Análise: O caos no Direito do Trabalho disfarçado de ‘reforma trabalhista’

Nesta segunda-feira (17), no dia em que completa um ano do golpe que destituiu a presidenta Dilma Rousseff, o consultor jurídico da Contee, José Geraldo de Santana Oliveira, disponibiliza uma completa análise do substitutivo da reforma trabalhista, apresentado na semana passada na Comissão Especial da Câmara, mostrando que os trabalhadores continuam sendo golpeados em seus direitos. Confira:

Colhe-se do relatório do deputado federal Rogério Marinho, na forma de substitutivo ao Projeto de Lei (PL) N. 6787/2016, que trata da impropriamente chamada reforma trabalhista, que os seus principais objetivos são: reescrever a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), retirando-lhe a proteção mínima que dá ao trabalhador, transformando-a em ampla e geral garantia ao capital; subjugar a Justiça do Trabalho aos ditames da lei, no caso a que ele contém, impedindo-a de aplicar a justiça social, por meio de sua jurisprudência; e estrangular a organização sindical.

Frise-se que não se trata de redação apressada e/ou imprecisa. Ao contrário, tem-se, nele, algo devidamente articulado e orquestrado, com nítida e profunda identidade com o que defendem, em palavras e votos, o ministro presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Ives Gandra Silva Martins Filho, e do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes: declaradamente, detratores do Direito do Trabalho. Não sem razão, o presidente do TST, foi o primeiro a manifestar o seu entusiasmo e o seu irrestrito apoio ao referido relatório.

Para cumprir os seus vis propósitos, o epigrafado relatório, além de abrir largos para a redução e até supressão dos principais direitos contidos na CLT, por meio de “acordos individuais”, entre o empregado e o empregador, convenções e acordos coletivos, cria sólidas e quase intransponíveis amarras à Justiça do Trabalho, por meio do acréscimo de 46 Arts. à CLT, para que aquela, de nenhum modo, deixe aplicar a literalidade desta e/ou fixe entendimento mais benéfico aos trabalhadores; e, sem pejo algum, blinda as empresas e o seus sócios com garantias de que os seus interesses escusos estarão  sempre protegidos contra os trabalhadores e a atuação da Justiça do Trabalho.

O relator e os seus confrades, antes de elaborar o realçado relatório, estudaram a fundo a jurisprudência do TST, adotando tudo que ela contém de nocivo aos trabalhadores e expurgando, por meio de alterações de dispositivos da CLT e da criação de novos, o que nela lhes é benéfico; como se demonstrará a seguir:

2             O  § 2º do Art. 2º foi alterado para restringir o alcance da solidariedade entre as empresas que compõem grupo econômico, muito embora a mudança redacional seja quase imperceptível.

2.1          Foram acrescentados os §§ 2º e 3º a esse Art., que descaracterizam como grupo econômico a identidade entre sócios de mais de uma empresa “se não comprovado o efetivo controle de uma empresa sobre as demais”.

Segundo o relator, em sua exposição de motivos, consoante a justificativa, a “alteração do art. 2º busca não deixar margem a dúvida sobre a caracterização do grupo econômico, impedindo-se o empréstimo de lei do trabalho rural para a ampliação do conceito, como tem sido feito a partir do entendimento sumulado do TST. Com isto, evitam-se injustiças no momento da execução, com a inclusão no rol dos devedores de sócios ou empresas que dele não deveriam constar”.

3             Ainda com idênticos objetivos, acrescentou-se o § 2º ao Art. 3º, “com o fito de assegurar que a relação comercial de compra e venda e insumos na cadeia produtiva não caracteriza vínculo empregatício e, consequentemente, não gera responsabilidade de natureza trabalhista de qualquer ordem entre a empresa compradora e os empregados da empresa vendedora, trazendo, dessa forma, segurança jurídica às partes envolvidas”; menos aos trabalhadores, é claro.

4             Ao Art. 4º, acresceu-se o § 2º, para limitar o conceito de tempo à disposição do empregador.

5             Ao Art. 8º, promoveram-se as seguintes alterações:

5.1          O parágrafo único, que assim dispõe: “O direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste”, passa a ser o primeiro, com a seguinte redação: “O direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho”.

A supressão da parte final da redação atual visa a permitir que normas do direito comum, ainda que incompatíveis com o do trabalho, sejam fonte subsidiária, nos casos em que este não possua norma própria; o que, hoje, é proibido.

5.2          Foi acrescentado o § 2º, que impede o TST de restringir supostos direitos dos empregadores, legalmente previstos, e de criar obrigações não previstas em lei, com a ultratitvidade da norma, por exemplo.

