Novo Fundeb: mais de 500 municípios pobres em estados ricos poderão receber verba

Hoje, principal mecanismo de financiamento da educação só beneficia dez estados; mudança depende de aprovação do Senado

A aprovação do novo Fundeb no Senado Federal deve fazer chegar dinheiro a rincões nunca antes contemplados pelo principal mecanismo de financiamento da educação básica no Brasil.

Pelas regras atuais, a verba extra não alcança escolas públicas de municípios pobres que pertencem a estados ricos. Isso porque o critério em vigor leva em conta apenas a média de receitas estaduais, excluindo da distribuição de recursos os mais abastados.

Hoje, só 1.699 municípios de dez estados recebem complemento da União por não atingirem o valor mínimo por aluno. Com o novo critério, considerando as particularidades municipais, o número chegaria a 2.284 cidades, em 22 estados.

Minas Gerais, que atualmente não recebe a complementação orçamentária, seria a unidade da federação mais beneficiada pela mudança – 321 municípios do estado entrariam na conta do fundo até 2026.

É o caso do município de Josenópolis, localizado entre as regiões mineiras do Médio Jequitinhonha e Alto Rio Pardo. Na cidade com menos de 5 mil habitantes, existem apenas duas escolas, uma municipal e outra estadual. A falta de dinheiro do Fundeb é bastante sentida por lá.

Na Escola Juca Maria, por exemplo, onde a servidora Joanita Soares se divide entre as funções de professora e bibliotecária, é preciso improvisar materiais escolares e não existe nem sala para os professores descansarem ou comerem. Segundo ela, o jeito dado é almoçar diariamente dentro da biblioteca. “Não sobra lugar na cantina”, conta.

Com acúmulo de 24 anos como servidora da educação pública, Joanita é hoje uma é uma espécie de faz-tudo na escola: comanda a biblioteca, substitui educadores que faltam, ajuda a direção e a supervisão e ainda dá conta de demandas administrativas.

O teletrabalho instaurado nas escolas de Minas com a pandemia do coronavírus fez as tarefas aumentarem ainda mais: Joanita tem que entrar em contato com famílias para acompanhar o desenvolvimento dos alunos, assim como explicar conteúdos e sanar as dúvidas dos mais de 40 estudantes que atende de forma individualizada, diretamente pelo WhatsApp.

Apesar de ter que dar conta de tantas atividades, sua remuneração é insuficiente – aproximadamente, R$ 1,7 mil, ou menos de dois salários mínimos. “Esse salário não dá para eu viver. Tenho dois filhos e tenho que estudá-los. Aí eu trabalho em outras duas jornadas. Tenho um cargo efetivo na prefeitura e vou à tarde, e à noite, quando surge algum bico extra, faço pra complementar, quando não estou no planejamento das aulas, correções das provas, etc”, desabafa.

Quem também enfrenta dificuldades como trabalhadora da educação no interior do estado é a professora de língua portuguesa Rosa Nilha Rodrigues.

Esse salário não dá para eu viver.

Ela dá aula na escola Antônio Ramalho Motta, que fica na comunidade rural de Santo Antônio do Bolas, na cidade Jenipapo de Minas (menos de 8 mil habitantes), no Vale do Jequitinhonha. A docente diz que já teve que cancelar inúmeras atividades que daria em sala por falta de acervo literário.

Segundo Rosa – que também recebe cerca de um salário mínimo e, pela falta de transporte público, gasta com motoboy na ida e volta do expediente –, a escassez da internet já era um problema constante muito antes da pandemia. Para ela, essa deveria ser uma prioridade adotada caso o novo Fundeb seja aprovado.

“Não adianta, não tem como levar os meninos para sala de informática se a internet não funciona. Não posso nem acessar a biblioteca virtual para sanar a falta do acervo, nem fazer chamada no diário virtual. Tenho que fazer no diário de papel e depois passar para o computador, em casa. Tudo isso complica, é mais trabalho, mais tempo gasto. Implementam uma função, querem o cumprimento, mas não nos dão as ferramentas adequadas. A tecnologia é uma ferramenta de trabalho”, ressalta.

Mesmo quando consegue levar os estudantes até os computadores, Rosa divide a turma em duas partes. O cômodo é pequeno, não cabe todo mundo, e nem todos os equipamentos funcionam. “É necessário uma pessoa pra ficar com os outros alunos. Nem sempre a bibliotecária pode sair porque ela está na área de reforço. E aí ninguém vai”.

Crianças e jovens que moram em Jenipapo e região e estudam em Santo Antônio do Bolas possuem transporte escolar gratuito. No entanto, a estrada de terra, de 55 km, é interditada quando chove. Nesses dias não há aula. A empreitada é mais difícil para alunos com deficiência, atendidos pela instituição sem condições de acessibilidade, de acordo com a professora.

Rosa lembra, ainda, que já houve tempo em que as cantineiras precisaram pedir água “emprestada” ao vizinho para fazer a merenda. O Jequitinhonha é uma das regiões que mais sofrem com a seca em Minas Gerais.

Tramitação

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do novo Fundeb foi aprovada pela Câmara dos Deputados em 21 de julho, após uma série de tentativas de obstrução do governo Jair Bolsonaro (sem partido).

Pela proposta, a complementação da União de 10% para 23%, gradualmente por seis anos, além de mudar a forma de distribuição de recursos aos estados e Distrito Federal.

O projeto também estabelece que, no mínimo, 70% dos recursos recebidos sejam usados com salários de professores. É o contrário da linha que adotava o governo, de estabelecer um teto de 85% para os vencimentos dos profissionais.

Caso vire lei, o novo fundo entra em vigor em janeiro de 2021, começando com 12% de complementação. Para que isso aconteça, é preciso que o Senado também aprove a PEC. Se houver alterações, o texto volta para a Câmara.

Brasil de Fato

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