Investir em educação pública é a maior lição que o Brasil pode apreender da crise educacional chilena
A exigência de ensino público de qualidade se tornou uma das principais reivindicações para as eleições presidenciais do Chile no fim deste ano. Na última semana, cerca de 150 mil de estudantes chilenos – segundo os cálculos da Confederação de Estudantes do Chile (Confech) – ocuparam as ruas, em mais uma da série de mobilizações pela educação púbica e de qualidade que ocorrem desde 2011, ano em que o país enfrentou a maior crise educacional de sua história. O capítulo mais recente dessa crise ocorreu na última quarta-feira (17), quando o ministro da Educação do Chile, Harald Beyer, foi destituído do cargo por denúncia de omissão. A saída dele foi aprovada no Senado por 20 votos a 18. O que pesou contra Beyer foram denúncias de lucro envolvendo o ensino superior no Chile. De acordo com as acusações, o Ministério da Educação não investigou as denúncias e por isso houve a interpretação de omissão por parte do Parlamento.
Os estudantes e trabalhadores em educação reivindicam uma profunda reforma no sistema educacional chileno. Há mais de 30 anos o Chile convive com um mecanismo polêmico de financiamento da educação, em que o governo oferece subsídios para o pagamento das mensalidades escolares, num sistema de vouchers: o dinheiro vai na forma de um documento, uma espécie de vale, que os pais apresentam ao colégio, público ou privado, onde desejam matricular o filho. Na disputa por mais estudantes (e mais recursos), as escolas seriam obrigadas a melhorar a qualidade do ensino ofertado.
As escolas do país foram separadas em três grupos: as públicas, que foram municipalizadas; as privadas subsidiadas, cujos alunos recebem “abonos” do governo; e as totalmente particulares. Essa divisão, porém, levou o Chile a um ensino repleto de contrastes sociais e econômicos, que interferem na qualidade da educação. O objetivo, a princípio, era forçar as escolas, na competição por mais alunos (e, portanto, por mais recursos), a melhorar sua qualidade. A competição, porém, não levou a melhorias. Como grande parte dos vouchers tem preço único e há um índice grande de desigualdade social no Chile, os alunos mais pobres, que exigem mais dedicação, passaram a ser relegados pelas instituições. O que se produziu foi uma educação com uma enorme segregação econômica. Além disso, há um mecanismo perverso denominado “financiamento compartilhado”, o qual permite que, mesmo recebendo subsídios do Estado, os estabelecimentos particulares cobrem um valor adicional.
O Poder Público brasileiro, principalmente deputados e senadores, deveriam observar melhor a crise educacional no Chile – que culminou nas denúncias e na queda no ministro da Educação – antes de dedicarem tantos esforços a atender o lobby do setor privado de educação no Brasil, como tem sido feito atualmente, de forma ostensiva, no Congresso Nacional. No Chlie, a pressão popular fez a luta pela gratuidade da educação ser tratada como prioridade pela ex-presidenta e atual candidata Michelle Bachelet. Por aqui, em contrapartida, contrariando a determinação da sociedade, expressa na Conferência Nacional de Educação (Conae) de 2010, parlamentares tentam tirar da proposta do novo Plano Nacional de Educação (PNE) a exigência de que o investimento de 10% do PIB seja feito exclusivamente na educação pública, numa tentativa óbvia de beneficiar o setor privado com repasses de recursos públicos.
Como a Contee tem denunciado, as investidas não param por aí: tramitam no Congresso hoje nada menos do que três emendas – duas do deputado Cândido Vaccerezza (PT-SP) e uma do deputado Vaz de Lima (PSDB-SP) – visando a desonerar a folha de pagamento de estabelecimentos de ensino privados. Duas delas (as de Vaccarezza) buscam beneficiar as mantenedoras das instituições de ensino superior, que já são contempladas com recursos de programas como o Universidade para Todos (ProUni) e o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies). Sem falar na Medida Provisória 593/12, a qual permite que outras instituições privadas, além do Sistema S, ofereçam bolsas de estudo do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), o que acentua ainda mais um modelo controverso, que deixa nas mãos do setor privado toda a responsabilidade pelo ensino profissional e técnico no país, sem regras claras para o repasse de verba pública, e ferindo direitos trabalhistas, com a contração de professores sob o título de “instrutores”.
Ainda tramita no Congresso, desde 1999, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 32, do deputado Pompeo de Mattos (PDT-RS), que determina a concessão de bolsas de estudos e crédito educativo para o ensino médio e superior aos estudantes carentes em instituições privadas. Na última semana, a comissão especial que analisa a PEC pediu a prorrogação do prazo.
Na contramão dessas tentativas de beneficiamento do setor privado, contudo, o exemplo a ser seguido hoje em relação ao Chile é aquele que a Contee tem como bandeira há mais de 20 anos: a luta por investimento público em educação pública, gratuita e de qualidade referenciada pela sociedade, acompanhado pela regulamentação da educação privada.
Da redação
Foto: ANFACH