Com isto, o TST ficará limitado à aplicação literal da lei, não podendo interpretá-la, para destinar a sua aplicação aos fins sociais a que ela se destina, como determina o Art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil (LICC). Equivale a dizer: justiça social é para o capital; para o trabalho, jamais.

5.3          O § 3º, acrescido ao Art. 8º, simplesmente proíbe a Justiça do Trabalho de analisar o conteúdo de qualquer acordo que restrinja direito, não importando os prejuízos que tragam aos trabalhadores, seja individual ou coletivo; a análise desses instrumentos cinge-se à sua forma, ou seja, se partes são capazes, se o objeto é lícito e, pela “nova” CLT, tudo o é, e se não há disposição legal em sentido contrário; e nada mais.

Equivale a dizer: a Justiça do Trabalho é transformada em justiça do capital.

6             Criou-se o Art. 10-A, para reduzir a responsabilidade de sócios retirantes da sociedade às ações ajuizadas até dois anos após a averbação da modificação contratual de alteração societária; exceto nos casos de comprovada fraude contratual.

7             O caput do Art. 11 teve a sua redação alterada, adaptando-se ao inciso XXIX do Art. 7º da CF, modificado em prejuízo dos trabalhadores rurais, pela Emenda Constitucional (EC) N. 28/2000.

7.1          Acresceu-se ao Art. 11 o § 4º, com a redação literal da Súmula N. 294 do TST, de longe, a mais maléfica de todas, com a seguinte redação:

“Tratando-se de ação que envolva pedido de prestações sucessivas decorrente de alteração ou descumprimento do pactuado, a prescrição é total, exceto quando o direito à parcela esteja também assegurado por preceito de lei”.

Por essa súmula, agora incorporada à CLT, a prescrição de créditos oriundos de garantias contidas em instrumentos coletivos normativos é total, isto é, não ocorre mensalmente, como acontece com as que decorram de lei.

7.2          Acresceu-se, ainda, o §5º ao Art. 11, para determinar que protesto judicial, previsto no Art. 726 do Código de Processo Civil (CPC), e na Orientação Jurisprudencial (OJ) N. 392 do TST, não interrompe a prescrição; somente a ação judicial o faz e limitada aos pedidos nela expressamente  insertos.

8             Adicionou-se o Art. 11-A, para trazer para o Direito do Trabalho a famigerada prescrição intercorrente — aquela que ocorre no curso da ação de execução —, vedada pela Súmula 114 do TST, podendo ser declarada de ofício (iniciativa própria) da Justiça do Trabalho, em qualquer grau de jurisdição. Mais um tiro certeiro nos direitos dos trabalhadores.

A tática é a do político mineiro José Maria Alckmin, secretário de Finanças de Minas Gerais no governo de Juscelino, que consiste no seguinte: “conta velha ninguém paga; conta nova, deixa-se envelhecer”.

Mais um colossal negócio para empregadores inescrupulosos.

9             O § 2º do Art. 58 foi alterado com a única finalidade de suprimir o direito às chamadas horas in itinere, assegurado pela atual redação e pela Súmula N. 90 do TST, nos seguintes termos:

“§ 2o O tempo despendido pelo empregado até o local de trabalho e para o seu retorno, por qualquer meio de transporte, não será computado na jornada de trabalho, salvo quando, tratando-se de local de difícil acesso ou não servido por transporte público, o empregador fornecer a condução”.

HORAS ‘IN ITINERE’. TEMPO DE SERVIÇO (incorporadas as Súmulas nºs 324 e 325 e as Orientações Jurisprudenciais nºs 50 e 236 da SBDI-1) – Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005

I – O tempo despendido pelo empregado, em condução fornecida pelo empregador, até o local de trabalho de difícil acesso, ou não servido por transporte público regular, e para o seu retorno é computável na jornada de trabalho. (ex-Súmula nº 90 – RA 80/1978, DJ 10.11.1978)

II – A incompatibilidade entre os horários de início e término da jornada do empregado e os do transporte público regular é circunstância que também gera o direito às horas “in itinere”. (ex-OJ nº 50 da SBDI-1  – inserida em 01.02.1995)

III – A mera insuficiência de transporte público não enseja o pagamento de horas “in itinere”. (ex-Súmula nº 324 – Res. 16/1993, DJ 21.12.1993)

IV – Se houver transporte público regular em parte do trajeto percorrido em condução da empresa, as horas “in itinere” remuneradas limitam-se ao trecho não alcançado pelo transporte público. (ex-Súmula nº 325 – Res. 17/1993, DJ 21.12.1993)

V – Considerando que as horas “in itinere” são computáveis na jornada de trabalho, o tempo que extrapola a jornada legal é considerado como extraordinário e sobre ele deve incidir o adicional respectivo. (ex-OJ nº 236 da SBDI-1 – inserida em 20.06.2001)”.

