Contra a Reforma Trabalhista, o imperioso dever de resistir

Por José Geraldo de Santana Oliveira*

O mês de julho, ao longo da história, tem sido palco de inesquecíveis acontecimentos, que, pelo seu simbolismo, imortalizaram-se, com grande repercussão política além de suas fronteiras, com destaque para: o 2 de julho de 1823, vitória do povo baiano contra o multissecular colonialismo português; o 4 de julho de 1776, independência das 13 colônias inglesas, que formaram, a partir de então, os EUA; e o 14 de julho de 1789, queda da Bastilha, último reduto do regime feudal, na França, marcando o início da revolução francesa.

Talvez por capricho de Hades — deus do inferno, na mitologia grega —, o dia 13 de julho de 2017 ficará marcado, para sempre, na história do Brasil, como o dia da vitória das trevas sobre a luz da Ordem Democrática, pois foi neste dia que o ilegítimo presidente da República sancionou a Lei N. 13467 — publicada no Diário Oficial da União na edição do dia 14 —, que reescreve a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), transformando-a em consolidação das leis do capital e reduzindo ao rés do chão os seus dispositivos de proteção aos trabalhadores, e esvazia e amordaça a Justiça do Trabalho e os sindicatos, convertendo-os em estandarte do capital contra o trabalho.

Por isso, o dia 13 de julho de 2017, com certeza, não simbolizará nenhum acontecimento digno de menção honrosa na história do Brasil; simbolizará, isto sim, a morte dos valores sociais do trabalho e, por conseguinte, da construção da Ordem Econômica fundada na valorização do trabalho humano, e da Ordem Social, que tem por base o primado do trabalho e, como objetivos, o bem-estar e a justiça sociais.

Os efeitos nefastos, para o mundo do trabalho, que advirão dessa famigerada lei nem em dezenas de anos serão apagados. Ao contrário, sufocarão a atual e as vindouras gerações de trabalhadores.

Essa lei quebra a barreira do tempo, ao menos o social, e arremete o Brasil para o século XIX, impondo-lhe colossal retrocesso social, nunca dantes visto na história de nenhum país, nem mesmo sob a égide de regimes políticos totalitários.

A lei em questão é tão danosa ao Estado Democrático que 17 dos 27 ministros que compõem o Tribunal Superior do Trabalho (TST), aos 18 de maio de 2017, enviaram manifesto ao presidente do Senado Federal, Eunício Oliveira, contra o Projeto de Lei da Câmara — PLC N. 38/2017, convertido nessa lei —, por meio do qual apontam a eliminação direta de 25 direitos trabalhistas, muitos deles de caráter múltiplos; 23 regras de “desproteção ou periclitação de dimensões e faceta.., em desfavor da pessoa humana trabalhadora.., em comparação com o padrão jurídico existente nas últimas décadas”; o afastamento “do princípio do amplo acesso à jurisdição…” e o aviltamento “do princípio constitucional de igualdade em sentido material, que deve presidir o processo judicial em situações de grande disparidade de forças entre os sujeitos processuais contrapostos”; e “um conjunto de regras… que firmam novo e restritivo direcionamento do processo do trabalho em desfavor do reclamante trabalhistas (em torno de 10/11 regras)”.

O desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (Distrito Federal e Tocantins), Grijalbo Coutinho Fernandes — autor do judicioso livro “Terceirização, máquina de moer gente trabalhadora”, no artigo científico intitulado “‘Reforma’ trabalhista em tempos de golpes e golpismos contra a classe trabalhadora”, diz que a “Reforma trabalhista de Temer retrocede ao século XIX”, e que “Na quadra política, reitere-se: cabe à classe trabalhadora organizada em sindicatos e partidos operários derrotar a reforma  trabalhista do governo Temer, independentemente de sua aprovação pelo Congresso Nacional, o fazendo como uma das expressões ou vertentes da luta de classes contra o despotismo do capital”.

O Juiz do Trabalho da 4ª Região (RS), em igualmente judicioso artigo “É preciso reagir ao fim do Direito do Trabalho”, afirma: “ O cenário que se revela é o pior possível. Aprovado o PLC 38 pelo Senado Federal, irá à sanção presidencial com poucos ou nenhum veto, pouco importa qual será o presidente da República de ocasião. Em pouquíssimo tempo, a crise econômica tenderá a se aprofundar, o desemprego crescer, o consumo do mercado interno cair e a renda da classe trabalhadora despencar. Certamente, nesse quadro, a violência urbana irá aumentar e a repressão policial também. Os poucos direitos sociais que restarão serão solenemente desrespeitados graças às mudanças efetuadas na seara processual trabalhista e a Justiça do Trabalho terá um papel reduzido pela redação do projeto de lei. Em diversos pontos, a ‘reforma trabalhista’ promove um atraso de gerações que remeterá a sociedade brasileira de volta aos séculos 18-19”.

