‘Abin paralela’ de Bolsonaro espionou ministros do STF, parlamentares e jornalistas

Relator do caso, ministro Alexandre de Moraes retirou sigilo das investigações

A operação da Polícia Federal (PF), deflagrada nesta quinta-feira (11), prendeu quatro suspeitos de integrarem a organização criminosa instalada no interior da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) para monitorar ilegalmente ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), jornalistas e desafetos políticos do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Uma pessoa segue foragida.
A PF também cumpriu mandados de busca e apreensão no âmbito do processo que investiga o uso do sistema de inteligência First Mile por delegados, agentes e servidores públicos para fins ilícitos.

Os presos desta quinta-feira são Mateus Sposito, ex-assessor da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República; Giancarlo Gomes Rodrigues, militar e ex-servidor da Abin; Marcelo de Araújo Bormevet, policial federal que atuava na Abin; e Richards Dyer Pozzer. Esse último, junto a Rogério Beraldo de Almeida, que segue foragido, são apontados na investigação como responsáveis por disseminar fake news nas redes sociais a partir de perfis falsos.

O relator do caso no STF, ministro Alexandre de Moraes, determinou a retirada do sigilo. Com isso, torna-se pública uma lista de autoridades dos três poderes, incluindo o próprio Moraes, entre os que foram espionados ilegalmente. Os ministros Dias Toffoli, Luís Roberto Barroso e Luís Fux também foram vítimas da chamada “Abin paralela”.

No Legislativo, o foco esteve nos senadores que compuseram a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da covid, que apurou a atuação do governo federal, sob gestão de Jair Bolsonaro, durante a pandemia da covid-19, entre eles os senadores Omar Aziz (PSD-AM), presidente da comissão; Renan Calheiros (MDB-AL), Alessandro Vieira (MDB-SE) e Randolfe Rodrigues (sem partido-AP).

“O fato dos dirigentes da CPI da covid terem sido monitorados, além de mim, os colegas senadores Renan Calheiros e Omar Aziz, só traz também à cena um caráter trágico: enquanto os brasileiros morriam, o governo anterior, ao invés de se preocupar em comprar vacina, se preocupava em perseguir e monitorar os adversários políticos do regime”, declarou o líder do governo na Câmara, Randolfe Rodrigues.

O presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), divulgou nota em que repudia as ações do grupo criminoso instaurado na Abin.

“Contaminar a Agência Brasileira de Inteligência com ações político-partidárias, e se utilizar do aparato estatal para espionar e perseguir parlamentares legitimamente eleitos é ato criminoso, que fragiliza não somente a instituição, mas a democracia e a soberania do país”, escreveu.

Em uma rede social, o senador Renan Calheiros (MDB-AL) disse que lamenta e repudia “que estruturas do Estado tenham sido criminosamente capturadas para atuar como polícias políticas” e afirmou que segue “confiante nas instituições, na apuração, denúncia e julgamento dos culpados”.

Mas nem os aliados do ex-presidente escaparam da espionagem ilegal, como atual o atual presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e o deputado Kim Kataguiri (União-SP). O ex-presidente da Câmara, Rodrigo Maia, a deputada Joice Hasselmann e o ex-deputado Jean Wyllys (PSOL) também estão na lista.

Em sua conta no X, Wyllys afirmou ter agora elementos para mover um processo judicial contra aqueles que o perseguiram.

“A confirmação de que os bozos e seu governo militar de extrema direita me espionavam não me espanta, mas me dá os elementos para agir juridicamente contra eles. Sempre intuí que era alvo da espionagem e que planejavam algo de muito ruim contra mim”, escreveu.

Também foram alvo da organização criminosa o ex-governador de São Paulo João Doria, além dos servidores do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) Hugo Ferreira Netto Loss e Roberto Cabral Borges; e os auditores da Receita Federal do Brasil Christiano José Paes Leme Botelho, Cleber Homen da Silva e José Pereira de Barros Neto.

No caso dos servidores da Receita, a “Abin paralela” teria monitorado os três auditores envolvidos nas investigações do suposto esquema de rachadinha no gabinete de Flávio Bolsonaro (PL), quando ele era deputado estadual na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).

Segundo os investigadores, o monitoramento era realizado a partir da invasão de computadores e aparelhos telefônicos, utilizando a ferramenta First Mile, desenvolvida por uma empresa israelense, capaz de monitorar esses dispositivos sem deixar vestígios.

O vereador do Rio de Janeiro (RJ) Carlos Bolsonaro, que é suspeito de fazer parte do esquema, reagiu em uma rede social e culpou a imprensa por produzir uma “narrativa suja” e sem provas. Já o irmão, o senador Flávio Bolsonaro (PL), atribuiu a suspensão do sigilo dos documentos relacionados ao processo como uma tentativa de “prejudicar a candidatura de Delegado Ramagem à prefeitura do Rio de Janeiro”. Alexandre Ramagem, atualmente deputado federal, era o chefe da Abin quando ocorreram os fatos apontados pela PF.

Minuta do golpe

Diálogos entre o militar Giancarlo Gomes Rodrigues e seu superior, o policial federal Marcelo Araújo Bormevet, e que constam no relatório da PF sugerem que os servidores tinham conhecimento das movimentações para um possível golpe de Estado após a derrota eleitoral de Jair Bolsonaro nas eleições de 2022.

Em dado momento, Bormevet pergunta a Giancarlo: “O Nosso PR imbrochável já assinou a porra do decreto?”. E o militar responde: “Assinou nada. Tá foda essa espera, se é que vai ter alguma coisa”.

Para a Polícia Federal, “as referências relacionadas ao rompimento democrático declaradas pelos policiais é circunstância relevante que indica no mínimo potencial conhecimento do planejamento das ações que culminaram na construção da minuta do decreto de intervenção”.

Segundo a PF, há indícios do cometimento dos crimes de organização criminosa, invasão de dispositivo informático alheio, interceptação clandestina de comunicações e tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito.

A reportagem do Brasil de Fato tenta contato com as defesas dos envolvidos. O espaço está aberto para posicionamentos.

Edição: Rodrigo Chagas

Do Brasil de Fato

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