9.1 O § 3º desse Art., que regulamentava a hora in itinere nas empresas de pequeno porte, foi suprimido pelo relatório.

Há casos em que o tempo despendido de casa ao trabalho e vice-versa é superior a três horas; pela redação proposta para os §§ acima, este tempo não será computado na jornada de trabalho por fração alguma.

10           O Art. 58-A, que cria a esdrúxula figura do regime de tempo parcial, foi alterado,  para aumentar o número de horas semanais de 25 para 30, sem possibilidade de horas extras; e para 26, com a permissão de até seis horas extras semanais, que podem ser objeto de compensação.

11           O Art. 59, que trata da jornada de trabalho, para substituir as expressões “mediante acordo escrito entre empregador e empregado, ou mediante contrato coletivo de trabalho”, por acordo individual, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho.

11.1        O § 4º, com a redação “Os empregados sob o regime de tempo parcial não poderão prestar horas extras”, foi revogado. 

11.2        Acrescentou-se o § 5º, para permitir que o banco de horas seja estabelecido por acordo individual, o que é vedado pela Súmula N. 85 do TST.

12           Criaram-se os Arts. 59-A a 59-C, com os objetivos de:

12.1 O 59-A permite a estipulação, por acordo individual escrito, coletivo ou convenção coletiva, de “quaisquer formas de compensação de jornada, desde que não seja ultrapassado o limite de dez horas diárias de trabalho e que a compensação se realiza no mesmo mês”.

12.2        O 59-B autoriza, por meio de iguais instrumentos, jornada de 12 horas, seguidas por 36 de descanso, “observados ou indenizadas os intervalos para repouso e alimentação”, o que viola a já contestada Súmula N. 444 do TST, que somente a admite por meio de convenção e acordo coletivo.

12.2.1     O parágrafo do Art. 59-B considera englobado na remuneração mensal o repouso semanal e os feriados, ainda que sejam trabalhados, em afronta à Súmula N. 146 do TST.

12.3        O Art. 59-C legaliza o enriquecimento sem causa, vedado pelo Art. 884, do CC, ao dispor: “O não atendimento das exigências legais para compensação de jornada, inclusive quando estabelecida mediante acordo tácito, não implica a repetição de indébito do pagamento das horas excedentes à jornada normal diária não ultrapassada a duração máxima semanal, sendo devido apenas o respectivo adicional”.

12.3.1 O parágrafo único desse Art. estipula: “A prestação de horas extras habituais não descaracteriza o acordo de compensação de jornada e o banco de horas”. Esse dispositivo significa: ao empregador, tudo; ao empregado, obrigações, e nada mais.

13           Adicionou-se um parágrafo único ao Art. 60 para autorizar jornada de 12×36 em atividades insalubres, independentemente de licença prévia do MTE. É semiescravidão.

14           Alterou-se o § 1º do Art. 61, para facultar ao empregador a exigência de prorrogação de jornada, em  caso de necessidade imperiosa, à revelia do empregado e do MTE.

15           Acrescentou-se o inciso III ao Art. 62, para dispensar o controle de jornada ao empregados de teletrabalho.

16           O § 4º ao Art. 71, para limitar o pagamento do intervalo para alimentação — com duração mínima de uma hora e máxima, de duas —, não  concedido integralmente, ao tempo subtraído. Hoje, por força da Súmula N. 437 do TST, em casos que tais, a empresa fica obrigada a pagá-lo, por inteiro, com acréscimo de 50%.

17           Criaram-se os Arts. 75-A a 75-G para regulamentar o teletrabalho. Destacam-se, dentre estes, a possibilidade de o regime presencial ser transformado em teletrabalho, por comum acordo entre as partes, e a de o empregador, unilateralmente, transformar este naquele; e a exigência de o empregado assinar termo de responsabilidade, comprometendo-se a seguir as instruções fornecidas pelo empregador, ficando este eximido por eventuais danos causados àquele.

18           Alterou-se o § 1º do Art. 134, para autorizar a empresa a fracionar as férias em, até três períodos, sendo que um deles não poderá ser inferior a 14 dias corridos e os demais, a cinco dias corridos cada um, mediante simples “concordância do empregado”.

18.1        Revogou-se o § 2º, desse Art., segundo o qual as férias dos menores de 18 e dos maiores de 50 anos não podem, em nenhuma hipótese, ser fracionadas.

19           Acrescentaram-se os Arts. 223-A a 223-G, para regulamentar o dano moral de que tratam o Art. 5º, inciso X, da CF, e 186, 187 e 927 do CC, fazendo-o com a finalidade de impedir que a Justiça do Trabalho tenha como bastante, para o seu reconhecimento, a prova do fato, o que se denomina “dannum in re ipsa”.

