Atos cobram Bolsonaro por desaparecimento de Bruno e Dom

Diversas manifestações ocorreram hoje. A pergunta onde estão “Dom Phillips e Bruno Pereira?” esteve em todas elas. Buscas são realizadas na região onde eles desapareceram mas até agora nada foi esclarecido

Rio de Janeiro (RJ) e Manaus (AM)  – Cartazes e faixas perguntam “ONDE ESTÃO Dom Phillips e Bruno Pereira?”. Familiares, amigos, jornalistas e ativistas na defesa da Amazônia cobraram as intensificações das buscas em protestos realizados Brasília (DF), Belém (PA) e Rio de Janeiro (RJ), na manhã deste domingo (12), em que completou uma semana do desaparecimento do indigenista e consultor da Univaja, Bruno Pereira, e do jornalista britânico Dom Philips, colaborador do The Guardian. Os dois foram vistos pela última vez no dia 5 de junho na comunidade ribeirinha São Rafael, no rio Itacoaí, município de Atalaia do Norte, extremo oeste do Amazonas, na fronteira com o Peru.

Dom Phillips realizava pesquisas para seu livro sobre as violações que ocorrem na Terra Indígena do Vale do Javari, território onde vivem povos de recente contato e isolados. No domingo ele foi à comunidade de São Rafael acompanhado de Bruno, que conversaria com os ribeirinhos sobre o manejo de peixes. A Polícia Federal não descarta a suspeita do envolvimento de pessoas ligadas ao narcotráfico no caso. O indigenista coordena uma equipe de fiscalização indígena de combate às invasões ao território para o roubo de recursos naturais, como peixes, madeira e minérios.

Em defesa dos povos indígenas

Em Belém, o ato em “Defesa dos povos indígenas e vigília pela busca imediata de Bruno Pereira e Dom Phillips” reuniu mais de 30 pessoas, e aconteceu na praça da República, organizado pelo Sindicato de docentes da Universidade do Estado do Pará – SINDUEPA. A vigília contou com membros de organizações e professores.

Em Brasília o ato ocorreu no Eixão do Lazer, teve início às 9h e contou com a presença de servidores da Funai, além de outras organizações. Os presentes carregavam cartazes escritos “ONDE ESTÃO Dom e Bruno?” e “Quem mandou?”

Na praia de Copacabana, na zona sul do Rio de Janeiro, o ato “ONDE ESTÃO Dom Phillips e Bruno Pereira?” começou por volta das 9h no posto 6, com uma concentração de familiares, jornalistas, amigos e ativistas. Os pais, irmãos e sobrinhos de Alessandra Sampaio, mulher do jornalista, que mora em Salvador (BA), estavam presentes. Ex-colegas de Bruno Pereira, servidor concursado da Fundação Nacional do Índio (Funai) na turma do ano de 2010, também participaram do ato, que se iniciou muito íntimo, envolto de silêncio, quebrado pelos gritos de cobranças às autoridades brasileiras: “Onde estão Dom e Bruno?”, “Onde estão Dom e Bruno?”…

Marcus Sampaio, irmão de Alessandra, contou como a família brasileira recebeu a informação do desaparecimento de Dom Phillips. “Assim que soubemos da notícia, a minha irmã (Alessandra) me ligou na manhã de segunda-feira, pediu para a gente se reunir, eu e minha irmã aqui no Rio. Na mesma hora a minha irmã mais nova pegou um voo para Salvador para ficar com ela, que está sozinha. Fiquei aqui com meus pais, que são idosos. Minha mãe e meu pai têm adoração pelo Dom, assim como todos os cunhados”.

Informações vem pela imprensa

Ele disse que as informações que recebem vem mais da imprensa do que das autoridades brasileiras, responsáveis pelas investigações na Amazônia. “Não temos um caminho, uma diretriz, a gente está acompanhando tudo pela imprensa, graças a vocês nós temos informações. A gente aqui no Rio, a minha irmã em Salvador talvez tenha um pouco mais de acesso. Nos falamos diariamente, várias vezes ao dia, tentando dar uma força para minha irmã, mas para gente é muito angustiante não termos informações concretas, entrando em todos os veículos para tentar ver o que saiu, o que não saiu, muito triste”.

“Apesar de sermos uma família de muita fé, acreditar muito em Deus, a gente se apoia na última esperança enquanto não houver uma resposta definitiva, temos que acreditar, estamos aguardando o pior apesar de ter fé”, disse Marcus Sampaio, cunhado de Dom.

Lucélia Santos: crônica da morte anunciada

A atriz Lucélia Santos participou do ato “ONDE ESTÃO Dom Phillips e  Bruno Pereira?”, em Copacabana. Ela destacou as inúmeras ameaças aos defensores da floresta amazônica. “É uma loucura, é tipo crônica de uma morte anunciada, a gente vive isso no Brasil de uma forma recorrente desde o companheiro Chico Mendes [1944-1988] no Acre (…). No relatório da Anistia Internacional entre camponeses, ribeirinhos, caiçaras, ambientalistas, lideranças indígenas, são mais de 300 nomes de pessoas perseguidas e assassinadas em 12 anos, é mesmo uma coisa a ser denunciada”, disse.