Parafraseando Chico Buarque, na instigante música “Acorda, amor”, é preciso que se diga que não é mais pesadelo, é a triste realidade do horror, que afrontará gerações de trabalhadores.

O mundo do trabalho acha-se atônito e se perguntando o que fazer. A prudência e o dever social parecem nos impor, a todos quantos repudiamos essa lei que, em primeiro lugar,  reconheçamos  que  fomos  derrotados; derrota da qual ainda não temos a dimensão de suas maléficas consequências. Porém, felizmente, para a esperança do presente e do futuro, precisamos ter a convicção de que não fomos vencidos e jamais o seremos.

E mais: para que a derrota não se converta em sucumbência, temos o imperioso dever de resistir; sendo que a resistência é sinônimo de luta intensa e sem trégua.

Aqui, calha a corajosa lição que nos é dada pelo Juiz Átila da Rold Roesler, no citado artigo: “À classe trabalhadora cabe definitivamente ocupar todas as fábricas, pressionar os parlamentares, tomar as ruas pelo país, mobilizar uma greve geral por tempo indeterminado, buscar apoio em todos os segmentos da sociedade, enfim, parar os meios de produção”.

O ato de empunharmos essa bandeira consistirá na prova concreta e inconteste de que não fomos nem seremos vencidos.

A par disso, precisamos nos convencer de que o Supremo Tribunal Federal (STF) — indiscutivelmente, parte constitutiva do consórcio do mal, responsável por esse bombardeio à Ordem Democrática —, longe de representar o desaguadouro de nossas batalhas jurídicas, é, antes, um caminho a ser evitado por todos quantos primamos pela cautela, temperança e bom senso.

Vale, aqui, a lembrança do último lamento de Giordano Bruno, minutos antes de ser queimado pela inquisição, em 1600, assim exarado: “Que ingenuidade a minha, pedir aos donos do poder para reformá-lo”.

O STF, como cúmplice da lei, por certo, não irá julgá-la inconstitucional; daí a boa razão para não o acionarmos com esse propósito.

Poderá, ao reverso, e tudo indica isso, fixar tese vinculante de que ela é constitucional, o que a salvaguardará de toda discussão jurídica, e até mesmo de eventual mudança legislativa.

O STF, pela conduta de seus ministros, nos últimos anos — explicitada em todos os processos que versavam sobre direitos trabalhistas, tais como: prevalência do negociado sobre o legislado (RE N. 590415) e ultratividade das normas coletivas (ADPF N. 323), cobrança de taxa negocial de trabalhadores não associados (ARE N. 104859) —, se for chamado, nos levará para as profundezas do abismo, e não para o mar calmo.

Como bem nos ensina Paulinho da Viola, em sua música “Argumento”, façamos como um velho marinheiro, que durante o nevoeiro leva o barco devagar. Como sabemos, não estamos em nevoeiro; estamos em uma tempestade, de proporções desmedidas.

Estas ponderações não significam que não devamos agir, simultaneamente, no campo jurídico, questionando as múltiplas inconstitucionalidades da lei impugnada. Devamos, sim, mas, por meio de ações (reclamações) trabalhistas, de preferência coletivas, nas quais discutiremos a inconstitucionalidade incidental (chamada de controle constitucional difuso) de cada um de seus dispositivos, por afronta direta aos fundamentos, garantias e princípios constitucionais.

Com milhares de ações dessa natureza, no âmbito da Justiça do Trabalho, teremos condições de pavimentar sólido caminho jurídico para o necessário enfrentamento da lei.

Não obstante a importância desse campo de luta, o remédio certo somente virá da velha lição de Voltaire, segundo a qual só há esperança no clamor popular.

Para tanto, temos o dever de convencer os trabalhadores de que esta lei é contra eles e os seus direitos, nada trazendo-lhes de benefícios. Cumprida esta árdua jornada, poderemos reverter a derrota que nos é impingida pela realçada lei; sem dúvida, a maior de todos os tempos.

*José Geraldo de Santana Oliveira é consultor jurídico da Contee

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