19.1        Art. 223-G exige o cumprimento de tantas exigências, pelo juízo que conhecer e julgar ações desta natureza, que, a rigor, não haverá o seu deferimento. As referidas exigências são:

I-              A natureza do bem jurídico tutelado.

II-             A intensidade do sofrimento ou da humilhação.

III-            A possibilidade de superação física ou psicológica.

IV-           Os reflexos pessoais e sociais da ação ou da omissão.

V-            A extensão e a duração dos efeitos da ofensa.

VI-           As condições em que ocorreu a ofensa ou o prejuízo moral.

VII-          O grau de dolo ou culpa.

VIII-         A ocorrência de retratação espontânea.

IX-           O esforço efetivo para minimizar a ofensa.

X-            O perdão tácito ou expresso.

XI-           A situação social e econômica das partes envolvidas.

XII-          O grau de publicidade da ofensa.

19.2        Dispõe o § 1º desse Art. que, se for julgado procedente o pedido, “o juiz fixará a indenização a ser paga a cada um dos ofendidos em um dos seguintes parâmetros, vedada a acumulação:

I-             ofensa de natureza leve, até cinco vezes o último salário contratual do ofendido;

II-            ofensa de natureza média, até vezes o último salário contratual do ofendido;

III-           ofensa de natureza grave, até cinquenta vezes o  último salário contratual do ofendido”.

Igual procedimento será observado, quando o ofendido for pessoa jurídica. Havendo reincidência entre partes idênticas, o valor da indenização poderá ser dobrado.

20           O Art. 394-A foi alterado para dispor que a empregada gestante ou lactante pode trabalhar em atividade insalubre, mediante simples atestado de que o ambiente não lhe afetará a saúde, o que hoje é terminantemente vedado.

21           Acresceram-se ao Art. 429 os §§ 3º, 4º e 5º, para excluir o menor aprendiz que teve o contrato transformado em indeterminado do percentual obrigatório a cada empresa; bem assim, os que ocuparem funções incompatíveis com a condição de menor aprendiz, definidas em convenção coletiva, e, não havendo esta, pelo MTE.

22           Incluiu-se o Art. 442-A, para legalizar a fraude à legislação trabalhista, pela substituição do contrato de emprego por prestador serviço de serviço autônomo, com a finalidade de excluí-lo de todos os direitos trabalhistas devidos aos que possuem vínculo de emprego.

Esse Art. assim estabelece: “A contratação do autônomo, cumpridas por este todas as formalidades legais, com ou sem exclusividade, de forma continua ou não, afasta a qualidade de empregado prevista no art. 3º desta Consolidação”.

Muito embora o texto não defina a expressão “cumpridas por este todas as formalidades legais”, não dúvidas de que o faz propositadamente, para abrir largos à famigerada pejotização, que nada mais é do que a fraude ao vínculo de emprego, por meio do fornecimento de nota fiscal.

23           O caput do Art. 443 foi alterado para incluir o contrato “para prestação de trabalho intermitente”, que pode ser verbal ou escrito, e válido para todas as atividades da empresa, meio ou fim.

23.1        Adicionou-se o § 3º, para definir contrato intermitente como “o contrato de trabalho no qual a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador, inclusive as disciplinadas por legislação específica”.

Esta modalidade de contrato a prazo certo caracteriza-se, com certeza, como a mais cruel de todas quantas a integram, pois que o trabalhador, apesar de ficar à disposição da empresa, à espera de seu chamado, que pode durar horas, dias ou meses, somente recebe pelas horas trabalhadas, e nada mais; e, quando este monstrengo em forma de contrato for rescindido, não fará jus a aviso prévio e multa de 40% do FGTS.

24           Criou-se parágrafo único ao Art. 444 para excluir da proibição de celebração de contrato de trabalho, sem a observância dos preceitos da CLT, o trabalhador que for portador de diploma de curso superior e receber salário mensal ao menos igual a duas vezes o teto do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), que hoje é de R$ 5.531,31.

25           Acresceu-se o Art. 448-A para restringir as garantias contratuais, quando houver mudança na propriedade ou na estrutura jurídica da empresa. Por esse Art., as obrigações trabalhistas, inclusive as contraídas à época em que os empregados trabalhavam para a empresa sucedida, são do sucessor; sendo que aquela somente responde solidariamente quando ficar comprovada fraude na transferência.

