Mudanças regimentais para limitar atuação da oposição
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), está sendo pressionado a promover mudanças no regimento interno para reduzir, dificultar ou impedir a capacidade de obstrução da oposição/minoria durante a votação da pauta legislativa combinada com o governo Bolsonaro. A motivação dessa mudança regimental seria o acordo dos partidos do Centrão e da base do governo de entregar a agenda governamental, sob pena de não receberem os cargos e os recursos do Orçamento, que estão condicionados a essas entregas. Dos 5 ministérios prometidos, apenas 1 foi entregue, o da Cidadania, e o foi após a aprovação da independência do Banco Central. Os demais serão entregues, a conta gotas, na medida em que forem sendo cumpridos os acordos pelos parlamentares
Antônio Augusto de Queiroz*
Como o deputado Arthur Lira se inspira na gestão de Luiz Eduardo Magalhães, que quando presidiu a Câmara promoveu mudanças regimentais e acelerou as reformas econômicas de FHC, a lógica é que ele também poderia fazer o mesmo em relação ao governo Bolsonaro, a quem deseja ver reeleito. Além das mudanças regimentais, da aprovação da agenda governamental, o presidente da Câmara também pretende promover uma pequena reforma política, com mudanças no sistema eleitoral, partidário e no Código Eleitoral. Essas mudanças teriam 3 objetivos:
1) atender aos pequenos partidos da base governamental, que correm risco de sobrevivência com a cláusula de barreira e o fim das coligações nas eleições proporcionais;
2) flexibilizar a inelegibilidade prevista na Lei da Ficha Limpa; e
3) favorecer a reeleição do presidente Bolsonaro, dificultando as candidaturas presidenciais de centro.
O tema da reforma regimental é recorrente. Sempre que é eleito um presidente da Câmara da base do governo, vem à tona a ideia de reforma regimental, com 5 modificações que consistiriam em:
1) eliminar a votação automática de emenda aglutinativa, exigindo apoiamento da maioria absoluta dos deputados para sua votação;
2) retirar a limitação do tempo de duração e ampliar a possibilidade de prorrogação de sessão extraordinária;
3) reduzir o número de requerimentos em plenário, especialmente sobre a dispensa de interstício (prazo entre uma e outra votação);
4) restringir, ainda mais, a cota partidária de DVS (Destaque para Votação em Separado); e
5) limitar a prerrogativa de o líder substituir a bancada em todas as situações. Mas se contentam com as 3 primeiras, já que as 2 últimas provocariam grandes resistências.
Conteúdo das mudanças
A primeira mudança regimental teria o propósito de retirar o caráter automático da votação de emenda aglutinava subscrita por seus autores, além de aumentar a exigência de apoiamento no caso de fusão subscrita por líderes partidários.
Pela regra atual, além da votação automática das emendas aglutinativas assinadas por seus autores, 52 deputados (10% da Câmara ou líderes que representem este número) podem propor emenda aglutinativa com direito a votação automática, desde que os conteúdos a serem aglutinados não tenham sido dados por prejudicados, ou seja, estejam ainda pendentes de apreciação.
O objetivo dessa mudança, portanto, seria acabar com a votação automática, exigindo, nas 2 hipóteses, o apoiamento da maioria absoluta da Câmara (257 deputados ou líderes que representem esse número) para que a emenda aglutinativa possa ser votada. Isso, na prática, impede que a oposição/minoria, por exemplo, consiga votar qualquer emenda aglutinativa, cuja apresentação já é dificultada pelas regras vigentes, sem o apoio de partidos independentes ou da base de sustentação do governo.
A segunda mudança destina-se a alterar o tempo de duração das sessões extraordinárias, que atualmente são de, no máximo, 4 horas, prorrogável por apenas mais 1 hora. O interesse é permitir a prorrogação, a critério do presidente, pelo tempo necessário à conclusão da ordem do dia, como forma de evitar a convocação de nova sessão extraordinária, que só começa a deliberar após o registro em plenário da presença de pelo menos 257 deputados, além de possibilitar a reapresentação de requerimentos de retirada de pauta, com o objetivo de atrasar a votação.
Com a regra atual, quando há prorrogação, os interessados na obstrução exigem que se abra novamente o painel, o que, além de retardar a deliberação, pode provocar o adiamento da apreciação das matérias da ordem do dia por falta de quórum regimental.
