Situação epidemiológica do país não permite a retomada das atividades presenciais nas escolas

Nota técnica da Campanha, Observatório COVID-19 BR e Rede de Análise da Covid-19

Nota Técnica

Brasil: não é hora de retomar as aulas presenciais nas escolas e é preciso garantir as condições adequadas para a oferta do ensino remoto emergencial (12/abril/2021)[1]

Apresentação

A presente Nota Técnica traz o posicionamento conjunto da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, da Rede de Análise da Covid-19 e do Observatório COVID-19 BR.

Esses três coletivos, em concordância com a Nota Técnica 01 – 03/2021 da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), intitulada Considerações sobre política de restrições e as atividades escolares (26/mar/2021), consideram que a situação epidemiológica do país não permite a retomada das atividades presenciais nas escolas.

Não obstante, os signatários deste documento se dispõem a colaborar com a busca de soluções para amenizar e superar os prejuízos causados aos estudantes e familiares pela interrupção prolongada das atividades escolares presenciais.

Direito à educação: a importância da educação presencial e a necessidade do ensino remoto emergencial

A Constituição Federal de 1988 garante a educação como um direito de todas as pessoas. Como defensores do direito à educação, sabemos que as escolas com aulas presenciais são essenciais para o alcance da missão constitucional da educação: pleno desenvolvimento da pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho (art. 205).

Ainda, vale frisar, a Constituição Federal assevera que o primeiro princípio do ensino é a “igualdade de condições para o acesso e permanência na escola” (inciso I do art. 206). Nesse momento, isso também significa universalizar o acesso ao ensino remoto emergencial.

O Brasil é um país marcado por múltiplas desigualdades e, nesse contexto, a escola não é apenas um espaço de ensino e aprendizagens. Para a maioria dos estudantes das escolas públicas, elas são também um porto seguro contra o trabalho infantil, contra violências e abusos físicos, psíquicos e sexuais. Além disso, elas são os locais em que boa parte dos estudantes recebe alimentação nutricional adequada. E mesmo diante de toda a precariedade e subfinanciamento que enfrentam, as escolas públicas se evidenciam como um equipamento essencial de cidadania, presente em todo território nacional.

Por conhecer a realidade das escolas e sua importância, mas tendo em vista que o Brasil apresenta altíssima taxa de transmissão comunitária, com o sistema de saúde em situação de colapso, nos somamos às várias entidades e coletivos que conclamam para a necessidade de que o país tome medidas mais efetivas de lockdown ou restrições de pelo menos 3 semanas, acompanhadas de auxílio emergencial suficiente para uma vida digna para a população em geral.

Contexto epidemiológico

No Brasil, a taxa de crescimento de contágio por Covid-19 vem em curva crescente desde janeiro de 2021. No mês de março, o país entrou em colapso no sistema de saúde em todo território nacional, com a perda de mais 66 mil vidas, em decorrência da infecção pelo coronavírus.

O mês de abril vem superando os números de março e a capacidade de atendimento nos hospitais, na maior parte do país, está praticamente esgotada: com o alto índice de internações, falta de leitos de UTI COVID, falta de vagas em UTIs, milhares de pessoas em filas de internações (incluindo crianças e jovens), e falta de medicamentos em muitos hospitais. E a previsão é de que a situação se agrave.

Esse cenário de guerra tem resultado em uma realidade desesperadora: um altíssimo número de mortes verificado por dia, especialmente em São Paulo, o Estado mais rico da federação.

Debate equivocado sobre a retomada do ensino presencial nas escolas

Infelizmente, desde 2020, a pauta sobre reabertura de escolas para o ensino presencial está equivocada. A educação está submetida ao simplista e improdutivo dilema dedicado a decidir, irrefletidamente, se as escolas devem ser reabertas para aulas presenciais ou se devem permanecer fechadas. Ou seja, a discussão se dá sem a devida análise do contexto epidemiológico e das condições da infraestrutura das instituições de ensino, fatores imprescindíveis para uma reabertura segura.