26           Incluiu-se o Art. 452-A, para regulamentar o contrato intermitente, previsto no 443, com a nova redação, fazendo-o nos seguintes termos:

I-             O contrato deve ser escrito e deve conter especificamente o valor hora de trabalho, “que não pode ser inferior ao valor do horário do salário mínimo ou àquele devido aos demais empregados do estabelecimento que exerçam a mesma função em contrato intermitente ou não”.

II-            A convocação, pelo empregador, será feita por qualquer meio de comunicação eficaz, informando qual  a jornada, com antecedência de pelo menos três dias; “Recebida a convocação, o empregado terá o prazo de um dia útil para responder ao chamado, presumindo-se, no silêncio, a recusa”.

III-           “Aceita a oferta para o comparecimento ao trabalho, a parte que descumprir, sem justo motivo, pagará à outra parte, no prazo de trinta dias, multa de 50%(cinquenta por cento) da remuneração que seria devida, permitida a compensação em igual prazo”.

IV-           “O período de inatividade não será considerado tempo à disposição do empregador, podendo o trabalhador prestar serviços a outros contratantes”.

V-            “Ao final de cada período de prestação de serviço o empregado receberá o pagamento imediato das seguintes parcelas: remuneração; férias proporcionais com acréscimo de um terço; décimo terceiro salário proporcional; repouso semanal remunerado; e adicionais legais”.

VI-           Cabe à empresa o recolhimento da contribuição previdenciária e o depósito do FGTS, fornecendo ao empregado os competentes recibos.

VII-         “A cada doze meses o empregado adquire o direito a usufruir, nos doze meses subsequentes, um mês de férias, período no qual não poderá ser convocado para prestar serviços pelo mesmo empregador”.

Essa modalidade de contrato nada mais faz do que legalizar velha figura, muito conhecida, em todos os cantos, que é a do biscateiro, aquele  que faz ou vive de biscates; trabalhos ocasionais ou de pouca remuneração; e, por óbvio, sem garantia alguma.

O § 9º, do Art. 452-A, como visto no inciso VII, retro, assegura o direito a 30 dias  de férias ao trabalhador intermitente a cada doze meses. Porém, não por descuido, não diz uma palavra sobre a sua remuneração. Como, no seu § 6º, acha-se determinado que, ao final de cada período de prestação de serviço, o empregado receberá férias proporcionais, é forçoso concluir que as férias de que trata o § 9º serão sem remuneração. Ou, em outras palavras: o empregado, durante 30 dias, a cada 12 meses, não poderá ser convocado pelo mesmo empregador, para “descanso”, mas, sem qualquer direito à remuneração. Esta figura fantasmagórica é mais uma criação da “modernização das relações de trabalho”.

27           Acresceu-se o Art. 456-A para permitir à empresa usar a imagem do trabalhador por meio da propaganda que lhe aprouver, no uniforme que será obrigado a vestir, sem qualquer pagamento, em flagrante violação ao que preconiza o Art. 5º, inciso X, da CF.

28           Alterou-se o Art. 457 para excluir do cômputo da remuneração as importâncias pagas, a título de ajuda de custo, vale-refeição, diárias para viagem, prêmios e abonos, ainda que habituais.

29           Incluiu-se § 5º ao Art. 458 para excluir do cômputo da remuneração mensal, para todos os efeitos, a assistência médica e/ou odontológica.

30           Promoveu-se alteração no caput do Art. 461 para restringir a isonomia salarial ao âmbito do mesmo estabelecimento; a redação vigente estende-a a todos os estabelecimentos da empresa na mesma  localidade.

30.1        O § 1º muda o conceito de paradigma, para efeito de isonomia. Hoje, exige-se que o tempo no exercício da função, não importando se na mesma empresa, não seja superior a dois anos. A nova redação exige que a diferença de trabalho, na empresa, não seja superior a quatro anos e a dois, no exercício da função. Além do que, o paradigma tem de ser contemporâneo, o que, atualmente, não é exigido.

30.2        O § 2º autoriza a empresa a elaborar e aprovar o seu próprio plano de carreira, adotado por norma, ou, por meio de negociação coletiva, sendo dispensada qualquer forma de homologação e registro. Hoje, exige-se a homologação do MTE, pela Súmula 6 do TST.

30.3        Modificou-se o Art. 468 — o que traz maior garantia aos trabalhadores, por não permitir alteração unilateral do contrato de trabalho e por considerar nula, a que for feita em prejuízo do empregado, ainda que obtenha a sua concordância —, para autorizar a reversão de cargo, por ato unilateral, e sem nenhum direito à gratificação, não importando o tempo. Atualmente, é assegurado o direito à incorporação, em casos que tais, pela Súmula N. 372 do TST.

