O voto negro e o voto no negro

O Instituto de Estudos Socioeconômicos constatou que dos 25.919 candidatos 44,2% são negros

Por Jorge Américo, De São Paulo (SP)

A campanha em defesa do plebiscito popular pela constituinte, realizada en­tre 1º e 7 de setembro, ampliou o debate sobre as desigualdades no processo elei­toral e no sistema político brasileiro. A sub-representatividade de negros, mu­lheres e indígenas foi um dos temas mais comentados ao lado do fim do financia­mento privado de campanhas eleitorais.

As discussões levantadas pelos movi­mentos sociais foram endossadas por um relatório divulgado duas semanas de­pois da coleta de votos realizada em qua­se 4 mil municípios. O Instituto de Estu­dos Socioeconômicos constatou que dos 25.919 candidatos 44,2% são negros.

Nestas eleições, teremos a oportu­nidade de verificar se as candidaturas são suficientemente divulgadas a pon­to de resultar em escolhas que refletem a composição populacional do país. Se o “voto negro” significasse “voto no ne­gro”, teríamos uma maioria de repre­sentantes negros nos cargos eletivos, visto que 55% dos brasileiros que têm direito a votar pertencem a esse grupo étnico-racial.

O professor da Universidade de São Paulo (USP) e integrante do coletivo Quilombação Dennis de Oliveira ressal­ta a importância de o discurso antirracis­ta aparecer nas campanhas eleitorais pa­ra, no futuro, se transformar em políticas públicas sérias.

“O Estado brasileiro é um Estado racis­ta, que tem a opressão racial na sua gêne­se. Mas a nossa luta criou espaços insti­tucionais onde a gente possa atuar. Por isso é importante a nossa participação no processo eleitoral.”

Bomba atômica

As políticas afirmativas voltadas para a população negra estabelecidas a partir do primeiro mandato de Lula em 2003 esboçaram uma preocupação maior com o problema racial. Entre elas, está a apro­vação da Lei 10.639/03 (alterada pela Lei 11.645/08), que determina o ensino da história e cultura africana e afro-brasi­leira no ensino básico. Na sequência vie­ram a reserva de vagas nos programas de acesso ao ensino superior privado e nas universidades federais, entre outras.

Oliveira reconhece o avanço dessas po­líticas, mas vê a questão racial como um problema estrutural, definidor das desi­gualdades sociais. Ao cobrar engajamen­to dos ativistas, ele dá ênfase aos ensina­mentos dos professores Florestan Ferna­des e Clovis Moura, dois grandes pensa­dores da questão racial no Brasil.

“A luta contra o racismo é uma bomba atômica que vai transformar a sociedade. O racismo não é só o comportamento de­gradante de um branco contra um negro. O racismo significa uma metodologia que mantém privilégios raciais. Por is­so, a gente precisa lutar em todas as trin­cheiras: no movimento social, nas ruas, nos partidos políticos, no Congresso Na­cional”, avalia.

Outras medidas mais universalistas também se fazem necessárias, como ex­plica Oliveira. O professor destaca o in­vestimento de 10% do PIB para a Educa­ção; o fim dos autos de resistência, que é “um instrumento que legaliza o assassi­nato de jovens pela polícia militar”; cotas em todas as universidades públicas e no serviço público; e o fim da prioridade da­da ao pagamento dos juros da dívida pú­blica, que hoje consome metade do orça­mento do país.

Do Brasil de Fato

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