Em termos práticos, a abordagem responsável do problema deve se dedicar a dizer como e quando é possível reabrir as escolas com segurança, sem colocar em risco a vida de profissionais da educação, estudantes e seus familiares. Nesse sentido, cabe aos governantes construir as condições adequadas para a retomada das atividades presenciais, de forma intersetorial, em conjunto com profissionais da saúde, profissionais da assistência social, educadoras e educadores.

Pressuposto básico da saúde coletiva desrespeitado

Para que as escolas possam retomar o atendimento presencial com segurança é imprescindível “achatar a curva” de contágio, com a consequente redução de internações e mortes.

Ou seja, nesse momento o esforço nacional deve estar todo dedicado a controlar a pandemia. A maior prioridade é preservar a vida.

Contudo, essa não tem sido a posição do governo federal, de muitos governadores e prefeitos, inclusive do governo do Estado de São Paulo e da prefeitura da capital, que têm sistematicamente ignorado as recomendações dos cientistas e de instituições científicas e sanitárias, como a Fiocruz.

Além de todo o trabalho de pesquisa e monitoramento da Covid-19, a Fiocruz tem publicado Notas Técnicas e recomendações práticas para orientar as condições de reabertura das escolas para o ensino presencial.

Recomendações da Fiocruz para a reabertura de escolas

Segundo as Recomendações para o planejamento de retorno às atividades escolares presenciais no contexto da pandemia de Covid-19 da Fiocruz (22/fevereiro/2021), diversos Estados e municípios, incluindo o Estado de São Paulo, estão em uma situação epidemiológica que representa alto risco para a abertura das escolas. Ou seja, as escolas reabertas se constituem como locais de transmissão e disseminação da Covid-19 por estarem localizadas em comunidades com risco elevado.

Apresentamos abaixo os sete indicadores recomendados pela Fiocruz para a abertura segura do atendimento presencial nas escolas. Adiantamos que o Brasil não tem feito sequer o mínimo para aferir e implementar cada um deles, como testagem, rastreamento, distribuição de equipamentos de proteção individual (EPIs) eficazes e reorganização do espaço e do cotidiano escolar com adaptações arquitetônicas para melhorar a circulação de ar nas escolas, o distanciamento nos ambientes escolares e a higiene respiratória.

Ou seja, a situação é de completa insegurança para o retorno às atividades presenciais. Alertamos que nem todos os indicadores são comentados por dois motivos: o indicador é autoexplicativo ou faltam dados.

Indicadores da Fiocruz

Indicador 1: Indicador de casos novos por 100.000 habitantes (baseado nos critérios do CDC/EUA – Centers for Disease Control and Prevention dos Estados Unidos da América).

Este indicador estabelece como critério de retorno às atividades presenciais a redução da transmissão comunitária avaliada pelo número de novos casos por 100.000 habitantes, nos últimos 7 dias (semana epidemiológica).

Segundo o critério da Fiocruz, a média semanal de 100 novos casos por 100 mil habitantes determina risco altíssimo para a reabertura das escolas, colocando em risco de contaminação a comunidade escolar, bem como o próprio esforço de controle da pandemia.

Um baixo fator de risco para o retorno às atividades presenciais é determinado pelo patamar de 0 a 9 novos casos por 100 mil habitantes em 7 dias.

Indicador 2: Indicadores de medidas sanitárias a serem implementadas nas escolas: uso correto e constante de máscara, distanciamento nos ambientes escolares, higiene respiratória, rastreamento de contatos em colaboração com a saúde.

O Brasil não tem tomado nenhuma dessas medidas. Segundo as informações disponíveis, a testagem e o rastreamento sequer têm sido empreendidos pelas escolas privadas de altíssima mensalidade.

Indicador 3: Taxa de contágio: valor de R < 1 (ideal 0,5) por um período de pelo menos 7 dias

Indicador 4: Disponibilidade de leitos clínicos e leitos de UTI COVID, na faixa de pelo menos 25% livres. (Faixa verde – CONASS/CONASEMS)

O sistema de saúde está em colapso e não há leitos de UTI COVID disponíveis.