31           Devassou-se o Art. 477 para lhe retirar a garantia de que as verbas rescisórias sejam calculadas com base na maior remuneração; a assistência sindical (homologação) — quando o contrato vigeu por mais de um ano —, passando a rescisão ser homologada na própria empresa, sem nenhuma assistência; e para alterar o prazo para o pagamento das verbas rescisórias, que, hoje, é o primeiro dia útil após o vencimento do aviso prévio cumprido, e de dez dias, nos casos em que não há aviso ou este não foi cumprido. Pela nova redação, o prazo será de dez dias, em todos os casos.

Com a nova redação, não haverá mais a exigência da assistência sindical (homologação), para o saque do FGTS e para o recebimento do seguro desemprego, quando for o caso.

32           Acrescentou-se o Art. 477-A, para liberar as empresas da obrigação de negociar, previamente, as demissões coletivas, com os respectivos sindicatos, conforme a sedimentada jurisprudência do TST, firmada a partir do julgamento do Processo RO-DC 309/2009.

Esse dispositivo representa a negação do quarto fundamento da República, consubstanciado nos valores sociais do trabalho (Art. 1º, inciso IV, da CF), e do primeiro dos 34 direitos fundamentais sociais, elencados no Art. 7º, inciso I, da CF, que proíbe a dispensa arbitrária ou sem justa causa.

33           Adicionou-se o Art. 477-B para decretar a quitação total e irrevogável das rescisões de contrato de trabalho, decorrentes de planos de demissões voluntárias (PDVs), negociados coletivamente. Esse decreto viola o Art. 5º, inciso XXXV, da CF, que proíbe a lei de afastar da apreciação do Poder Judiciário, lesão ou ameaça a direitos.

34           Acresceu-se  a alínea ‘m’ ao Art. 482, para incluir no rol da demissão por justa causa a “perda da habilitação ou dos requisitos estabelecidos em lei para o exercício da profissão”.

35           Criou-se o Art. 484-A, para legalizar a rescisão de contrato de trabalho por acordo entre empresa e empregado, hipótese em que o aviso prévio e a multa do FGTS são devidos por metade, ficando o empregado que o celebrar impedido de requerer o seguro-desemprego.

Além desses prejuízos, o trabalhador somente poderá sacar 80% do valor dos depósitos do FGTS. Um péssimo negócio para o trabalhador, em todos os sentidos.

36           Incluiu-se o Art. 507-A para autorizar a celebração de cláusula compromissória de arbitragem, irrecorrível, entre o trabalhador portador de diploma de curso superior e que receba salário equivalente a duas vezes o valor do teto do RGPS e a empresa.

37           Acresceu-se o Art. 507-B para autorizar a celebração de termo de quitação anual de todas as  obrigações trabalhistas, perante o sindicato da categoria.

38           Acrescentaram-se os Arts. 510-A a 510-D, para regulamentar o representante sindical, garantido pelo Art. 11 da CF e nunca regulamentado. No entanto, ao contrário do que diz a CF, a representação será feita por comissão, composta de três a sete membros, conforme o número de trabalhadores, ficando vedada qualquer interveniência do sindicato no processo eleitoral.

A referida comissão, constituída sob a batuta patronal, terá direitos ilimitados e à revelia do sindicato, podendo negociar tudo com a empresa.

O mandato terá duração de um ano, sendo permitida uma recondução. A estabilidade dos membros da comissão é apenas relativa, a sua demissão poderá ocorrer por motivos disciplinares, técnicos, econômicos ou financeiros, todos de caráter subjetivo, desprovidos de um só critério objetivo que seja.

39           Alterou-se  o Art. 545, para condicionar o desconto de todas as contribuições sindicais, inclusive a sindical, à prévia e expressa autorização de cada empregado, bem como à solene notificação do sindicato.

40           Modificaram-se todos os Arts. que tratam da contribuição sindical, para condicioná-la à prévia e expressa autorização de cada empregado, retirando-lhe a natureza de contribuição tributária e extensiva à toda a categoria, como dispõem o Art. 8º, inciso IV, da CF e a jurisprudência do STF.

41           Introduziu-se o Art. 611-A para, ao reverso do que preconiza o Art. 7º, caput e inciso XXVI, da CF, reconhecer convenções e acordos coletivos, com redução de direitos, com prevalência absoluta sobre a lei, ficando a Justiça do Trabalho impedida de analisar o seu conteúdo, e, por conseguinte, de anulá-lo, ainda que não contenha uma que seja compensação ao empregados a qualquer deles submetidos.

Na hipótese de discussão judicial dos instrumentos normativos em questão, os sindicatos deles signatários, obrigatoriamente, integrarão a lide, como litisconsortes necessários, para defendê-los, é claro.

