‘Bolsonaro estica a corda para fazer do 7 de Setembro o ponto de não voltar’

Os preparativos para as atos golpistas de 7 de setembro estabelecem esses dados como um momento de ruptura da ordem existente, sob o incentivo do presidente Jair Bolsonaro. E essa mobilização se torna ainda mais perigosa diante dos poucos instrumentos imediatos à nossa disposição para demonstrar que há resistência. Esse é o alerta do sociólogo Renato Sérgio de Lima, diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

O receio sobre os passeatas bolsonaristas marcadas para o Dia da Independência cresceu nos últimos dias. Em São Paulo, o governador João Doria afastou o coronel da ativa Aleksander Lacerda, que tinha sob seu controle sete batalhões da Polícia Militar paulista – uma tropa de cerca de 5 mil homens desdobrado em 78 municípios da região de Sorocaba. Na segunda-feira 23, Doria alertou governadores durante uma reunião: “Creiam, isso pode acontecer no seu estado. Aqui temos a inteligência da Polícia Civil, que indica claramente o crescimento desse movimento autoritário para criar limitações e restrições, com emparedamento de governadores e prefeitos que defendem a democracia”.

“O 7 de setembro foi desenhado pelo bolsonarismo de uma forma a ter quase custo zero. Quase todas as possibilidades são favoráveis a eles. A única forma de fracassar seria se não tivesse ninguém nas ruas. Se tiver um grande grupo na Avenida Paulista, já será usado como anuência ao processo, mesmo que não seja gigante. Caso haja um confronto de militantes progressistas com aproveitadores que vão incentivar conflitos, o governo pode optar por uma medida de força como a GLO [Garantia da Lei e da Ordem]”, afirmou Renato Sérgio de Lima em entrevista ao canal de CartaCapital no YouTube.

Ou seja, ele está esticando a corda para fazer o 7 de setembro ser o ponto de não retorno, e temos pouco anteparo para evitar que aconteça isso

Segundo Lima, um adesão ao bolsonarismo “não é tão hegemônica nas polícias civis e federais, mas entre os militares, sim”. Diante disso, o especialista pontua que há diversos mecanismos de médio e longo prazos à disposição de governadores para reorganizar as carreiras policiais. O aumento do salário pode ser um desses pontos, mas não é o único.

“No Brasil, o policial ganha entre 5.600 e 19.000 reais. O problema não é só salário, mas condição de trabalho e de vida. Um policial da base da carreira ganha cerca de 16 vezes menos que um policial no topo da carreira. Na França, a distância é de cinco vezes”, explicou. “Os governadores podem modernizar as carreiras, repensar como patentes, trabalhar na melhoria das condições de segurança da população, ter atenção à saúde mental dos policiais”.

No aspecto imediato, no entanto, especialmente ante declarações políticas e radicalizadas de PMs, “como instituições policiais têm de entender que elas precisam reprimir essas manifestações, não contemporizar”. Neste sentido, a decisão do Exército de não punir o general Eduardo Pazuello após participar de um ato político com Jair Bolsonaro no Rio de Janeiro “foi um sinal muito ruim”.

“Quando a instituição começar a ser leniente com seu próprio oficial, como a gente vai pedir exemplo à tropa, ao chão da fábrica?”, questiona Lima.

Até aqui, pontua o presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o Poder Judiciário é “o grande ator de resistência”. Mas, segundo ele, “um ator ausente cujo silêncio é muito eloquente: o Ministério Público, que tem a função constitucional do controle externo da atividade policial”.

Além disso, pondera o sociólogo, é preciso destacar que o campo democrático falhou ao não promover a reforma das polícias. Governos como o de Fernando Henrique Cardoso e o de Lula, além de diversos mandatários estaduais, levaram a cabo sucessivas gestões de contemporização que fez com que a esquerda “não quisesse chegar perto da segurança pública”. Isso é parte de um processo que abre caminho para um discurso vazio como o de Bolsonaro.

“O bolsonarismo, no fundo, faz um discurso tacanho, simples, mas que tem eficiência.” Vamos nos livrar mal, vagabundos’. Bolsonaro atua no pânico, no medo, e a gente tenta racionalizar isso. Mas isso não é objeto de racionalização. O que é objeto de racionalização é criar uma ética que interdite a violência como linguagem principal da área e dê alternativas de curto prazo. Não adianta prometer o paraíso se, neste momento, eu falar que ele terá de viver o inferno”, acrescentou Lima.

Assista à íntegra da entrevista:

Carta Capital

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