O desprezo do STF pelos trabalhadores e as organizações sindicais

José Geraldo de Santana Oliveira*

Em artigo postado no Portal da Contee, ao dia 18 de julho de 2017 — 5 dias após a publicação da Lei N. 13.467 —, com o título “Contra a reforma trabalhista, o imperioso dever de resistir”, lancei o seguinte alerta às entidades sindicais:

“(…) precisamos nos convencer de que o Supremo Tribunal Federal (STF) — indiscutivelmente, parte constitutiva do consórcio do mal, responsável por esse bombardeio à Ordem Democrática —, longe de representar o desaguadouro de nossas batalhas jurídicas, é, antes, um caminho a ser evitado por todos quantos primamos pela cautela, temperança e bom senso.

(…)

O STF, como cúmplice da lei, por certo, não irá julgá-la inconstitucional; daí a boa razão para não o acionarmos com esse propósito.

Poderá, ao reverso, e tudo indica isso, fixar tese vinculante de que ela é constitucional, o que a salvaguardará de toda discussão jurídica, e até mesmo de eventual mudança legislativa.

O STF, pela conduta de seus ministros, nos últimos anos — explicitada em todos os processos que versavam sobre direitos trabalhistas, tais como: prevalência do negociado sobre o legislado (RE N. 590415) e ultratividade das normas coletivas (ADPF N. 323), cobrança de taxa negocial de trabalhadores não associados (ARE N. 104859) —, se for chamado, nos levará para as profundezas do abismo, e não para o mar calmo”.

Infortunadamente, esse alerta não encontrou nenhum eco, passando ao largo daqueles a quem era dirigido. Ao reverso, muitos deles, desprezando todos os cristalinos sinais até então dados pelo Supremo Tribunal Federal (STF), de escancarada cumplicidade com o desmonte do Estado Democrático Direito, a ele acorreram com a finalidade de barrar os deletérios efeitos da lei sob destaque, a começar pela conversão da contribuição sindical em facultativa.

Na ingênua crença de que o STF fosse declarar inconstitucionais os Arts. 545, 578, 579, 582 e 602, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) — com a redação dada pela Lei em questão —, que condicionam o desconto da contribuição sindical à prévia e expressa autorização de trabalhadores, associados e não associados, ajuizaram quase duas dezenas de ações diretas de inconstitucionalidades (ADIs) com essa finalidade, sendo a primeira delas a de N. 5794, que atraiu todas as outras.

No  curso do trâmite de tais ADIs, a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV (Abert) ajuizou ação declaratória de constitucionalidade (ADC) — que recebeu o N. 55 —, com pedido de seu apensamento  à ADI N. 5794. Nessa ADC, a Abert visava a expressa declaração de constitucionalidade de todos os Arts. impugnados pelas ADIs.

O julgamento das citadas ADIs e ADC, como já é do conhecimento de todos, teve lugar aos dias 28 e 29 de junho de 2018. Com o desastroso resultado que eu, desafortunadamente, havia prenunciara no artigo já mencionado. Tendo o STF, por seis votos a três, acolhido a ADC  55 e declarado constitucionais todos os Arts. impugnados pelas realçadas ADIs, sepultando, em definitivo, toda e qualquer possibilidade, administrativa e judicial, de promoção do desconto da contribuição sindical, sem a prévia e expressa autorização individual, dos associados e não associados.

Com a famigerada decisão do STF, na ADC N. 55, apesar de os trabalhadores não associados gozarem de todas garantias insertas em convenções e acordos coletivos de trabalho, não se obrigam a nenhuma contribuição aos seus respectivos sindicatos; senão, veja-se: por força da Súmula vinculante N. 40, do STF, a contribuição confederativa, prevista no Art. 8º, inciso IV, da CF, somente é exigível dos associados; também por determinação do STF, a partir do julgamento do recurso extraordinário (RE) N. 1014859, a taxa assistencial (negocial), em nenhuma hipótese, pode ser cobrada de não associados, nem mesmo com direito de oposição; a contribuição sindical, por sua vez, é facultativa para associados e não associados; e a contribuição associativa, como se deflui do próprio nome, decorre da voluntária associação sindical.

