Negros ocupam apenas um décimo das cadeiras no Poder Legislativo do Brasil

Em entrevista ao Portal CUT, especialistas comentam que longo dos anos houve modificações, mas ressaltam que as mudanças não foram tão profundas

Embora o povo negro represente mais da metade da população, 56,1% dos brasileiros são pretos e pardos, segundo o Instituto Brasileiro Geografia e Estatística (IBGE), apenas um décimo ocupa cadeiras no Poder Legislativo, formado pelo Senado, Câmara dos Deputados, assembleias legislativas e câmaras de vereadores.

Em 2016, em 2.512 (45%) cidades não foram registradas candiduras de negros, Na Bahia, onde 80% da população se declara preta ou parda, em 33 das 417 cidades, apenas candidatos brancos disputaram cargos de prefeito, de acordo com o IBGE.

Os dados, que mostram um contraste entre o total de candidatos negros a cargos no Poder Legislativo em relação ao total da população que se declara negra ou parda, evidenciam o racismo estrutural persistente em todas as relações de poder no país, mantendo o longo processo de desigualdade entre brancos e negros.

A explicação é simples e cruel: o racismo estrutural é a maneira como as sociedades se organizam para privilegiar com suas práticas e normas um grupo social ou étnico, excluindo completamente outros grupos da participação em instituições sociais.

Carlos Machado, doutor em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gertais (UFMG) e professor de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB), fala sobre o crescimento de candidaturas negras nas Eleições Municipais de 2020, mas ressaltou que as disparidades ainda são enormes.

Ele afirma que ao longo dos anos houve modificações que explicam o aumento das candidaturas este ano existem, mas não foram tão profundas.

“Mesmo que os números de candidaturas [negras] tenham crescido em 2020, a distância entre candidaturas eleitas ainda permanece bastante ampla. Uma das explicações para essa questão está no fato de que partidos de maior porte apresentam maior quantidade de candidaturas brancas”, afirma o professor, em um seminário nesta quarta-feira (4) sobre Raça e Política.

Para o senador Paulo Paim (PT-RS), é urgente aumentar as candidaturas de negros. Ele diz que, para isso, os partidos precisam criar ferramentas e alternativas de inclusão que realmente funcionem.

“Precisamos fomentar e fortalecer as candidaturas negras para todos os pleitos eleitorais, inclusive para cargos no executivo”, afirmou o senador, acrescentando que os partidos precisam promover a ampliação da presença das mulheres e negros nos espaços de poder de forma mais justa e igualitária.

“Vamos impulsionar essas ferramentas e alternativas para a inclusão das diversas maiorias em todos os espaços. Acredito no verbo ‘esperançar’, que Oxalá norteie a nossa sociedade, para a plena inclusão do povo negro em todos os espaços de poder no Brasil”, disse Paim.

Partidos excluem candidatos negros do repasse de verbas do fundo eleitoral

Mesmo com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que em outubro deste ano obrigou os partidos a destinar a candidatos autodeclarados negros valores equivalentes à sua participação no total de candidaturas nas eleições municipais, candidatos pretos e pardos em todo o país ainda não receberam de seus partidos qualquer quantia do fundo eleitoral.

Dados compilados pelo jornal Folha de S. Paulo com base na prestação de contas parcial dos candidatos entregue à Justiça Eleitoral, mostra que apesar de pretos e pardos somarem 50% do total de candidatos, a eles foram destinatários de cerca de 40% da verba dos fundos Eleitoral e Partidário. Os autodeclarados brancos reúnem 60% do dinheiro, apesar de representarem 48% dos candidatos.

Apesar de a legislação determinar, desde 2018, a distribuição dos recursos às mulheres na proporção das candidaturas lançadas (neste ano, 33,5%), a maior parte das siglas não cumpriu essa regra. Na média, homens foram beneficiários de 73% do dinheiro.

Para Rosana Fernandes, secretária-Adjunta de Combate ao Racismo da CUT, o fato de os partidos descumprirem a regra de repasse de verba eleitoral para negros explicita a dívidas históricas da escravidão no Brasil que ainda não foram reparadas.

”A resistência das legendas em observar a determinação do STF tem relação com o racismo estrutural no Brasil”, diz a dirigente.

A situação fez o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Luís Roberto Barroso, promover uma reunião com dirigentes partidários para discutir as eleições no dia 27 de outubro. O encontro, que foi virtual por conta da pandemia do novo coronavírus, foi pautado mais uma vez pelas reclamações das siglas sobre as cotas de gênero e racial. A principal crítica do encontro é a de que a Justiça adotou a regra em cima da hora, não possibilitando aos partidos se prepararem.

Sobre o projeto

A decisão do STF atendeu uma ação movida pela deputada federal, Benedita da Silva (PT-RJ), pelo Senador Paulo Paim (PT), pelo PSOL e pela ONG Educafro, que pediam a aplicação em 2020 da regra aprovada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

A deputada Benedita da Silva, inclusive, apresentou o Projeto de Lei 4041/20202 propondo que os partidos políticos reservem cota mínima para candidaturas de afro-brasileiros nas eleições para o Poder Legislativo, incluindo os pleitos para a Câmara dos Deputados, a Câmara Legislativa, as Assembleias Legislativas e as Câmaras Municipais.⠀

O TSE aprovou a destinação proporcional aos candidatos negros dos recursos do Fundo Partidário e do Fundo Eleitoral recebidos pelos partidos, mas estabeleceu que a regra só valeria a partir da eleição de 2022.

Paim comenta que temia o que está ocorrendo e ressalta que os partidos precisam se responsabilizar diante da distribuição “isonômica dessas caras conquistas para o Brasil”.

“Acredito que seria importante a implantação de uma forma de fiscalização efetiva pelo TSE, para os partidos que não cumprirem essas determinações, responderem pelos seus atos”, finaliza o senador.

CUT

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