Chacina no Guarujá reforça papel da polícia no genocídio negro, afirmam pesquisadores

Grupo de estudos da Unicamp diz que é "urgente o imediato encerramento da operação" e cobra investigação das ações da PM

Subiu para 16 o número oficial de pessoas mortas pela Polícia Militar (PM) na Baixada Santista, em São Paulo, em apenas seis dias, conforme informação atualizada nesta quinta-feira (03) pela Secretaria de Segurança Pública (SSP) do estado. A letalidade policial em comunidades do Guarujá (SP) e de Santos (SP) é resultado da Operação Escudo, deflagrada desde a última sexta (28) como resposta à morte do soldado Patrick Reis, da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar), na última quinta (27).

“Ao contrário de chacinas anteriores conhecidas, com participação de policiais e motivadas por vingança contra a morte de outros policiais, a fronteira entre a atuação legal e ilegal das forças de segurança na Operação Escudo se torna ainda mais obtusa”, avaliam pesquisadores do Laboratório de Estudos de Política e Criminologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

“A tradicional balaclava usada por grupos de extermínio se tornou um adereço desnecessário, sem a preocupação de se garantir o anonimato de uma atuação clandestina, legitimada pelo seu caráter oficial e pelos discursos dos dirigentes paulistas”, analisa a nota do grupo de estudos.

Enquanto moradores de comunidades como Vila Júlia, Vila Zilda, Sítio Conceiçãozinha, Prainha, Morro do Engenho e Morrinho denunciam estar sob terror, sofrendo execuções sumárias, torturas e ameaças, como apurado pelo Brasil de Fato, os discursos do governo do estado de São Paulo vão no sentido contrário.

O governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) chamou as mortes de “efeito colateral”, afirmou estar “extremamente satisfeito” com a atuação policial e disse que, se houver abusos, serão apurados.

Em comunicado oficial desta quinta (3), a Secretaria de Segurança Pública paulista, comandada pelo policial Guilherme Derrite, informou que todos os “suspeitos” foram assassinados por “entrarem em confronto com a polícia. Todas as ocorrências com morte durante a operação foram resultado da ação dos criminosos, que optam pelo confronto”.

Essa versão, contestada categoricamente por moradores que participaram de um protesto no Guarujá na última quarta (2), é legitimada por Derrite com base, segundo ele, na “fé pública” dos policiais.

Para os pesquisadores da Unicamp, “a confiança cega nas narrativas policiais é identificada pela literatura especializada como uma das causas do aumento e da legitimidade da violência policial no Brasil, seja na figura dos ‘autos de resistência’ que caracterizavam os supostos confrontos de civis com policiais, seja na produção em série de prisões em flagrantes baseadas unicamente nos testemunhos policiais”.

“Ambos dispositivos de legitimação jurídica da violência policial têm sido questionados”, lembra a nota do grupo de estudos, “como aconteceu com a proibição formal do registro de ‘autos de resistência’ e com recente entendimento do Superior Tribunal de Justiça sobre a inadmissibilidade de produção de prova baseada exclusivamente no testemunho policial”.

“A continuidade da Operação Escudo reforça o papel das chacinas policiais como instrumentos do genocídio negro, agravada pela oficialidade e legitimidade que o governo do estado tem buscado garantir”, dizem os pesquisadores. A previsão oficial é que a megaoperação dure, ao menos, 30 dias.

“Diante disso, torna-se urgente o imediato encerramento da Operação Escudo para evitar a continuidade da violência na Baixada Santista, e que sejam investigadas as ações que resultaram nas mortes de civis”, recomendam.

Defensoria oficia governo Tarcísio

Demanda similar foi apresentada em ofício pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo ao governo Tarcísio na última quarta-feira (2). As defensoras Fernanda Balera, Surrailly Youssef e Cecilia Nascimento, do Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos do órgão, pedem que a Operação Escudo seja “imediatamente interrompida”.

Considerando esta como a segunda operação mais letal da história da PM paulista, ficando atrás apenas do massacre do Carandiru, com 111 vítimas, o documento pede que todos os policiais usem câmeras nos uniformes.

As câmeras acopladas às fardas dos agentes são usadas apenas pela PM e não pela Polícia Civil, que também vem atuando na operação no litoral paulista.

Outro ofício da Defensoria foi entregue ao Ministério Público de São Paulo sugerindo a instauração de procedimento autônomo para investigar as circunstâncias das mortes praticadas pela polícia.

Edição: Geisa Marques

Do Brasil de Fato

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