Empréstimo para quem recebe Auxílio Brasil favorece apenas os bancos, diz Dieese

Juros dos empréstimos consignados para quem recebe o auxílio Brasil e o Benefício de Prestação Continuada (BPC) são mais do que o dobro dos aposentados. Medida só endivida as famílias mais pobres, diz Dieese

A decisão do governo de Jair Bolsonaro (PL) de liberar empréstimos consignados para quem recebe o Auxílio Brasil, que pagará R$ 600 só até dezembro, e também para os que recebem o Benefício de Prestação Continuada (BPC) no valor de um salário mínimo (R$ 1.212), vai aumentar o endividamento dos mais pobres. Só quem se beneficia com a medida é o mercado financeiro.

Além de ser a classe que mais se endivida, até pela dificuldade financeira em se alimentar e pagar as contas, os beneficiários desses auxílios, se quiserem contrair um empréstimo junto aos bancos e instituições financeiras, ainda que consignados, com o desconto direto no valor a receber, vão pagar cerca de 79% ao ano de juros, mais do que o triplo do que pagam hoje os aposentados, cuja média fica entre 16% e 28%, dependendo da financeira. Os 79% de juros foram apurados preliminarmente pela Folha de São Paulo, a partir de estimativas do próprio governo federal.

A taxa de inadimplência é maior entre os mais pobres, e o comprometimento de 50% da renda com serviços de dívida (um indicador do endividamento de risco) atinge 12,3% da população endividada que recebe até R$ 1.000 por mês, segundo o relatório de Cidadania Financeira do Banco Central (BC).

A possibilidade de aumento no endividamento de pessoas mais pobres é criticada pelo diretor-técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Fausto Augusto Junior e pela técnica do órgão, Adriana Marcolino, da subseção CUT Nacional.

Para Fausto, o maior problema é que o Programa Bolsa Família, atual Auxílio Brasil, foi criado para dar dinheiro a ser utilizado na alimentação, para quem vive em insegurança alimentar, e não passar fome. A permissão para o crédito consignado vai antecipar um valor que fará falta mais adiante para a comida, já que, muito provavelmente, o empréstimo será utilizado para pagar dívidas de até mesmo água e luz.

“Quem pegar mil reais de empréstimo ao longo de 12 meses vai pagar R$ 1.700 se a taxa de juros ficar em torno de 70% ao ano, e esses R$ 700 de juros irão para o sistema financeiro, demonstrando que esse governo não compreende para que serve um auxílio”, diz Fausto.

A técnica do Dieese, Adriana Marcolino, chama a atenção de que o valor do auxílio é pequeno diante da necessidade orçamentária de uma família e ainda é transitório e, por isso é um absurdo liberar que esse recurso possa ser tão bem drenado pelo sistema financeiro, com juros exorbitantes, os mais elevados do mundo.

“As pessoas não têm dinheiro para comer. São 33 milhões de pessoas passando fome e, quem não tem dinheiro naquele dia vai pegar o empréstimo para dar comida para sua família, e depois ver o que faz amanhã. Essa é a situação da população brasileira, e o governo joga as famílias em situação de pobreza, e de pobreza extrema, na mão do sistema financeiro”, diz Adriana.

Essa proposta é totalmente descabida. É o sistema financeiro tentando drenar esse recurso que é destinado basicamente para a segurança alimentar das pessoas – Adriana Marcolino

Prazos

O comprometimento dos auxílios para pagamento do empréstimo é de 40% do seu valor mensal. Se o beneficiário receber R$ 600 vai poder comprometer R$ 240, por mês. Como quem receberá os R$ 600, até dezembro deste ano, terá o valor rebaixado para R$ 400, a partir de janeiro de 2023, o comprometimento da renda será ainda maior: 60% do que receberá, se a dívida não for quitada até o prazo final do ganho de R$ 600.

O governo deu um prazo de 24 meses para o pagamento do empréstimo, já que os dois anos são o período que uma pessoa pode receber o auxílio depois de se tornar inelegível, como quando começa a trabalhar com carteira assinada.

A diferença é enorme nos juros pagos pelos aposentados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) que contraem empréstimos consignados. Segundo o BC, no período de 12 de julho a 18 de julho, a taxa mais baixa de um banco público era 12,81% ao ano.

Financeiras já oferecem o empréstimo

Apesar de ter sido aprovado na Câmara e no Senado, o empréstimo consignado do Auxílio Brasil ainda dependia da regulamentação do governo para ficar disponível para as famílias. O presidente sancionou apenas na quarta-feira (3) a Medida Provisória nº 1.106.

Ainda assim, segundo o diretor do Dieese, há casos de financeiras que já estavam oferecendo antes da sanção presidencial o crédito consignado para beneficiários de auxílios, para tirar o dinheiro da comida de quem mais precisa.

O governo liberou esse crédito a pessoas mais simples, que estão ‘enroladas’ com dívidas, numa atitude eleitoreira e, pior, essas financeiras já estão com o cadastro de quem vai receber, por isso que ficam ligando para os beneficiários, antes mesmo do dinheiro cair na conta – Fausto Augusto Junior

Importância do crédito consignado para o trabalhador

Fausto lembra que o crédito consignado foi uma conquista da classe trabalhadora que por meio da CUT lutou para que os juros fossem mais baixos, diante das altas taxas cobradas pelo mercado financeiro, mas a partir de 2016, após o golpe contra a ex-presidenta Dilma, essas negociações foram deixadas de lado.

“A diferença é que naquela época, os sindicatos participavam junto com os bancos e discutiam como baixar a taxa de juros. Mas para esses novos consignados cada financeira cobra o que bem entender. Ou seja, não houve a participação nem dos trabalhadores, nem de ninguém na confecção dessa abertura de crédito”, afirma Fausto.

CUT

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