‘Trabalho precário’ é o sobrenome da terceirização

Diversos autores destacam a terceirização como um dos principais dispositivos utilizados como estratégia de superação da crise do fordismo e do estabelecimento de um novo padrão de acumulação nas últimas décadas do século 20. Autores como Ricardo Antunes, Graça Druck e Paula Marcelino, aqui no Brasil, demonstram em seus estudos que a terceirização modificou de forma estrutural a base produtiva e de serviços no país, mas também o mercado de trabalho.

Os manuais de administração que “ensinam” como aplicar a terceirização, destacam os ganhos de produtividade e qualidade e passam uma visão idealizada (ou de classe?) desse processo, bem distinta do processo real. Na prática, os ganhos advindos com a terceirização são decorrentes da redução do custo do trabalho, com a piora generalizada das condições, das relações de trabalho e da vida dos trabalhadores.

Se adotarmos o ponto de vista dos trabalhadores e analisarmos como os processos de terceirização ocorrem na vida real, diária, não resta dúvida: a terceirização é um contrato de trabalho precário e o Estado deve, sim, impor limites a ganhos empresariais oriundos de uma ampliação da exploração.

Para nos ajudar em nossa constatação sobre a realidade objetiva dos trabalhadores terceirizados há uma vasta produção acadêmica brasileira que analisa as condições e relações de trabalho, através de estudos de caso. Essas pesquisas demonstram como esse processo tem ocorrido, buscando analisar seus efeitos sobre o trabalho em diversas localidades, em diversos setores econômicos e seus efeitos distintos para segmentos diferentes de trabalhadores. A riqueza dos estudos de caso é o levantamento in loco de como se dá o processo e seus efeitos, e nosso propósito foi agrupar essas informações para construir um painel nacional.

Realizamos um levantamento através do Catálogo de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), por meio do qual selecionamos as pesquisas considerando dois critérios: aquelas que tratam da terceirização e analisam as condições e relações de trabalho, o que resultou em 111 teses e dissertações. Vale dizer que essas pesquisas atendem a critérios científicos e são validadas por um processo de avaliação nos espaços acadêmicos.

O resultado da análise da vida real não deu espaço para dúvida: o fato de ser um trabalhador formal contratado por tempo indeterminado não significa segurança salarial, segurança para a própria vida e boas condições de trabalho. E mais, a terceirização promove a sobreposição de outras formas de trabalho precário, como o informal, o trabalho em falsas cooperativas, o trabalho escravo e infantil.

Essas teses e dissertações estão distribuídas em um período que vai de 1995 a 2016, contemplando um período importante da difusão da terceirização no Brasil. É possível observar que há uma concentração maior desses estudos a partir dos anos 2000, em especial, nos últimos dois anos aqui analisados (2015 e 2016), momento em que o debate sobre a regulamentação da terceirização no Brasil, em diversos espaços, se tornou bastante presente.

Os estudos selecionados versam sobre uma diversificada gama de setores de atividades econômica, da indústria, serviços, comércio, administração pública direta e indireta, e agropecuária. Dentre esses estudos, há 58 empresas identificadas como foco das pesquisas que estão distribuídas em 61 cidades e 17 regiões metropolitanas. Os estudos escolheram empresas de médio e grande porte com relevância em seus respectivos segmentos setoriais ou, ainda, relevantes para as regiões onde estão localizadas.

Temas como condições de trabalho e vida precários, direitos trabalhistas e benefícios diferenciados, discriminação contra o trabalhador terceirizado, dupla exploração com superposição de outras formas de trabalho precário, jornadas de trabalho exaustivas, maiores dificuldades de organização sindical e de negociação coletiva, alta rotatividade, insegurança para o recebimento do salário e frequentes calotes com a falência das empresas terceiras, condições perigosas e insalubres de saúde e segurança e violação dos diretos são temas mais presentes e as pesquisas apresentam farto material que demonstram como essa ampliação da exploração se dá através da terceirização.

Ou seja, não se trata de um caso pontual de “erro” na aplicação da terceirização. A precarização é estrutural nesse contrato de trabalho. Com uma gama tão variada de setores e cidades/regiões não resta dúvida de que a “competitividade” é conquistada com a redução do custo do trabalho, que por sua vez, precariza as condições de trabalho.

Esses estudos apresentam uma quantidade bastante considerável de esferas na qual a precarização intervém de modo negativo para os trabalhadores. Alguns aparecem com bastante frequência, outros, apesar da baixa frequência, demonstra como ela está associada às piores formas de exploração do trabalho, como, por exemplo, no caso do trabalho infantil.

Adriana Marcolino é técnica do Dieese e mestranda em Sociologia do Trabalho na Universidade de São Paulo (USP)

Rede Brasil Atual

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