MPT pode responsabilizar vinícolas Salton, Garibaldi e Aurora por trabalho escravo

207 trabalhadores foram resgatados em situação análoga à escravidão na colheita de uva. Empresa terceirizada oferecia mão de obra às vinícolas Salton, Garibaldi e Aurora, que poderão ser responsabilizadas

O Ministério Público do Trabalho (MPT) pode responsabilizar as vinícolas Aurora, Salton e Garibaldi pela contratação de mão de obra análoga à escravidão para a colheita de uva, na cidade de Bento Gonçalves, na região da Serra Gaúcha (RS). Ao longo da semana, será designada audiência com a empresa empregadora, a Fênix Serviços de Apoio Administrativo de Bento Gonçalves, e com as vinícolas tomadoras para prosseguimento da negociação de indenizações individuais e coletiva e também para fixação de obrigações que previnam novas ocorrências.

Na operação que envolveu a Polícia Rodoviária Federal (PRF), Polícia Federal (PF) e agentes do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), na noite de quarta-feira (22), foram resgatados 207 trabalhadores, de 18 a 57 anos, a grande maioria vinda da Bahia, mesmo estado do aliciador Pedro Augusto Oliveira de Santana, 45 anos, que chegou a ser preso, mas foi liberado após pagar fiança no valor de R$ 39.060.

“Com relação às empresas tomadoras é preciso garantir reparação coletiva e medidas de prevenção, já foram instaurados procedimentos investigativos contra as três vinícolas já identificadas”, afirmou a procuradora do MPT Ana Lucia Stumpf González.

O gerente regional do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Vanius Corte, afirmou também que as três vinícolas podem ser responsabilizadas pelo pagamento dos direitos trabalhistas, caso o contratante original não faça a quitação.

Segundo o gerente regional do MTE, isso ocorre porque as vinícolas têm responsabilidade subsidiária em relação aos trabalhadores que prestaram serviços, mesmo sendo contratados por terceiros. Ou seja, quando o devedor principal não pode pagar totalmente o débito, a despesa é arcada por quem contou com essa mão de obra. No caso, a responsabilização seria financeira, mas não haverá processo criminal contra as vinícolas.

Corte também explicou que as empresas foram incluídas na investigação, pois têm a obrigação de fiscalizar quem são as pessoas contratadas de forma terceirizada. Ele citou que produtores rurais que têm relação com o agenciador serão investigados. A informação foi dada por Corte em entrevista à Rádio Gaúcha.

Indenizações devem chegar a R$ 1 milhão

Na noite de sexta-feira (24), os trabalhadores receberam parte das suas verbas rescisórias e foram enviados de volta para seu estado natal em quatro ônibus fretados, com garantia de custeio da alimentação durante o trajeto. Apenas 12 dos resgatados permaneceram no Rio Grande do Sul, por serem aqui residentes ou por não terem manifestado interesse em retornar.

Como forma de adiantar o pagamento das verbas rescisórias aos resgatados, foi negociado com o proprietário da empresa contratante um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) Emergencial garantindo que cada trabalhador recebesse R$ 500,00 em dinheiro. O restante das verbas devidas será quitado até terça-feira (28), por ordens de pagamento, PIX, transferências bancárias ou consignação.

Está estabelecido no TAC que o empresário deverá apresentar a comprovação dos pagamentos sob pena de ajuizamento de uma ação civil pública por danos morais coletivos, além de multa correspondente a 30% do valor devido. Até o momento, estima-se que o cálculo total das verbas rescisórias ultrapasse R$ 1 milhão. O custo do transporte dos trabalhadores de volta à Bahia também ficou sob responsabilidade do contratante.

Os valores desembolsados pela empresa contratante, segundo o TAC, também não quitam os contratos de trabalho, nem importam em renúncia de direitos individuais trabalhistas, que poderão ser reclamados pelos trabalhadores.

“Os próximos passos são acompanhar o integral pagamento dos valores devidos aos trabalhadores, estabelecer obrigações para prevenir novas ocorrências com relação a esse grupo de empresas intermediadoras, “, afirmou a procuradora Stumpf González.

O que dizem as vinícolas

A vinícola Aurora disse que “se solidariza com os trabalhadores e reforça que não compactua” com nenhum tipo de trabalho análogo ao de escravo. Afirmou também que o contrato com a Oliveira & Santana tratava somente carga e descarga de uva. A empresa também disse que pagava R$ 6.500 à terceirizada por mês a cada trabalhador e que todos os seus prestadores de serviços recebem alimentação durante o turno de trabalho.

A Cooperativa Garibaldi, em nota, disse que desconhecia a situação relatada e que, diante do apurado, encerrou o contrato com a empresa para a prestação de serviço de descarregamento de caminhões, mas que “seguia todas as exigências contidas na legislação vigente”.

A Salton, também em nota, disse que “a empresa não possui produção própria de uvas na serra gaúcha, salvo poucos vinhedos manejados por equipe própria”, mas que tinha contrato com sete trabalhadores da empresa em cada turno para o descarregamento de carga.

A operação de resgate

O caso foi denunciado por um grupo de trabalhadores que conseguiu fugir do esquema e procurar a PRF em Porto Alegre. Eles relataram aos policiais que foram cooptados por aliciadores de mão de obra, conhecidos como gatos, na Bahia e trazidos para a Serra Gaúcha para trabalharem para uma empresa que presta serviços a uma vinícola.

Eles contaram que trabalhavam diariamente, das 5h às 20h, com folgas somente aos sábados. Isso representa uma absurda jornada de 15 horas de trabalho. Também denunciaram que representantes da empresa ofereciam a eles comida estragada.

Os trabalhadores relataram que só podiam comprar produtos em um mercadinho em frente à Igreja Nossa Senhora do Carmo, com preços superfaturados e que o valor gasto era descontado no salário. Desta forma, eles acabavam o mês devendo, pois o consumo superava o valor da remuneração.

Ainda disseram que eram impedidos de sair do local e que, se quisessem sair teriam que pagar a suposta “dívida”. Além disso, os patrões ameaçariam os familiares, que vivem no estado nordestino.

A reportagem do jornal Pioneiro entrou na pousada, onde os trabalhadores estavam desde o dia 2 de fevereiro, e constatou que o local possui quatro andares de alojamento, com quantidade de camas que varia conforme o tamanho do quarto.

Alguns possuíam um beliche, outros três e quatro acomodações. Era possível observar colchões e chão sujos, além de forte mau cheiro. Segundo relato dos trabalhadores, os lençóis também não eram trocados.

Problema se repete anualmente na colheita da uva

De acordo com o MTE, já foram feitas operações do mesmo tipo, neste ano, em Nova Roma do Sul, Caxias do Sul, Flores da Cunha e também em Bento Gonçalves. Dois locais que serviam como alojamentos foram interditados por apresentarem problemas de segurança em instalações elétricas, superlotação e questões de higiene.

No total, foram vistoriadas 24 propriedades rurais nessas cidades e identificados 170 trabalhadores sem registro. As origens deles são, principalmente, baianos, argentinos e indígenas, alguns, inclusive, com menos de 18 anos de idade.

Com informações do MPT

CUT

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