Campanha aponta desafios para universalizar matrículas

Campanha Nacional pelo Direito à Educação analisa matéria sobre evasão escolar publicada na Folha de S. Paulo.

Em matéria publicada na Folha de S. Paulo sobre evasão escolar, assinada pelo jornalista Paulo Saldaña, o coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, argumentou que a preocupação exclusiva com as metas do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) diminui a atenção dos gestores públicos com a inclusão escolar.

“A demanda sobre as gestoras e os gestores recai, quase exclusivamente, sobre a capacidade delas e delas em atingir as metas do Ideb. O problema não é o indicador em si, mas a maneira como se orienta as políticas educacionais. No Brasil, infelizmente, jamais foi a ideia plena de direito à educação. O Plano Nacional de Educação, que está sendo descumprido, buscava resolver isso”, explica e educador e cientista político.

Coordenador do estudo que embasa a matéria, o economista Ricardo Paes de Barros sugere que – se bem implementada – a Reforma do Ensino Médio poderá colaborar com a diminuição da evasão escolar, por supostamente tornar flexível a etapa terminativa da Educação Básica.

“Todo estudo é importante, mesmo quando se discorda da metodologia ou das conclusões. Ricardo Paes de Barros, recentemente, defendeu em entrevista a privatização da educação – o que é inaceitável. Ele sempre defendeu que o problema da educação não é de falta de recursos, mas de gestão – o que é um contrassenso lamentável. Mas nesse estudo conclui que é preciso aumentar os recursos – o que é honesto. Ele também não teve coragem de apoiar objetivamente a Reforma do Ensino Médio de Temer, porque ela criará o caos na educação e qualquer pessoa que lê a Reforma, como um mínimo de honestidade intelectual, conclui isso”, afirma Daniel Cara.

Sobre os caminhos a serem trilhados para resolver o problema, o coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação defende que o Governo Federal induza a criação e manutenção de matrículas. “Se permanecer o foco exclusivo no Ideb, não vai acontecer a inclusão escolar, nem será enfrentada a evasão. Por isso, defendemos a regulamentação do Sinaeb [Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica], demandado pelo Art. 11 da Lei do PNE [Lei 13.005/2016] e que supera e contextualiza o Ideb; contudo o Sinaeb foi revogado pelo Ministro Mendonça Filho. De qualquer modo, o caminho mais eficaz é aumentar as transferências federais para Estados e Municípios, fazendo jus às demandas da Constituição Federal no parágrafo primeiro do Art. 211 e do PNE 2014-2024, nas estratégias do Custo Aluno-Qualidade Inicial [CAQi] e do Custo Aluno-Qualidade [CAQ] – especialmente aquela que determina a complementação da União. Ou o Governo Federal assume sua participação no enfrentamento do problema ou os cidadãos e as cidadãs brasileiras permanecerão sem seu direito à educação assegurado“.

Leia abaixo a matéria.

FOLHA DE S. PAULO

COM EVASÃO ESCOLAR EMPACADA, PAÍS LEVARIA 200 ANOS PARA INCLUIR JOVENS

PAULO SALDAÑA
DE SÃO PAULO

O Brasil não tem conseguido colocar todos os jovens na escola e, mantendo o ritmo de expansão da escolaridade dos últimos 15 anos, levaria 200 anos para universalizar o atendimento.
Dados de 2015, os mais recentes disponíveis, mostram que 22% dos jovens de 15 a 17 anos estão fora da escola. O índice é similar ao registrado em 2000, quando eram 25%, segundo estudo do economista Ricardo Paes de Barros.

Na comparação internacional, o Brasil vem perdendo posições. Enquanto na virada do milênio 43% dos países tinham resultados melhores que o Brasil, atualmente mais de 55% encontram-se nessa situação. Ou seja: têm um percentual menor de jovens fora da escola.
Essa faixa etária é a ideal para o ensino médio, etapa considerada um dos maiores gargalos da educação brasileira. Mas 56% dos jovens de 15 a 17 anos hoje na escola estão atrasados, ainda no ensino fundamental. Além disso, mais da metade dos que já abandonaram o fizeram antes de chegar ao ensino médio.

O estudo faz um balanço da realidade dos jovens que perdem o engajamento da escola e joga luz aos motivos, além de refletir sobre os custos para a sociedade.

De todos os 10,3 milhões de jovens brasileiros com idade entre 15 e 17 anos registrados em 2015, cerca de 1,5 milhão nem sequer se matricularam na escola no início do ano. Outros 1,9 milhão até se inscreveram, mas abandonaram a escola antes do fim do ano ou foram reprovados.

O volume de abandono e reprovação representa um custo estimado de R$ 7 bilhões por ano para o país. “Trata-se de um enorme desperdício de recursos, uma vez que esse gasto precisará ser realizado novamente no ano seguinte quando esses mesmos jovens, caso não evadam, retornarem à escola para cursar a mesma série”, aponta o estudo, organizado pelo Insper, Fundação Brava, Instituto Ayrton Senna e Instituto Unibanco.