Indicador 5: Redução de 20% ou mais em número de óbitos e casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) comparando à Semana Epidemiológica (SE) finalizada, em relação a duas Semanas anteriores (Faixa verde – CONASS / CONASEMS)

Indicador 6: Taxa de positividade para COVID-19 menor que 5% – número de positivos/número de amostras para SARS- CoV-2 realizadas em determinado período. Porcentagem de testes positivos de RT-PCR na comunidade durante os últimos 07 dias.

Indicador 7: Capacidade para detectar, testar (RT-PCR), isolar e monitorar pacientes/contactantes. Diagnosticar pelo menos 80% dos casos no município ou território. Este indicador se relaciona diretamente com a rede do Sistema Único de Saúde e o investimento necessário, na Atenção Primária em Saúde, no nível de atenção especializada e hospitalar para atender com qualidade a população.

Conclusão

Embora haja falta de testagens sistemáticas e rastreamento que possam mensurar com precisão o número de pessoas infectadas com capacidade para transmitir para outras pessoas, devido à subnotificação ou a notificação tardia das ocorrências, os dados disponíveis pelo consórcio de imprensa e pelo Conselho dos Secretários de Saúde (Conass) revelam que enfrentamos no Brasil uma situação muito pior do que é considerado alto risco epidemiológico para a retomada das aulas presenciais. Seja pelos altíssimos números de casos por 100 mil habitantes nos últimos 7 dias, seja pela altíssima ocupação de leitos clínicos e leitos de UTI – vale repetir, o sistema de saúde está em colapso.

Nesse momento, diante dos indicadores da Fiocruz e tendo em vista os dados acima apresentados sobre a situação epidemiológica e sanitária no país, consideramos que o retorno ao atendimento presencial nas escolas traz um elevadíssimo risco de contágio aos membros da comunidade escolar (profissionais da educação, estudantes e, até mesmo, aos moradores das comunidades de entorno das escolas) e seus familiares e colabora para o recrudescimento da pandemia de Covid-19 em todo país – sobretudo em São Paulo, que além de ser a unidade da Federação que concentra o maior número de estudantes, detém também o maior número de casos de contaminação e mortes diária.

O país precisa compreender o que ainda não foi capaz de assimilar com a urgência necessária: a prioridade absoluta é salvar vidas!

Diante desse contexto, é urgente também que o Brasil construa, desde já, as condições de infraestrutura e protocolos seguros para a retomada das atividades presenciais nas escolas públicas e privadas no país: testagem, rastreamento, distribuição de equipamentos de proteção individual (EPIs) eficazes e reorganização do espaço e do cotidiano escolar com adaptações arquitetônicas para melhorar a circulação de ar nas escolas, o distanciamento nos ambientes escolares e a higiene respiratória.

Além disso, a situação exige que os governos federal, estaduais e municipais empreendam os esforços necessários para a garantia do ensino remoto emergencial, em diálogo com os profissionais da educação e familiares, realizando políticas para a distribuição de unidades computacionais e kits de acesso à Internet de banda larga.

Portanto, não é hora de retomar as aulas presenciais, sob o risco de transformar as escolas em espaço de disseminação do vírus e de ameaça à vida.

Nesse momento, o Brasil precisa de um lockdown rígido e imediato com auxílio emergencial que garanta condições dignas de vida para todas as pessoas. Bem como, a aceleração do programa de vacinação.

Assinam:

Campanha Nacional pelo Direito à Educação

Rede Análise Covid-19

Observatório COVID-19 BR

[1] Grupo de Trabalho (por ordem alfabética): Andressa Pellanda, Catarina de Almeida Santos, Daniel Cara, Danilo Hideki, Flavia Ferrari, Helena Rodrigues, Humberto Ribeiro de Souza, Janaína Maldonet, Lorena Barberia, Marcele Frossard, Mariana Varella e Vitor Mori.

Campanha

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