A terceira mudança no regimento interno serviria para dificultar o uso reiterado de requerimentos em plenário, especialmente de dispensa de interstício e de retirada de pauta, além de evitar outras manobras protelatórias, que fazem parte do chamado “kit obstrução”.
Pela regra atual, proclamado o resultado de uma votação simbólica, desde que haja divergência, 31 deputados (6/100 da composição da Câmara ou líder que represente este número) podem pedir que a matéria seja votada nominalmente e o presidente defere de ofício.
A regra em vigor estabelece que havendo procedimento de verificação de votação, só pode haver nova solicitação após o interstício de 1 hora, salvo se houver o apoio de 1/10 da Casa ou de 52 deputados ou líderes que representem esse número. Neste caso, entretanto, o novo pedido é decido pelo plenário — e não concedido automaticamente pelo presidente — e assegura a seus autores o direito de encaminhamento e orientação da bancada para votação do requerimento de quebra de interstício, constituindo-se em manobra protelatória.
A mudança regimental proposta visa exatamente evitar que a votação do requerimento de quebra de interstício, a ser decidida pelo plenário, seja precedida de encaminhamento e orientação de bancada. Com isto ganha tempo, acelera o processo de deliberação e, em consequência, reduz ou elimina eventuais manobras protelatórias.
A quarta mudança, que seus próprios defensores admitem ser muito difícil, teria o objetivo de reduzir a cota de DVS por partido. Atualmente, os partidos ou blocos parlamentares com entre 5 e 24 deputados têm direito a 1 DVS; com 25 a 49 têm direito a 2; de 50 a 74 têm direito a 3; e acima de 74 têm direito a 4. Na composição da Câmara que resultou das eleições em 2018, nenhum partido terá direito à faixa máxima de DVS de Bancada, e apenas o PT e o PSL teriam direito a 3 DVS, além dos blocos que forem formados com mais de 74 deputados.
A quinta mudança, igualmente de difícil execução, seria destinada a reduzir os poderes absolutos dos líderes, inclusive os de encaminhar e orientar as bancadas nas votações em substituição aos partidos, além de poderem assinar emendas, destaques e outros tipos de requerimento, a exemplo do requerimento de urgência urgentíssima, em substituição a toda a bancada.
É legitimo que o presidente da Câmara queira celeridade e que o governo, por intermédio dos partidos que lhes dão sustentação no Congresso, deseje maior agilidade nas deliberações, porém esse desejo não pode nem deve retirar o direito ao contraditório — constitucional e regimentalmente — assegurado às minorias, sob pena de macular ou até de tornar ilegítimo o processo deliberativo.
O direito à obstrução é inerente à própria natureza dos parlamentos. Em países como os Estados Unidos, táticas obstrutivas podem, até mesmo, ser adotadas por parlamentares, individualmente. É da essência da democracia que os divergentes possam fazer ouvir a sua voz, usando instrumentos legais para garantir o direito das minorias.
A legitimidade do processo deliberativo depende, além do respeito ao devido processo legal e ao direito de participação das minorias, da participação plena dos parlamentares, da decisão colegiada e do conhecimento prévio da pauta de votações, entre outras exigências legais e regimentais.
Reforma Política
Sobre a reforma política, o objetivo é eliminar as restrições da Lei de Ficha Limpa, adotar o distritão em substituição ao sistema proporcional, e inviabilizar as candidaturas de centro que possam dificultar a reeleição de Bolsonaro.
O elemento mobilizador da reforma, de interesse dos pequenos partidos, é afastar a cláusula de barreira e contornar o fim da coligação nas eleições proporcionais, mediante a criação da Federação de Partidos, mas isto perde completamente o sentido se for aprovado o distritão, proposta que foi defendida na legislatura passada pelo ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha.
A eleição de Arthur Lira pode viabilizar o desejo expresso pelo deputado Eduardo Bolsonaro, filho do presidente da República, de que o presidente da Câmara seja capaz de “tratorar” a oposição.
É a lógica autoritária e antidemocrática desse governo de “passar a boiada”, esmagando todo tipo de obstáculo à agenda, que é liberal na economia e conservadora nos costumes, bem como à reeleição do presidente da República e das forças conservadoras no Congresso que lhes dão sustentação.
(*) Jornalista, consultor e analista político, mestrando em Políticas Públicas e Governo pela FGV, diretor de Documentação do Diap e sócio-diretor das empresas “Queiroz Assessoria em Relações Institucionais e Governamentais” e “Diálogo Institucional Assessoria e Análise de Políticas Públicas”.