CUSTOS

Mas o custo maior será para aqueles que não terminam a escola, como pontua também o documento. A remuneração ao longo da vida de uma pessoa com ensino médio pode ser, por exemplo, entre 17% e 48% maior que a daquela com o mesmo perfil, mas com escolaridade até o ensino fundamental. Outros índices de qualidade de vida, como saúde e planejamento familiar, também são desfavoráveis, segundo Paes de Barros.

A equipe do pesquisador elencou os principais fatores determinantes para o abandono da escola, divididos em três dimensões: externas à escola (como pobreza, violência, gravidez), internas à escola (qualidade no ensino, clima escolar) e relacionada aos próprios jovens (baixa resiliência).

Ainda elencou ações educacionais já existentes nos colégios –iniciativas das redes ou de organizações não governamentais– e que atuam para cada tipo de desafio. “Cada jovem abandona por um motivo e é necessário um conjunto de ações para combater a evasão e acolher o jovem”, afirma Paes de Barros, que é economista-chefe do Instituto Ayrton Senna e professor do Insper.

Segundo o estudo, a sociedade deveria estar disposta a gastar o dobro do que atualmente investe por aluno do ensino médio –hoje na casa de R$ 4.000 por ano por aluno. Considerando o total de alunos afetados, a pesquisa calcula que o país precisaria de mais R$ 98 bilhões. Hoje, investe-se no ensino médio cerca de R$ 65 bilhões ao ano.
Mirela Carvalho, gerente de Gestão de Conhecimento do Instituto Unibanco, lembra que intervenções focadas precisam ser articuladas com os entraves sistêmicos. “Carregamos uma série de desafios que chegam no ensino médio, como problemas de disponibilidade de escola, carência de professores, absenteísmo e infraestrutura.”

A obrigatoriedade de matrículas dessa faixa etária foi incluída na Constituição somente em 2009, quando se estipulou o prazo final para 2016. Esse limite foi reafirmado na lei do PNE (Plano Nacional de Educação), de 2014, mas não foi atingido.

Para o coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, a orientação recente da política educacional brasileira, com a centralidade do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), criado em 2007, esvaziou a pressão dos gestores para universalização da educação.

“Quem está fora da escola são as pessoas com maior vulnerabilidade, que não têm voz no debate público”, diz. “E os gestores públicos não têm como princípio a universalização de matrículas porque, se ele buscar incluir, os índices vão cair”, completa, relacionando os índices educacionais ao nível socioeconômico dos alunos.

A recente reforma do ensino médio anunciada pelo governo Michel Temer não é citada no leque de ações possíveis. Entretanto, a flexibilidade curricular –ampliada com a mudança– é apontada como estratégia para melhorar o engajamento dos alunos. “Ela pode dar significado à escola, mas depende de como será implementada”, afirma Paes de Barros.

TRABALHO É PRINCIPAL CAUSA

Jonathan Ribeiro da Silva já tinha 18 anos e estava no 2º ano do ensino médio quando descobriu que a namorada estava grávida. Quatro meses depois, com a expectativa de precisar sustentar uma criança, trocou a sala de aula por um trabalho como metalúrgico. A mãe de seu filho, de quem ele já é separado, também parou de estudar.

O trabalho tomava toda a tarde e a noite. O jovem estudava à noite e, na escola estadual onde estava, em Guaianases, zona leste, não teve oportunidade na época para se transferir para a manhã. “Eu gostava da escola, sinto saudades, era um momento de aprendizagem e poderia ter mais oportunidade e um emprego melhor”, diz.

Hoje, aos 23 anos, Jonathan trabalha como gari e ainda não conseguiu retornar à escola. “Não consigo conciliar, é muito cansaço”, afirma. “Mas ainda vou voltar”, completa ele, que diz incentivar o filho, hoje de 4 anos, a estudar. “Ele adora.”

Quase 60% dos jovens veem a necessidade de trabalhar como a causa principal para terem abandonado a escola, segundo pesquisas citadas no estudo de Paes de Barros. “O conflito entre escola e trabalho, em particular no ensino médio, cresce de forma acentuada com a idade”, afirma o levantamento.

A necessidade de fazer renda também afastou da escola Vinicius Vieira Soares da Silva em 2015. Precisava ajudar a mãe com as contas de casa e, no 3º ano do ensino médio, deixou de estudar.

“Comecei a trabalhar e chegava tarde. Como a entrada na escola era às 19h, não dava”, diz, hoje aos 18 anos. Silva foi trabalhar numa fábrica de camas e hoje trabalha em instalação de box de banheiro. “Espero poder voltar a estudar”.

Da Campanha Nacional pelo Direito à Educação

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