O bolsonarismo nasce na Avenida Paulista, aponta pesquisadora de movimentos conservadores

O bolsonarismo, termo que define o movimento que elegeu o presidente Jair Bolsonaro e que se apoia no viés político mais conservador, talvez não elegesse seu principal representante sem a colaboração de um ato que nasceu, aparentemente, de maneira espontânea, no dia 16 de março de 2016, na Avenida Paulista.

Naquela data, o Jornal Nacional divulgava as conversas gravadas entre Lula, seus advogados e aliados políticos. O diálogo de maior repercussão foi entre o ex-presidente e a então mandatária do país, Dilma Rousseff, sobre a nomeação dele para um ministério no governo – se Lula virasse ministro, as investigações sobre ele passariam da Justiça Federal para o Supremo Tribunal Federal.

As divulgações dos grampos telefônicos, feitos de maneira ilegal, porque envolveram a chefe do Estado brasileiro e advogados da defesa de um réu, se deram por autorização de Sergio Moro, na época o juiz responsável por julgar os casos envolvendo Lula na Lava Jato.

“O acampamento da Fiesp se formou exatamente no dia em que o então juiz Sérgio Moro divulgou os áudios da conversa do Lula com a Dilma. Foi exatamente algumas horas depois que o Jornal Nacional divulgou os áudios”, conta a antropóloga social, Isabela Oliveira Kalil, em entrevista a Luis Nassif, na TV GGN.

Isabela dedica-se há seis anos a estudar o desenvolvimento de movimentos conservadores no Brasil e hoje coordena uma equipe no Núcleo de Etnografia Urbana da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP).

O acampamento da Fiesp, que recebeu esse nome porque se formou em frente ao prédio da sede da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, na Avenida Paulista, durou 168 dias e foi considerado um dos aceleradores da queda da ex-presidente Dilma Rousseff da Presidência.

A pesquisadora Isabela Kalil conta que, inicialmente, a intenção dos manifestantes era fazer apenas mais um ato na Avenida Paulista contra o governo Dilma, mas a situação acabou levando para a instalação do “Acampamento Patriótico Resistência Paulista”, seu nome oficial, que tinha como slogan “Meu Partido é o Brasil”.

“O gatilho para a formação desse acabamento foi a divulgação dos áudios”, reforça a antropóloga que realizou entrevistas com os manifestantes do acampamento durante todo o período.

Ela explica que a pauta comum do grupo era o combate a corrupção, mas que o impeachment da então presidente Dilma Rousseff “foi um grande aglutinador” dos movimentos conservadores na cidade de São Paulo. A região onde se concentram seus estudos desde 2013.

Sobre o perfil dos frequentadores do acampamento, Kalil destaca que era diverso. “Claro, que tinha uma presença maior de homens”. Entre eles, foram identificados estudantes universitários, advogados e até moradores de rua. Alguns dormiam direto no local, outros frequentavam o acampamento apenas em determinadas horas do dia.

Com o passar do tempo, Kalin destaca que o movimento se tornou cada vez mais radical. “Uma tendência que foi se fortalecendo foi a dos intervencionistas, grupo dos que pediam ‘intervenção militar temporária e constitucional’, nas palavras deles”, relembra.

O movimento dos intervencionistas não era o majoritário, no início da instalação do acampamento, mas “foi a tendência que ganhou [o discurso] ali”, e perdurou por mais tempo, prossegue a pesquisadora.

Mais importante ainda, explica Kalil, apesar da rotatividade, o acampamento funcionou como uma base da propagação de um discurso alinhado tanto ao pedido de impeachment de Dilma quanto à intervenção militar, com apoio ao fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal. Tudo pelo fim da corrupção econômica e moral no Brasil.

O perfil do eleitor bolsonarista
Nas pesquisas feitas em campo, não apenas com os frequentadores do Acampamento Fiesp, mas também com os manifestantes dos protestos pelo impeachment de Dilma, Kalil destaca que pessoas com diferentes perfis sociais, incluindo moradores da periferia e evangélicos, apresentavam publicamente apoio ao Estado Mínimo.

“Pedimos para aquelas pessoas definirem o que é o Estado Mínimo e tivemos como respostas: ‘quero um estado que possa prover mais educação, educação de qualidade, mais saúde, saúde de qualidade, e que tenha uma intervenção mínima em assuntos, por exemplo, que são religiosos e sobre sexualidade’. Então, ali eu percebi que, na verdade, quando essa pessoa falava em Estado Mínimo era uma percepção muito diferente daquela que, às vezes, a gente supõe que é o Estado ultraneoliberal, por exemplo, de privatização da saúde e educação”, conta a pesquisadora.

“Esse é um bom ponto de partida para a gente entender que podemos defender as mesmas pautas, mas com significados muito distintos conforme o ponto de vista [ideológico] das pessoas”, completou.

Kalin pontua ainda que a corrupção, principal tema presente nos discursos desse grupo, não diz respeito apenas à corrupção financeira, entre governos e empresas privadas.

“Quando começamos a colher informações sobre a corrupção, nós imaginávamos que as pessoas estavam falando da anticorrupção no sentido da relação entre empresas privadas e o Estado, desvios, questões envolvendo recursos financeiros, dinheiro, mas não era só isso”, contou.

“No final, vimos nas pesquisas que apareciam coisas do tipo: ‘se eu tenho uma criança, e ela está na escola e aí estão ensinando o meu filho a ser gay, por exemplo, isso é uma forma de corrupção moral”, completou.

“Na campanha, por exemplo, quando conversávamos sobre o candidato Fernando Haddad, comentando que ele não estava envolvido em nenhum caso de corrupção, recebíamos respostas como: ‘mas ele é responsável pelo kit gay’. Ou seja, ‘sim ele é corrupto, porque está por trás de uma forma de corrupção moral’”. Assista a seguir a entrevista na íntegra.

Jornal GGN

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