A educação tem que sair do discurso e entrar na era do recurso’, defende professor

Daniel Cara, da USP, criticou desvalorização docente e uso inadequado de IA, e comentou projetos de lei sobre educação

O Dia do Professor, celebrado nesta quarta-feira (15), chega em meio a uma série de desafios para a categoria. Em entrevista ao Conexão BdF, da Rádio Brasil de Fato, o professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) Daniel Cara afirmou que, apesar do reconhecimento simbólico, a profissão segue marcada por “muito discurso e pouco recurso”.

“É impressionante o quanto a profissão docente é difícil no Brasil. É uma profissão que tem discursivamente muita valorização, mas, na prática, o que ocorre é muito discurso, pouco recurso e péssimas condições de trabalho”, afirmou. Ele lembrou que, recentemente, o Senado Federal manteve o custo-aluno-qualidadecomo direito, após a tentativa de transformá-lo em uma recompensa condicionada ao desempenho escolar. “Olha só o absurdo: só teria, por exemplo, alimentação escolar quem tivesse desempenho em avaliação de larga escala”, apontou.

Segundo Cara, a desvalorização também tem afastado jovens das licenciaturas. “Meus estudantes das licenciaturas da USP sofrem demais. Sofrem já no estágio, porque utilizam o estágio para precarizar a profissão docente, e quando ingressam na profissão, têm péssimas condições de trabalho”, explicou.

Ele defende que a valorização seja concreta, e não apenas simbólica. “A educação tem que sair do discurso e entrar na era do recurso. Não existe sacerdócio da docência. Até os padres, quando fazem voto de pobreza, vivem muito melhor que os professores”, ironizou.

Educação e poder público

O professor também comentou a consulta pública aberta pelo governo sobre o uso da inteligência artificial (IA) nas escolas. Ele considera a iniciativa positiva, mas pede cautela. “A inteligência artificial precisa ser bem utilizada, muito mais no sentido de ser um suporte, uma parceira no processo educacional, do que na perspectiva da substituição”, disse.

Para ele, o risco é que o uso dessas ferramentas reduza a capacidade de reflexão e o enfrentamento de desafios. “A dificuldade cria uma experiência mais sólida de aprendizado. A IA tem sido utilizada para evitar tarefas difíceis e repetitivas, o que tem impacto gravíssimo na construção cognitiva das crianças”, pontua.

Sobre os projetos que devem ser analisados pela Câmara dos Deputados nesta semana, Cara destacou como avanço a proposta que cria um piso nacional para professores temporários. “Desses projetos, esse é o mais importante e o melhor. Tem muitos projetos que são ruins”, avaliou.

Um deles, segundo o professor, é o que trata da prevenção à violência nas escolas, de autoria do ex-deputado Alex Canziani (PSD-PR). “Ele trabalha numa perspectiva extremamente antiquada, que vai tornar a escola um espaço ainda mais difícil, com uma perspectiva de segurança pública interessante para as empresas que produzem produtos de segurança, mas inútil para o processo pedagógico”, criticou.

Cara ainda observou que o debate educacional no Congresso mudou de perfil nos últimos anos. “Assustadoramente, nesse momento, o jogo inverteu. A Câmara, hoje, é um espaço extremamente difícil, especialmente após a presidência de Eduardo Cunha, e o Senado tem sido um espaço de contenção das loucuras da Câmara”, lamentou.

Fonte
Brasil de Fato

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