A cada dia uma agonia, a cada sentença um golpe

Por José Geraldo de Santana Oliveira*

Segundo a inesgotável sabedoria popular, com os seus ricos ensinamentos de temperança e coragem, cada dia deve ser encarado com sua agonia, caso haja. Equivale a dizer: cada dificuldade há de ser enfrentada ao seu tempo, nunca antecipadamente, para que o sofrimento não sobrevenha em dobro.

No Brasil dos últimos tempos, carregados de pesadas nuvens de dissabores e de medidas que golpeiam o solapam o Estado Democrático de Direito implantado pela Constituição Federal (CF) de 1988, para os/as trabalhadores/as só há uma certeza: a cada dia terão pelo menos uma agonia, que, via de regra, gera asfixia, normalmente, dos direitos fundamentais, individuais e sociais.

Os certeiros golpes a esses direitos são desfechados por todos os poderes da maltratada República; parece que há um orquestrado concerto entre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário para que se revezem na promoção e adoção destes.

O Supremo Tribunal Federal (STF), nos últimos dois anos, tem-se esmerado na adoção de medidas restritivas aos direitos fundamentais e sociais. Para comprovar esta assertiva, basta que se citem as seguintes:

I) Em novembro de 2013, no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) N. 709212, reduziu a prescrição do FGTS de 30 anos — como era assegurado pelo Art. 28 da Lei N. 8.036/1990, que o regulamenta, e a Súmula N. 362, do Tribunal Superior do Trabalho (TST) — para cinco, ao argumento de que ela não pode ser superior à prevista no Art. 7º, inciso XXIX, da CF.

II) Em abril de 2015, no julgamento do RE N. 590415, estabeleceu tese de que o negociado prevalece sobre o legislado, desde que não fira o “padrão mínimo civilizatório” — segundo palavras do relator. Esta tese era perseguida, com sofreguidão, pelo empresariado  já  há alguns anos.

III) Em setembro de 2016, o ministro Teori Zavascki, em decisão monocrática proferida no RE N. 895759, aplicando-lhe a tese fixada no RE 590415, reformou Acórdão do TST que não admitia acordo coletivo que reduzia o alcance do direito às chamadas horas in itinere.

IV) Aos 14 de outubro de 2016, também em decisão monocrática proferida na Arguição de Descumprimento de Preceitos Fundamentais (ADPF), ajuizada contra a Súmula N. 277, do TST, que assegura a ultratividade (aderência definitiva das normas coletivas aos contratos de trabalho), o ministro Gilmar Mendes impôs aos trabalhadores a maior e mais certeira derrota das muitas das quais foram vítimas, pelo menos, nos últimos 50 anos, quando o FGTS — criado pela Lei N. 5107/1966 —, acabou com a estabilidade decenal, vigente desde 1923.

Esta decisão atingiu, em cheio, todos os mais de 58 milhões de trabalhadores/as com contratos de trabalho formalizados na CTPS.

Como consequência dela, cada negociação coletiva de trabalho começará da estaca zero, pois que as condições previstas no instrumento normativo anterior somente valem até o final de sua vigência. Importa dizer: são suprimidas dos contratos de trabalho se não forem expressa e solenemente renovadas.

V) Aos 26 de outubro de 2016, no julgamento do RE 626.489, o STF decidiu, por sete votos a quatro, que não é cabível, nos termos do Art. 18, § 2º, da Lei N. 8213/1991, a desaposentação — cancelamento judicial de uma aposentadoria para obtenção de outra mais vantajosa —, que representava a esperança de centenas de milhares de segurados do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), que abrange todos/as os/as que são regidos pela CLT.

V) Aos 27 de outubro de 2016, a certeira tacada foi desferida contra os servidores públicos da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, no julgamento do RE 693456, mais precisamente contra o seu constitucional e sagrado direito de greve, que lhes é garantido pelo Art. 9º da CF.

Esta decisão, de cumprimento obrigatório de todos os entes federados, determina que os salários dos dias de paralisação (greve) sejam automaticamente descontados desde o primeiro dia, ainda que a greve seja julgada legal pela Justiça, exceto se a paralisação decorrer de ato ilícito da autoridade pública, como, por exemplo, atraso no pagamento dos salários.

O STF, com esta decisão, a rigor, por mais que insista em dizer o contrário, como o fez o ministro Luiz Roberto Barroso, decreta o esvaziamento do direito de greve, haja vista que a simples adesão a esta implica a aplicação de rigorosa punição, consubstanciada no corte dos salários. Dito em outras palavras: aderir à greve é permitido; porém, a simples adesão já importa punição. Com todo o respeito, um acinte — melhor seria dizer, um embuste.

A tese aprovada é a seguinte: “A administração pública deve proceder ao desconto dos dias de paralisação decorrentes do exercício do direito de greve pelos servidores públicos, em virtude da suspensão do vínculo funcional que dela decorre, permitida a compensação em caso de acordo. O desconto será, contudo, incabível se ficar demonstrado que a greve foi provocada por conduta ilícita do Poder Público”.

A afirmação do ministro Roberto Barroso, inserta em seu voto, é bem elucidativa sobre a opção do STF: “O corte de ponto é necessário para a adequada distribuição dos ônus inerentes à instauração da greve e para que a paralisação, que gera sacrifício à população, não seja adotada pelos servidores sem maiores consequências”.

Tomando-se por base o conteúdo desta afirmação, calha perguntar: por que os ônus de uma greve têm de recair sobre os/as trabalhadores/as e a sociedade, ficando ilesos os gestores públicos que, via de regra, são os principais e, com frequência, os únicos responsáveis pela sua deflagração.

Isto é justo, é adequado, é isonômico?

Com todo o respeito ao STF, se ele é o guardião da CF, como preconiza o Art. 102, desta, é melhor que ela fica sem guardião. O que, por certo, a deixará mais protegida.

*José Geraldo de Santana Oliveira é consultor jurídico da Contee

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