Destarte, o STF sacramentou modelo sindical sem precedente em nenhum lugar do mundo, que se baseia na unicidade sindical, com representação obrigatória de todos os integrantes da categoria, que, por isso, são alcançados pelas conquistas sindicais. Todavia, apenas os associados obrigam-se ao custeio sindical.

Esse perverso modelo sindical divide as categorias profissionais em duas classes distintas: uma com direitos e deveres, composta pelos filiados; e outra com direitos, mas, sem nenhum dever. Isso põe por terra o princípio universal da isonomia, segundo qual os iguais são tratados de forma igual, na medida em que se igualam; bem assim, a vedação de enriquecimento sem causa, inserta no Art. 884, do Código Civil (CC).

Em uma palavra: pela soma das decisões do STF, a associação sindical constitui-se em punição, para a quem a exerce; quem não opta por ela, não perde nenhum direito emanado de instrumentos normativos de trabalho e nada paga pelos benefícios que recebe.

Antes de propor algumas reflexões sobre o que fazer a partir de agora, cabem algumas  palavras sobre as deploráveis sessões do pleno do STF que julgaram as realçadas ADIs e ADC.

Primeiro, não se tem notícia de nenhum julgamento no STF que tivesse a indelével marca do descaso e do desinteresse, como  o fora da ADIs 5794 e das demais a ela apensadas.

Ao longo das várias sustentações orais, somente o ministro relator, Edson Fachin, a ministra Rosa Weber e o ministro Ricardo Lewandovsky — durante o curto período em que permaneceu no plenário — prestaram atenção nas teses esposadas. O ministro Gilmar Mendes se fez presente por escassos poucos minutos; o ministro Dias Toffoli pouco ficou, saindo e voltando várias vezes; os ministros Marco Aurélio,

Luiz Fux e Alexandre Morais mantiveram-se de cabeça baixa, folheando documentos; o ministro Roberto Barroso, quando não estava ao celular, fez o mesmo; e  a ministra Carmen Lúcia estampava tédio, na condução da sessão.

O descaso chegou a tal ponto que o ministro Luiz Fux — o primeiro votar após o relator, Edson Fachin —, abrindo a divergência vencedora, teve de ser advertido pela presidente de que estava em discussão o mérito das ações, e não apenas medida liminar; o ministro Marco Aurélio nem sequer sabia quem era autor da ADC; o ministro Gilmar Mendes, que, via de regra, profere votos longos, pomposos e recheados de citações, sobretudo em alemão, destinou não mais do que cinco minutos para votar com a divergência. A peroração maior foi dos ministros Alexandre Morais e Roberto Barroso, que destilaram todo o seu veneno contra as organizações sindicais, tendo o ministro Barroso, em determinado momento, se sentido obrigado a dizer que não considera os sindicatos como “desimportantes”.

As comentadas cenas proporcionadas pelos ministros do STF dão a exata dimensão do desprezo que nutrem pelos trabalhadores e as suas organizações sindicais, e, por conseguinte, pelos valores sociais do trabalho. A eles, só faltou que dissessem, sem meias palavras, o mesmo que gostava de dizer o personagem do programa humorístico de Chico Anísio, Justo Veríssimo: “o povo que se exploda”.

Diante desse cenário de horrores que emerge das decisões do STF, que têm por indisfarçável escopo o estrangulamento financeiro das entidades sindicais dos trabalhadores, cabe a elas, para além de inquebrantável resistência e de ostensiva campanha por profunda e decente renovação do Congresso Nacional, o mais amplo e imediato debate sobre o que fazer para garantir a sua adequada sustentação financeira, sem que dele decorram o desmonte de sua estrutura e/ou espúrias barganhas com os representantes patronais.

Ao que parece, o que antes era impensável quanto aos não associados, tal como cobrança de consultas e assistência jurídicas e até restrição de direitos convencionais, deve ser levado ao debate, sob pena de se criar um abismo entre eles e o associados; bem assim a busca de autorizações para o desconto da contribuição sindical e a inclusão de taxas negociais nas convenções e acordos coletivos, sem direito à oposição, esta precedida de amplo debate com o Ministério Público do Trabalho (MPT).

*José Geraldo de Santana Oliveira é consultor jurídico da Contee

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