Jornalistas também participaram do ato em apoio aos familiares, entre eles, Elvira Lobato e Sonia Bridi. O presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) Octávio Costa disse: “É lamentável em todos os aspectos que estejamos vivendo essa situação, mas na visão de todo o corpo da ABI é de quem provoca esses casos é o presidente da República (Jair Bolsonaro) na medida que ele incita a violência contra jornalistas. Desde o primeiro momento do governo dele, ele sempre ataca a imprensa, faz pressão contra a imprensa, faz críticas à imprensa, usa termos de baixo calão para se referir a imprensa. Isso é evidente que cria um clima de hostilidade à imprensa no país, partindo principalmente das pessoas que apoiam ele”.

Colegas falam de Bruno

Entre as mais de 50 pessoas que caminharam pela orla da praia de Copacabana estava Nina Paiva Almeida, indigenista especializada da Funai. Ela disse que conhece Bruno Pereira desde 2010, pois os dois participaram do concurso público para trabalhar na fundação. Atualmente ela é servidora do Museu do Índio, no Rio de Janeiro. “A gente entrou junto na mesma época, éramos colegas, mas eu entrei em Brasília e ele no Amazonas, mas depois ele trabalhou em Brasília, quando ele foi coordenador geral do indígenas isolados em recente contato, nessa época nós tínhamos mais contato. O Bruno virou uma referência da nossa geração do concurso de 2010, porque ele era uma figura que conseguiu manejar muito bem os trabalhos de campo, a relação com os indígenas e ao mesmo tempo era um cara que entendia da formulação da política e da máquina pública, ele realmente se transformou em um referência de indigenista”.

Outra amiga de Bruno, Ana Carolina Lima, disse queos dois trabalharam juntos em 2018, quando ele estava à frente da Coordenação de Índios Isolados e de Recente Contato da Funai. “Acho que o fato dele ter sumido junto com o jornalista Dom Phillips não foi à toa. Eles, se morreram, que é o que acreditamos que aconteceu a essa altura, morreram de forma heroica, como é o trabalho dos indigenistas aqui no Brasil. Os indigenistas trabalham de forma heroica embora eles não gostem de ser chamados de heróis, mas eles trabalham com o que eles têm, sem apoio nenhum do governo praticamente”.

Ana Carolina lembrou do outro colega, Marciel Pereira dos Santos, funcionário da Funai, morto em 2019 num provável crime de mando de pescadores ligados ao tráfico de drogas. “Essa comoção a gente sente muito em saber que se dá principalmente em conta da repercussão internacional com o desaparecimento do Dom Phillips, porque se fosse só da Funai, como ocorreu com o Maxciel quando ele morreu na mesma região, quase não teve repercussão. Foi preciso isso acontecer. E tenho certeza onde quer que o Bruno esteja agora, ele deve estar feliz que pelo menos ele conseguiu gerar essa repercussão, porque esse era o sonho dele, ele vivia para isso, a vida dele era isso, a vida do indigenistas é o trabalho dele, tudo se confunde: família, filhos, trabalhos. Para eles é tudo o mesmo ideal”.

Entidades de jornalistas protestam

A Federação Nacional de Jornalismo (Fenaj) divulgou relatório em janeiro deste ano em que aponta a violência contra jornalistas e a liberdade de imprensa com o registro de  430 casos de agressão a jornalistas, principalmente mulheres, em todo território nacional, no ano de 2021.

O presidente da Associação dos Correspondentes da Imprensa Estrangeira (ACIE) no Brasil, Edmar Figueiredo, esteve presente no ato. Ele disse que Dom Phillips fez parte da diretoria da associação. “Se a gente pegar 2022 é toda semana, praticamente, a gente está vendo um jornalista brasileiro ser atacado ali, aqui, até no exterior. A gente tem o caso da repórter da Globo News, e a cinegrafista. As duas estavam gravando em São Paulo, uma pessoa passou de carro e xingou. Aí, não contente com isso, a pessoa deu uma ré e queria atropelar elas, se não tivesse uma pessoa avisado. São situações que deixam os correspondentes extremamente apreensivos”. “Os correspondentes estrangeiros assim como o jornalista brasileiro têm que ter o seu direito, o seu livre exercício de sua profissão e de sua função, de ele sair de sua redação”, concluiu Figueiredo.

Ivy de Souza Neves, amiga de Alessandra Sampaio, mulher de Dom Phillips, contou à Amazônia Real porque o posto 6 em Copacabana foi escolhido para ser o lugar do ato “ONDE ESTÃO Dom e Bruno?”. “Dom quando morava no Rio, ele praticava stand up aqui no posto 6. Ele é um cara que escolheu morar aqui no Brasil e não queria sair do Brasil, embora até a Alessandra em alguns momentos quisesse ir para fora, ele sempre gostou do nosso clima, da natureza, dessa vida ao ar livre. Ele era uma cara que acordava super cedo, sábado e domingo ou quando ele tivesse folga para vir fazer stand up”. Stand Up Paddle é sigla em inglês para o surfe com Remo e pessoa em pé.

A força dos indígenas

Sobre as buscas na região do rio Itacoaí, onde o jornalista e o indigenistas desapareceram, Ivy destacou a força dos indígenas. “A gente vê que tem uma força muito maior dos indígenas, um interesse muito maior por parte deles que do nosso governo. De fato ele ainda não mandou toda a estrutura que a gente pode para ajudar a solucionar esse caso”.

Segundo o site Congresso em Foco, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) aprovou neste sábado (11), a Resolução 24/2022, que concede medidas cautelares em favor do indigenista Bruno Araújo Pereira e do jornalista Dom Phillips, após considerar que estão em uma situação de gravidade e urgência de risco de dano irreparável a seus direitos. A CIDH notificou o Brasil, que deve responder em até sete dias.

Matéria da Agência Amazônia Real

Vermelho

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