandava  na política econômica do Brasil, sugeriu que o  presidente do FMI passasse ser, automaticamente,  o presidente do  Brasil. Agora a sugestão que se poderia  fazer é que os presidentes ou diretores das confederações  dos bancos, da indústria, comércio e agricultura,  mais o conjunto dos institutos tipo Airton Sena, negociassem  um rodízio no Ministério da Educação. Os sindicatos de professores, mas não só, todos os sindicatos e movimentos sociais que defendem a escola pública, laica, gratuita, universal e unitária têm que se manifestar contra este absurdo.

SINPROESTE – Deste contexto de crescimento e expansão econômica, qual a valorização da educação e do professor?

FRIGOTTO – Não seria difícil comprovar que existe uma correlação inversa entre o crescimento econômico do Brasil e a valorização docente, especialmente da educação  básica, e dentro desta, o ensino privado. É espantoso que muitas escolas privadas do Brasil, incluindo grande parte das do oeste catarinense como pude me inteirar, não paguem o piso nacional . A prova do que afirmo, pode ser encontrada nos quase 14 milhões de analfabetos, jovens e adultos e a maioria da população que não atinge  sete anos de escolaridade. Ou seja, sequer concluíram ensino fundamental. Todavia a desvalorização docente se expressa também pela desautorização de sua função de organizar o conhecimento e socializá-lo numa relação  de professor como sujeito e aluno como sujeito, levando-se em conta as especificidade culturais e sociais. A tendência de se contratar empresas privadas montar pacotes de “ ensino”  negam o professor como sujeito e o aluno como sujeito. Ambos são visto como serviço mercantil. A visão mercantil particular destas empresas se constitui no padrão universal. Joga-se na lata do lixo toda a psicologia, filosofia e sociologia do conhecimento. O professor passa ser um “entregador de  conhecimento”   como o definiu um Secretário de Educação do estado do rio de Janeiro. Na verdade entregador de pacotes de pseudo conhecimento.

SINPROESTE – Neste crescimento e moldagem de padrões trabalhistícos qual a importância e participação do sindicato, enquanto órgão representante da categoria?

FRIGOTTO – O que assinalei brevemente nas questões acima sublinha de forma inequívoca da importância da sindicalização e participação ativa  nos sindicatos. No campo da educação básica especialmente, mas não só há um certo preconceito com a sindicalização. Um  paradoxo que tem que ser superado, pois lidamos com o conhecimento e teríamos que entender  que somos hoje uma das  categorias maiores de trabalhadores  com carteira assinada, se não a maior, mas  frágeis porque  uma minoria  participa da vida sindical. Se cada professor do setor púbico e privado fosse sindicalizado e buscássemos uma agenda comum, por certo poderíamos ter muito mais poder  de negociação, não só de nossos direitos, mas dos direitos  da classe trabalhadora. Por isso em grande parte o descalabro da educação  se deve também à nossa pouco organização e força.   Outro aspecto que nos são as posturas da  bela alma e do comissário a que me referi acima e também  que levam à fragmentação e divisionismo.  Um dos papeis dos sindicatos que defendem efetivamente os interesses dos trabalhadores  se liga ao que assinala  o historiador e analista cultural Raymon Willians: Acredito que o sistema de significados e valores que a sociedade capitalista gera tem de ser derrotado no geral e no detalhe por meio de um trabalho intelectual e educacional contínuo. (…) temos de aprender e ensinar uns aos outros as conexões que existem entre formação política e econômica e, talvez, mais difícil, formação educacional e formação de sentimentos e de relações, que são os nossos recursos em qualquer forma de luta.[1]

As teses  em voga do fim da história,  dos sindicatos, fim do trabalho, fim das classes, fim do socialismo, um dia terão o mesmo destino do ícone político deste ideário –  a  dama de ferro Margareth Theatcher. Isto por que como nos ensina Florestan Fernandes – A história nunca se fecha por si mesma e nunca se fecha para sempre.  São os homens, em grupos e confrontando-se como classes  em conflito, que ´fecham´ ou ´abrem´ os circuitos da história.[2]

Do Sinproeste

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