“Uma nação de pejotizados”: A preocupação de Flávio Dino com o futuro do trabalho no Brasil

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Flávio Dino, expressou sua preocupação com o crescimento da pejotização no Brasil e sinalizou a necessidade de reavaliar a terceirização irrestrita admitida pela Lei 13.429/2017.

A manifestação aconteceu durante um julgamento da 1ª Turma do Supremo, na última terça-feira (22), em que empresa de produção audiovisual contestava decisão do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) que reconheceu vínculo entre ela e um ex-assistente de iluminação.

A pejotização refere-se ao fenômeno em que trabalhadores são contratados como empresas, permitindo que empregadores se isentem de obrigações como férias, 13º salário e contribuições para a previdência. Nos últimos anos, a pejotização tem se espalhado por diversos segmentos da economia brasileira, e um dos setores que mais tem sentido os efeitos dessa prática é a educação

No julgamento, Dino enfatizou os riscos associados a essa tendência, que transforma trabalhadores em pessoas jurídicas (PJ) para evitar o cumprimento de direitos trabalhistas fundamentais.

“O pejotizado vai envelhecer e ele não terá aposentadoria. Esse pejotizado vai sofrer um acidente de trabalho e ele não terá benefício previdenciário. Se for uma mulher, ela vai engravidar e não terá licença gestante”, argumentou.

De acordo com o ministro, o entendimento sobre a lei que trata da Terceirização Irrestrita precisa ser revisitado.

“Acho que temos que revisitar o tema para não rever a jurisprudência, mas para delimitar até onde ela vai. Porque hoje vamos virar uma ‘nação de pejotizados’. Isso não tem nada a ver com Uber. Isso tem a ver com fraudes, que estão se generalizando, por essa má interpretação dos precedentes do Tribunal”.

Dino salientou também a diferença entre os fenômenos da terceirização e da pejotização, já que na primeira possibilidade, ainda prevê vínculo de emprego, pois o trabalhador é uma pessoa física, e não um PJ (pessoa jurídica).

“Na terceirização, o terceirizado é empregado de alguém. O debate no plenário foi esse. O STF não decidiu que ele deixava de ser empregado. O prestador de serviços sim, não é empregado”, explicou.

Dino destacou que defende a terceirização da atividade-fim como legítima, conforme decisão do STF, mas abordou sobre o uso desvirtuado dessa interpretação no mundo real.

“Eu sou a favor do que o Supremo decidiu, de que a terceirização da atividade-fim é legítima. Eu sou contra a súmula 331 do TST, mas isso está sendo usado indevidamente no mundo dos fatos.”

O ministro apontou ainda que as fraudes relacionadas à terceirização e à pejotização estão se tornando comuns, com muitas empresas utilizando essas práticas para driblar a legislação trabalhista. “É essencial que façamos um debate sério sobre o tema e busquemos soluções que garantam a proteção dos direitos dos trabalhadores”, encerrou.

Realidade Inaceitável

O falseamento da contratação de pessoas jurídicas, como as feitas via Microemprendedor Individual (MEIs) ou Microempresas (ME), fica notório quando os trabalhadores se sujeitam às mesmas condições de trabalho de um celetista. Para se ter ideia, muitos precisam cumprir a exigência de carga horária fixa de trabalho.

O uso de MEIs para burlar direitos trabalhistas tem gerado um ambiente de insegurança aos trabalhadores. Sem os benefícios legais, eles são expostos a situações de exploração, como jornadas excessivas e remunerações abaixo do salário mínimo. O fenômeno da pejotização intensifica a vulnerabilidade de milhões de brasileiros, especialmente em tempos de crise econômica.

Pejotização

Dados recentes apontam que o número de MEIs no Brasil saltou de 5 milhões em 2018 para cerca de 13 milhões em 2023. Embora essa formalização tenha beneficiado muitos empreendedores, especialistas alertam que uma parcela expressiva desses MEIs é, na verdade, composta por trabalhadores que, em essência, atuam como empregados, mas sem os direitos que essa relação deveria garantir.

No setor da educação, por exemplo, desencadeou o que muitos chamam de “plataformização”. Plataformas online estão se tornando cada vez mais comuns, com educadores contratados como PJs para oferecer aulas, cursos e tutoriais. Esse desdobramento tem acentuado a desvalorização do trabalho docente. Milhares de professores, se quiserem continuar trabalhando, precisam se tornar prestadores de serviços. As garantias de um contrato de trabalho formal estão desaparecendo.

A declaração do ministro Flávio Dino acende um alerta sobre a necessidade urgente de revisar a legislação trabalhista no Brasil. O aumento da pejotização requer a atenção de legisladores, trabalhadores e da sociedade civil. Essa prática embora legal é imoral e levanta sérias questões sobre a proteção social e a dignidade dos trabalhadores. Garantir que os direitos trabalhistas sejam respeitados é fundamental para a construção de um mercado de trabalho mais justo e igualitário.

Por Romênia Mariani

Artigos relacionados

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo