Macron abre guerra na UE para barrar acordo com Mercosul
Enfrentando uma onda de protestos de agricultores, presidente francês tem motivação eleitoreira ao criticar suposta ameaça de exportações brasileiras
por André Cintra
Os últimos dias foram de reviravoltas nas negociações para concluir o Acordo Mercosul-União Europeia (UE). Segundo o jornalista Jamil Chade, colunista do UOL, a Comissão Europeia – que responde pelas tratativas do bloco europeu – cedeu às pressões e aceitou as exigências do Brasil na área de licitações públicas. Este era um dos principais impasses que inviabilizavam a parceria.
Mas o presidente da França, Emmanuel Macron, chamou às falas a chefe da Comissão Europeia, Ursula van der Leyen – eles tinham uma reunião prevista para quinta-feira (1/2). As licitações podem movimentar até US$ 114 bilhões, e Macron, num arroubo protecionista, disse que não concorda com o recuo europeu. Segundo o líder francês, a exportação de alimentos do Mercosul, especialmente do Brasil, vai prejudicar os agricultores de seu país.
O Itamaraty, alinhado à política industrial da gestão Lula, deixou claro que o acordo bilateral não pode pôr em xeque a Nova Indústria Brasil – a ousada proposta de neoindustrialização lançada pelo País na semana passada. Para impulsionar a indústria farmacêutica local, Lula exigiu que o SUS (Sistema Único de Saúde) ficasse de fora das licitações públicas.
Além disso, na realização dessas licitações, o governo brasileiro cobrou uma “margem de preferências” para as empresas nacionais – ponto com o qual a Comissão Europeia também concordou. O acordo parecia, então, mais próximo – até Macron voltar à cena para tentar dar um “chega-pra-lá” na Comissão Europeia.
De acordo com Jamil Chade, a França não aceita assinar a parceria nesses termos. O alvoroço incomodou diplomatas de todos os lados, já que o risco alegado por Macron não foi suficientemente esclarecido. Sem justificativas mais razoáveis, o presidente abriu guerra com a UE à base da força política e econômica da França.
Conforme um documento do governo Lula, “as cotas ofertadas pela UE ao Mercosul ou são insuficientes, ou não representam grande impacto para as exportações brasileiras. Ademais, são as barreiras não-tarifárias que mais restringem o comércio bilateral”. Alguns produtores franceses também podem se beneficiar do Acordo, como os exportadores de queijo.
A motivação de Macron, no fundo, é eleitoreira. A França é um dos países europeus que vivem uma onda de protestos de agricultores. Nesta quarta-feira (31/1), diversas ruas e estradas francesas foram bloqueadas com caminhões, tratores e blocos de feno, em manifestações contra o governo Macron e a própria União Europeia.
Por conta dessa dimensão para além das fronteiras, as ações contam com o apoio de agricultores de outros países do bloco, como Alemanha, Bélgica, França, Itália, Lituânia, Polônia e Romênia. Por trás da adesão está a pauta “ambientalista” contra a qual os franceses lutam: aumento dos impostos sobre o diesel, combate a fertilizantes ligados ao efeito estufa e ampliação da concorrência. O desgaste dos governos europeus é crescente.
“O gesto de Macron não ocorre por acaso. Para diplomatas, trata-se de uma tentativa de usar o Brasil como escudo diante de um clima político tenso para o presidente francês”, resume Jamil Chade. “Sob pressão para as eleições europeias em meados do ano, sob o ataque da extrema direita e buscando uma estabilização, Macron cria um ‘inimigo’ externo para fazer convergir as forças políticas e mostrar que está defendendo um setor estratégico.”
Para todos os efeitos, o presidente francês é que corre o risco de perder a batalha do Acordo Mercosul-UE e ainda continuar no alvo dos agricultores. Com a popularidade em baixa, seu segundo mandato tem sido melancólico para seu bloco político e pode abrir margem para o fortalecimento da extrema-direita. Paris está em chamas.