Sinpro/RS: Saúde articulou grupos privados para doar vacinas em troca da imunização de funcionários

Esquema envolvendo Petrobras, Vale, Itaú, JBS, Gerdau, Vivo e Gol pretendia ratear custo bilionário de vacinas e permitir que empresas furassem a fila da imunização para retomar atividades a pleno

O Ministério da Saúde incentivou um grupo de grandes empresas brasileiras a negociar a compra de vacinas contra a covid-19 em troca da doação de metade do estoque para o sistema público de saúde. A outra parte poderia ser usada pelas companhias para imunizar funcionários e seus familiares, como forma de retomar a atividade econômica. As vacinas seriam compradas dos laboratórios AstraZeneca e Pfizer. A medida foi incentivada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

A negociação envolvia um lote de 33 milhões de doses – quase seis vezes o que o Brasil já recebeu para imunizar os grupos de risco, que estão na frente do cronograma de vacinação.

O acerto poderia garantir 5,5 milhões de vacinas à margem do plano nacional de imunização (PNI), que prevê imunizar primeiro profissionais de saúde, idosos, indígenas e quilombolas e moradores permanentes de casas geriátricas.

O grupo reunido informalmente pelo ministério tinha entre seus integrantes empresas de grande porte, como Petrobras, Vale, Itaú, JBS, Gerdau, Vivo e Gol, entre outras. A transação envolve valores superiores a R$ 4,23 bilhões.

A estratégia comporta duas frentes: ratear com a iniciativa privada o custo bilionário da compra de vacinas e permitir que essas empresas furem a fila da imunização e voltem a operar a pleno.

Em nota, o ministério reconheceu a negociação, mas justificou que foi procurado pelo grupo de empresas e informado sobre a perspectiva de compra das doses. “O ministério da Saúde não se envolveu em nenhuma negociação envolvendo a compra de vacinas por empresas brasileiras”, diz a nota.

Também afirma que na última sexta-feira, 22, enviou uma carta às empresas com objeções ao negócio: doação ao SUS de pelo menos 50% das doses, utilização do excedente exclusivamente nos funcionários das empresas e respeito aos critérios de prioridade do PNI. O documento foi assinado pelo secretário-executivo da pasta, coronel Elcio Franco, e pela Advocacia-Geral e Controladoria-Geral da União.

O governo tem contratadas com o Instituto Butantan, detentor da Coronavac desenvolvida em conjunto com a chinesa Sinovac, a compra de 46 milhões de doses, suficientes para imunizar cerca de 23 milhões de pessoas – em torno de 10% da população brasileira. Na semana passada, o instituto ofereceu mais 54 milhões de doses, mas até agora não recebeu resposta.

Segundo o diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, o lote extra poderá ser contratado com países vizinhos – a começar pela Argentina. “Se o governo brasileiro declinar dessas 54 milhões de doses, vamos priorizar os demais países com quem temos acordo”, afirmou. As vacinas podem ser entregues até abril.

Política deliberada de disseminação do vírus

A omissão governamental coincide com o resultado de pesquisa elaborada pelo Centro de Pesquisas e Estudos de Direito Sanitário (Cepedisa), pela Faculdade de Saúde Pública (FSP) da Universidade de São Paulo (USP) e pelo Conectas Direitos Humanos que aponta uma estratégia institucional de propagação do coronavírus no país por meio de normas federais.

“Os resultados revelam o empenho e a eficiência da atuação da União em prol da ampla disseminação do vírus no território nacional, declaradamente com o objetivo de retomar a atividade econômica o mais rápido possível e a qualquer custo”, afirma o editorial da publicação.

O Conselho Nacional de Saúde (CNS) se posicionou contrário à mercantilização da vacina por grupos empresariais privados. “Somente o SUS, por intermédio do PNI, poderá garantir a vacinação de toda a população brasileira com base em critérios científicos. Seringas, agulhas, insumos de biossegurança e adequada logística e competência são necessárias para atingirmos este objetivo”, disse o presidente do CNS, Fernando Pigatto.

Segundo ele, é urgente a efetivação de ações coordenadas nacionalmente para a vacinação de toda a população pelo sistema público. “O ritmo lento e a insuficiência das medidas do governo na imunização são inaceitáveis, especialmente se lembramos o exitoso histórico de ações brasileiras em programas nacionais de vacinação”, completou.

Do jornal Extra Classe, do Sinpro/RS

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