Bolsonaro edita MP do paraíso para empresas e inferno para os trabalhadores

Por José Geraldo Santana Oliveira*

O Diário Oficial da União (DOU), na edição do dia 28 de abril, publicou as medidas provisórias (MPs) 1.045 e 1.046. A primeira apresenta alguns retrocessos em relação à Lei N. 14.020, de julho de 2020, resultante da MP 936, de 1º abril de 2020, e institui o “Novo Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda”. A segunda, por sua vez, é a reedição da MP 927, de 22 de março de 2020, que caducou (ou seja, não foi convertida em lei), e “Dispõe sobre as medidas trabalhistas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (covid-19)”.

A MP 1.045, em que pese ser muito mais generosa com os empregadores, tal como foram a MP 936 e a Lei N. 14.020 dela resultante, é de real interesse dos empregados com Carteirade Trabalho (CTPS) assinada, pois que, com significativos prejuízos salariais e de direitos, preserva-lhes o emprego provisoriamente, como será demonstrado abaixo.

A MP 1.046, que, repita-se, é reedição 927 — com exceção dos dois Arts. julgados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal (291 e 31) —, caducada exatamente por conteúdo socialmente maléfico, ao contrário da MP 1.045, só traz iniquidades para os trabalhadores, não se colhendo dela nenhum benefício a eles. Essa MP, a rigor, representa salvo-conduto às empresas para que pratiquem com segurança as iniquidades nela previstas.

O substantivo salvo-conduto em seu sentido figurado (conotativo), significa: “privilégio, segurança, isenção, salvaguarda”. É isso, e nada mais, que a MP 1.046 representa para os empregadores.

Por essa MP, as empresas podem, à revelia da vontade e da anuência dos trabalhadores urbanos e rurais, bastando, para tanto, que sejam comunicados com antecedência de 48 horas: impor-lhes teletrabalho; antecipar férias individuais; conceder-lhes férias coletivas, aproveitamento e antecipação de feriados e banco de horas. Além disso, podem suspender as exigências administrativas relativas à segurança e à saúde no trabalho, relativas a exames médicos ocupacionais —exceto para área de saúde —, clínicos e complementares, e diferir (adiar, procrastinar) o Fundode Garantia (FGTS).

Em uma palavra, a MP 1.046 encerra o paraíso para as empresas e o inferno para os trabalhadores.

No tocante ao teletrabalho, o único aceno aos trabalhadores é o de computar como “tempo de trabalho à disposição do empregador”, caso não forneça àqueles, em regime de comodato, os equipamentos necessários à sua realização; e nada mais.

As empresas que anteciparem férias individuais e coletivas ficam dispensadas do cumprimento do disposto no Art. 145 da CLT, que exige seu pagamento, acrescido de um terço, com a antecedência mínima de dois dias de seu início.

A MP 1.046 autoriza o pagamento da remuneração de férias até o quinto dia útil do mês subsequente ao do início de seu “gozo”; convenientemente, não diz como é possível gozo de férias sem dinheiro.

Já um terço constitucional de férias pode ser pago até o dia 30 de novembro, data limite para pagamento da primeira parcela do 13º salário, não importando a data em que supostamente as férias foram concedidas. Isso é que é benesse para as empresas!

Como se tudo isso fosse pouco, a MP autoriza a descontarem das verbas rescisórias eventuais férias antecipadas, sejam individuais ou coletivas, que não tiveram o período aquisitivo completado, caso a iniciativa da demissão seja do trabalhador.

Para encher o balaio patronal de benesses, a MP autoriza o adiamento do depósito do FGTS referente aos meses de abril, maio, junho e julho de 2021, que pode ser parcelado em até quatro vezes, sem a incidência de multa, juros e atualizações monetárias, a partir de setembro de 2021.

Para fazer transbordar o referido balaio, permite que seja adotada jornada de 12×36 horas até mesmo em atividades insalubres, por meio de “acordo” individual, que, em verdade, representa a vontade patronal, pois quem não o aceita é sumariamente demitido.

Sacrifícios pelo emprego

Como já anotado no primeiro parágrafo, a MP 1.045 é de interesse dos trabalhadores, por representar alento de manutenção do emprego, não obstante os sacrifícios que lhes impõe. E, também como já dito, traz retrocessos em relação à Lei N. 14.020, que nem de longe pode ser tomada como aquela almejada pelos trabalhadores.

Essa MP autoriza “acordos” individuais, para redução de jornada e salários e/ou suspensão temporária de contrato para todos os trabalhadores que recebam até três salários mínimos (R$ 3.300), enquanto a Lei N. 14.020 o limitava a quem recebesse até dois salários mínimos, à época R$ 2.090 e, hoje, R$ 2.200.

Essa hipotética modalidade de acordo se aplica também aos que sejam portadores de diploma de cursos superiores e recebam mais de duas vezes o teto do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), que é de R$ 6.433,57, bem assim a quem tenha salário superior a R$ 3.300, se a redução de jornada e de salários não for superior a 25% da remuneração.

A Lei N. 14.020 assegurava o benefício emergencial aos trabalhadores com contratos intermitentes, em parcelas de R$ 600. Pela MP 1045, acham-se excluídos desse benefício.