42           Incluiu-se o Art. 611-B, para, hipocritamente, elencar os direitos que não podem ser, nominalmente, reduzidos e/ou suprimidos, por comentados instrumentos normativos; mas que, no entanto, podem ser fatiados e parcelados.

43           Alterou-se o § 3º, do Art. 614, para limitar o tempo de vigência de convenções e acordos coletivos a dois anos, e, pasmem-se, vedar a ultratividade das normas coletivas, ainda que seja objeto de pactuação entre as partes.

Esse dispositivo mostra-se bastante para fazer cair a máscara da chamada valorização da negociação coletiva. Com base nele, somente será valorizada a negociação que reduzir e/ou suprimir direitos, a que os ampliar não terá validade jurídica. Quanta hipocrisia.

44           Modificou-se o Art. 620 para se fazer a total inversão da garantia nele prevista, qual seja, a de que as condições mais benéficas, asseguradas em convenções coletivas, prevalecem sobre as constantes de acordos coletivos. Pela nova redação, as condições previstas em acordos, mesmo inferiores às de convenções coletivas, prevalecerão sobre estas. É a isso que chamam de valorização das negociações coletivas.

45           A modificação do Art. 634 trata de multa administrativas, não reclamando maiores considerações.

46           Adicionou-se a alínea ‘f’ do Art. 652 para atribuir competência à Justiça do Trabalho para homologar acordo extrajudicial.

47           Alterou-se o Art. 702, com o acréscimo de dois §§, para regulamentar as súmulas, orientações jurisprudenciais e precedentes normativos da Justiça do Trabalho, com exigências que, a rigor, impedirão a sua aprovação, exatamente o que se pretende com a citada regulamentação.

48           Modificou-se o Art. 775 para adaptar a contagem de prazo judiciais ao CPC, que os conta em dias úteis.

49           Promoveram-se mudanças no Art. 790, para dificultar o acesso à Justiça do Trabalho, limitando-se o benefício da justiça gratuita aos que perceberem salário igual ou inferior a 30% do teto do RGPS, hoje de R$ 5.531,31.

50           Alterou-se o Art. 790-B, para responsabilizar a parte sucumbente pelo pagamento de honorários periciais, ainda que seja beneficiária da justiça gratuita; mais uma entrave para o acesso à Justiça do Trabalho.

51           Acresceu-se o Art. 791-A para fixar entre 5% e 15% os honorários de sucumbência.

52           Acrescentaram-se os Arts. 793-A a 793-B para regulamentar a litigância de má-fé, que abrange o reclamante e o reclamado, bem como a testemunha que intencionalmente alterar a verdade, o que é quase regra entre as arroladas pelo reclamado.

53           Modificou-se o Art. 800 para regulamentar a exceção de incompetência territorial.

54           Acrescentou-se o § 1º ao Art. 818 para regulamentar a inversão do ônus da prova, que pode recair sobre o reclamante ou o reclamado, conforme o caso.

55           Alterou-se o Art. 840 para estabelecer os requisitos da petição inicial e para a autorizar a extinção, sem resolução do mérito, de todos os pedidos que não forem certos, determinados e com valores certos; mais uma entrave ao acesso à Justiça do Trabalho. Na maioria da vezes, não é possível ao reclamante a determinação de valores de cada pedido na petição inicial, por depender de dados e informações de domínio exclusivo do reclamado.

56           Acresceu-se o §3º ao Art. 841 para impedir o reclamante de desistir da ação após o oferecimento da contestação.

57           Adicionou-se o § 3º ao Art. 843 para excluir a exigência de que o preposto seja empregado do reclamado.

58           Acrescentou-se o § 2º ao Art. 844, para determinar a condenação do reclamante às custas processuais, mesmo que ele seja beneficiário da justiça gratuita, na hipótese de ele não comparecer à audiência, por motivo injustificado.

58.1        O § 3º, igualmente acrescido, condiciona a propositura de nova ação ao pagamento das custas processuais.

58.2        O § 4º mitiga os efeitos da ausência do reclamado à audiência, não lhe aplicando a revelia, caso: “haja pluralidade de reclamados e um deles contestar a ação; o litígio versar sobre direitos indisponíveis; a petição inicial estiver acompanhada de instrumento que  a lei considere indispensável à prova do ato; as alegações de fato formuladas pelo reclamante inverossímeis ou estiverem em contradição com a prova constante dos autos”.

58.3        O § 5º considera aceita a contestação e os documentos eventualmente apresentados, afastando a revelia, como o é hoje, se o advogado do reclamado comparecer à audiência, ainda que este não o faça.

59           Adiciona-se parágrafo único ao Art. 847, para autorizar a apresentação de defesa eletrônica escrita, até a audiência.

