Plano de deportações reacende debate sobre proibição da AfD

Membros da sigla participaram de reunião com extremistas de direita; Alemanha não bane partidos desde 1956

Políticos da Alternativa para a Alemanha (AfD) – sigla que tem uma parcela de suas estruturas já sob observação da inteligência alemã por suspeita fundamentada de afronta à Constituição e à ordem democrática alemã – são acusados de participar de um encontro com neonazistas em que teria sido discutida a deportação em massa de milhões de imigrantes e “cidadãos não assimilados” (leia-se: alemães naturalizados).

O caso foi revelado por uma reportagem do site de jornalismo investigativo Correctiv publicada na última quarta-feira (10/01).

Segundo a reportagem, o encontro focava em um tópico ao qual os participantes se referiam como “remigração”, ou seja: o retorno, forçado ou por outros meios, de “migrantes” ao seu lugar de origem – independente de eles terem cidadania alemã ou não e de terem ou não nascido e vivido a vida inteira na Alemanha.

Detalhe: pela definição do Departamento de Estatística da Alemanha, praticamente um em cada quatro habitantes do país (24,3%) tem um background migratório – seja por ter ela mesma nascido sem a cidadania alemã ou por ter ao menos um dos dois genitores que se encaixa nesta definição. Isso inclui tanto pessoas que nasceram no país quanto aqueles que migraram para a Alemanha. O conceito abarca 20,2 milhões de pessoas.

Populistas e extremistas de direita usam o eufemismo “remigração” para se referir à deportação em massa e expulsão de migrantes e seus descendentes. Segundo o Correctiv, o convite para a reunião realizada em Potsdam mencionava que seria debatido um “conceito geral, no sentido de um plano”.

Foram feitas referências à expulsão de requerentes de asilo, estrangeiros com títulos de residência e alemães com background migratório que não se adaptem à sociedade.

Por que os planos “delirantes” da ultradireita causaram revolta

O plano contraria os direitos fundamentais previstos na Constituição. Um deles é o de que ninguém pode ser discriminado com base na sua origem familiar, étnica e nacional, raça ou língua.

Por esse motivo, o relato sobre a reunião causou revolta em todo o espectro político, desde o partido A Esquerda até os conservadores da aliança CDU/CSU. “Os planos para expulsão de milhões de pessoas evocam o capítulo mais sombrio da história alemã”, escreveu o líder da bancada dos liberais (FDP), Christian Dürr, em alusão às deportações e assassinatos de milhões, principalmente judeus, por nazistas entre 1933 e 1945.

Há muito sabe-se que radicais de direita agem para provocar debates na sociedade alemã que distendem os limites do aceitável, pressionando para reabilitar assuntos antes banidos da esfera pública.

Quem participou do encontro?

Segundo o Correctiv, a reunião no estabelecimento Landhaus Adlon foi organizada em 25 de novembro de 2023 pelo dentista aposentado e ativista de extrema-direita Gernot Mörig e pelo empresário Hans-Christian Limmer. Aos participantes, eles pediram uma doação de 5 mil euros (R$ 26,6 mil).

Conselheiro da co-líder da AfD Alice Weidel, Roland Hartwig foi um dos que teria aceitado o convite, assim como Gerrit Huy, um membro da AfD com assento no Bundestag, a câmara baixa do parlamento alemão. No nível estadual, teria comparecido ao encontro Ulrich Siegmund, co-líder da bancada da AfD no parlamento de Saxônia-Anhalt.

Alguns membros do maior partido de oposição da Alemanha, o conservador CDU, também teriam estado presentes à reunião. Secretário-geral da sigla, Carsten Linnenmann ameaçou tomar providências contra essas pessoas.

O mais notável participante do encontro, porém, seria o austríaco Martin Sellner. Tido como o cabeça por trás do ultradireitista “Movimento Identitário” e popular nas redes sociais, ele teria apresentado suas ideias sobre “remigração”.

Em diversos ensaios, Sellner escreveu sobre a necessidade de deportar “fraudadores de asilo”, “não cidadãos que representam um fardo cultural, econômico e criminal” e “cidadãos naturalizados não assimilados”.

Qual é a posição da AfD sobre expulsão e deportação de migrantes

“Precisamos finalmente deportar em grande estilo aqueles que não têm direito a permanecer na Alemanha”, disse o chanceler federal e social-democrata Olaf Scholz em uma célebre entrevista à revista Der Spiegel em outubro de 2023.

A declaração, uma resposta aos apelos na opinião pública pela redução do fluxo de requerentes de asilo, espelha a visão de muitos políticos que integram o governo de coalizão e de setores do oposicionista CDU/CSU. A CDU também encampou a revogação de passaportes alemães de cidadãos com dupla nacionalidade que cometam crimes.

Políticos da AfD vêm há tempos clamando por deportações em massa, além de terem abraçado o termo “remigração”. Em seu manifesto para as eleições federais de 2021, o partido mencionava uma “agenda da remigração”, sem contudo detalhar o que exatamente isso significaria.

Na quarta-feira (10/01), o partido postou uma mensagem no X em que propagava uma “política consistente e consistente de remigração” e “revogação de passaporte e remigração de criminosos”.

No dia seguinte, o co-líder da AfD Tino Chrupalla escreveu em resposta à reportagem do Correctiv: “Convidamos alemães com background de migração a se juntarem a nós e fazer a mudança para o bem.”

Última vez que um partido foi banido na Alemanha foi em 1956

Desde a revelação da reunião em Potsdam, vozes emergiram no debate público exigindo que a AfD seja banida. Segundo pesquisas de opinião, metade dos alemães apoia a ideia.

Ministro do Interior no estado de Baden-Württemberg e membro da CDU, Thomas Strol afirma que há boas razões para o serviço secreto alemão estar de olho na AfD. “Quando o Departamento Federal de Proteção da Constituição e os órgãos de segurança virem elementos suficientes para abrir um processo para banir a sigla, aí a questão da proibição será respondida”, declarou à rádio pública SWR.

Apenas a Corte Constitucional Federal da Alemanha pode banir um partido político. A última vez que isso aconteceu foi em 1956, com o comunista KPD. Segundo a Constituição, um partido só é considerado inconstitucional se puser em risco a existência da República Federal da Alemanha ou tentar explicitamente eliminar a ordem liberal-democrática.

Mesmo o NPD, um partido neonazista e reconhecido pela Corte Constitucional como abertamente contrário à ordem liberal-democrática, não foi proibido. Em decisão de 2017, o tribunal justificou a rejeição do processo alegando não ver elementos para uma “bem sucedida implantação dos seus objetivos hostis à Constituição”.

“Precisamos combater a AfD com os meios políticos, não nos tribunais”, afirmou o líder da CDU Friedrich Merz ao Rhein-Neckar-Zeitung na quinta-feira. Merz argumenta que abrir um processo para banir a sigla poderia dar a ela a oportunidade de posar de vítima perante a opinião pública.

A AfD atualmente figura como o segundo partido mais popular nas pesquisas nacionais, com mais de 20% das intenções de votos. Sondagens em três estados que terão eleições em setembro deste ano – Turíngia, Saxônia e Brandemburgo, os três no leste do país – chegam até mesmo a mostrar a AfD como favorita, apoiada por mais de 30% dos eleitores.

Brasil de Fato

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