Os principais comandos da MP 1045 são:

I aplicação restrita a trabalhadores com carteira assinada, exceto os de contrato intermitente;

II somente os contratos de trabalho firmados até o dia 27 de fevereiro de 2021 poderão ser objeto de “pactuação” de redução de jornada e salários e/ou suspensão temporária de contrato, sem exigência de tempo mínimo de duração;

III redução de jornada e de salário, nos percentuais de 25%, 50% e 70%, e suspensão temporária de contrato, ambos com duração de até 120 dias, sendo proibida a redução de salário-hora, o que interessa diretamente aos professores com contrato por hora-aula;

IV redução superior a 25% da remuneração e suspensão temporária de contrato somente por acordo coletivo e/ou convenção coletiva para quem receba mais que R$ 3.300 por mês;

V prevalência dos acordos coletivos e convenções coletivas sobre “acordos” individuais sempre que forem mais vantajosos (em todo caso, prevalecendo estes até assinatura daqueles);

VI garantia provisória de emprego, que não se confunde com estabilidade provisória — aquela permite rescisão contratual; essa, não —, pelo período de duração da redução da jornada e salários e/ou suspensão temporária de contrato, e por igual período após o término destas, sendo que o período de garantia de emprego da gestante será computado após o término da estabilidade constitucional, que vai da confirmação da gravidez até cinco meses após o parto;

VII os aposentados não podem receber benefício emergencial. Caso firmem “acordo” individual com suas respectivas empresas, essas ficam obrigadas a garantir-lhes ajuda compensatória mensal no mínimo equivalente ao valor do benefício emergencial que lhe seria devido, se pudesse recebê-lo. E, se a empresa faturou em 2019 mais que R$ 4,8 milhões, a ajuda terá de ser equivalente à soma do benefício a que faria jus se o recebesse com o percentual de 30% de sua remuneração na empresa;

VIII em caso de parto, a gestante incluída em acordo de redução de salário e/ou suspensão temporária de contrato, a partir deste, fará jus à sua remuneração integral, conforme o Art. 72 da Lei N. 8213/1991. Igual direito é assegurado à mãe adotante, contado da adoção;

IX o benefício emergencial, em caso de redução de jornada e salário, será calculado com base no valor do seguro desemprego a que todo trabalhador faria jus, que vai de R$ 1.100 a R$ 1.909,34. Desse modo, se o trabalhador que fizer jus a seguro desemprego no valor máximo, receberá, a título de benefício emergencial: R$ 477,33, se a redução foi igual ou superior 25% e inferior a 50% da remuneração; R$ 954,67, se foi de 50% a 70%; e R$ 1.336,54, se foi de 70%;

X se a redução de jornada e salário e/ou suspensão temporária de contrato for inferior a 25% da remuneração, o trabalhador não fará jus ao benefício emergencial;

XI nos casos de suspensão temporária de contrato, o benefício emergencial será calculado na mesma proporção do item anterior, se o faturamento da empresa em 2019 foi igual ou inferior a R$ 4,8 milhões, e de 70% do que o trabalhador faria jus a título de desemprego, se o faturamento da empresa foi superior a esse total.

XII garantia de todos os benefícios concedidos pelo empregador a seus empregados, durante o período de suspensão temporária de contrato; bem assim de recolher a contribuição previdenciária, às suas expensas, durante esse período;

XIII havendo qualquer prestação de serviço durante a suspensão temporária de contrato, essa ficará descaracterizada, acarretando à empresa a obrigação de pagar ao trabalhador sua remuneração integral e assumir os encargos sociais dela decorrentes;

XIV o benefício emergencial e a ajuda compensatória não integram a remuneração do trabalhador para nenhum efeito, sendo caráter meramente indenizatório;

XV em caso de demissão sem justa causa no curso de acordo de redução e/ou suspensão temporária de contrato — que, em nenhuma hipótese, pode alcançar a gestante —, o trabalhador demitido fará jus, além das verbas rescisórias devidas, a: (i) 50% do que teria direito no período de garantia provisória, que pode chegar a 240 dias (120 +120) se a redução foi de 25% a 50% da remuneração; (ii) 70% se foi superior a 50% e inferior a 70%; e 100% se foi superior a 70%;

XVI tanto na redução de jornada quanto na suspensão temporária de contrato, não se computam, para nenhum efeito, os prazos da garantia de emprego, que ficam suspensos durante o período de recebimento de benefício emergencial. Somente é retomada sua contagem após o encerramento do destacado período de garantia, exceto para os casos de rescisão de contrato “por acordo”, nos termos do Art. 484-A, da CLT, ou de dispensa por justa causa;

XVII ocorrendo paralisação ou suspensão de atividades empresariais, por determinação de autoridade municipal, estadual ou federal, os trabalhadores nada receberão do Poder Público. Nesse caso, não se aplica a garantia do Art. 486 da CLT, que estipula: “No caso de paralisação temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuação da atividade, prevalecerá o pagamento da indenização, que ficará a cargo do governo responsável”;

XVIII o benefício emergencial não se sujeita a nenhum desconto, compensação ou pagamento de qualquer natureza, ficando a instituição financeira proibida de fazê-lo;

XIX os “acordos” individuais serão comunicados aos sindicatos, no prazo de dez dias, e nada mais. Importa dizer: os sindicatos nada poderão fazer para modificá-los; podem, isto sim, embora não esteja ressalvado na MP, buscar sua anulação judicial, havendo provas de vício de vontade, trabalho no curso da suspensão de contrato e/ou de irregularidades, o que, convenha-se, é barreira quase intransponível, pelo poder absoluto das empresas.

*José Geraldo Santana Oliveira é consultor jurídico da Contee

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