60           Introduziu-se o Art. 855-A para autorizar a desconsideração da personalidade jurídica, prevista nos Arts. 133 e 137 do CPC, o que provocará a suspensão do processo, sem prejuízo da tutela de urgência, prevista no Art. 301 do CPC, quando couber.

61           Criaram-se os Arts. 855-B a 855-E para a autorizar a homologação judicial, de acordo extrajudicial, sem que isto implique litígio, caracterizando-se como processo de jurisdição voluntária; o que se caracteriza como mais uma protetiva dos interesses do capital.

62           Acresceu-se parágrafo único ao Art. 876, para determinar a execução, de ofício (iniciativa própria), pela Justiça do Trabalho, de contribuições sociais previdenciárias.

63           Alterou-se o Art. 878 para condicionar a execução de créditos trabalhistas à iniciativa das partes, exatamente o contrário do que é hoje, ficando a Justiça do Trabalho autorizada a fazê-lo, de ofício, quando as partes não estiverem representadas por advogado.

64           Modificou-se o  §2º do Art. 879 para determinar que o prazo para a impugnação da conta de execução seja de oito dias e comum às partes e que se dê de forma fundamentada, com a indicação dos itens e valores objeto de discordância; pela regra atual, o prazo é sucessivo, começando pelo devedor.

65           Alterou-se o Art. 882 para dar ao devedor a possibilidade de garantir a execução por meio de seguro garantia judicial, que não definido.

66           Acresceu-se o Art. 883-A para condicionar o protesto de sentença passada em julgado  à observação do prazo de 60 dias, contados da citação do devedor, sem o pagamento ou a garantia judicial.

67           Acrescentou-se o inciso 4º ao  §1º do Art. 896 para exigir da parte recorrente a transcrição, na peça recursal, no caso de preliminar de nulidade do julgado, “o trecho dos embargos declaratórios, em se pediu o pronunciamento do tribunal sobre a questão veiculada no recurso ordinário, e o trecho da decisão regional que rejeitou os embargos, quanto ao pedido, para o devido cotejo e verificação, de plano, da ocorrência da omissão”.

67.1        Acrescentou-se, também, o § 14, para autorizar o relator do recurso de revista a denegar-lhe seguimento, em decisão monocrática, “nas hipóteses de intempestividade, deserção, irregularidade de representação ou de ausência de qualquer outro pressuposto extrínseco ou intrínseco de admissibilidade”.

68           Adicionaram-se os §§ 1º a 6º ao Art. 896-A, para regulamentar o instituto da transcendência dos recursos de revista.

69           Alterou-se o § 4º do Art. 899, para determinar que o depósito recursal seja feito em conta vinculada ao juízo e corrigido com os mesmos índices da poupança; pela regra atual é feito do credor.

69.1        Acresceu-se o § 9° para reduzir o depósito recursal, por metade, “para entidades sem fins lucrativos, entidades filantrópicas, empregadores domésticos, microempresas e empresas de pequeno porte”.

69.2        Introduziu-se o  § 10 para isentar do depósito recursal os beneficiários da justiça gratuita e as empresas em recuperação judicial.

69.3        Acrescentou-se o § 11 para permitir que o depósito recursal seja substituído por fiança bancária ou seguro garantia judicial.

70           Modificaram-se os Arts. 4-A e 4-C, da Lei N. 6.019/1974, com redação dada pela Lei N. 13.429/2017, para não deixar dúvida sobre a quebra de todas as barreiras existentes quanto à terceirização da atividade principal da empresa.

70.1        Alterou-se, ainda, o Art. 5-C da citada Lei, igualmente, com a redação dada pela Lei N. 13.429/2017, para determinar que “Não pode figurar como contratada, nos termos do art. 4º desta Lei, a pessoa jurídica cujos titulares ou sócios tenham, nos últimos dezoito meses, prestado serviços à contratante na qualidade de empregado ou trabalhador sem vínculo empregatício, exceto se os referidos titulares ou sócios forem aposentados”.

71           Revogaram-se os seguintes dispositivos da CLT, com exceção do Art. 130-A — que reduz a duração das férias dos trabalhadores em regime parcial —, todos em prejuízo dos trabalhadores, com maior ou menor grau: § 1º do Art. 1º;  § 3º do 58; § 4º do 59; o 84; o 86; o 130-A; o § 2º do 134; o § 3º do 143; o parágrafo único, do 372; o 384; os §§ 1º, 3º e 7º do 477; o 601; o 604; o 792; o parágrafo único do 878; os §§ 3º a 6º do 896; e o § 5º do 899.

Eis o caos do Direito do Trabalho, em forma de PL.

Por José Geraldo de Santana Oliveira, consultor jurídico da Contee

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