Decreto EaD: Entre avanços e riscos, a vigilância é permanente para assegurar qualidade e valorização docente

Por José Geraldo de Santana Oliveira*

Aos 19 de maio último, o presidente da República baixou o Decreto N. 12456- publicado no DOU edição do dia 20-, visando à tão reclamada e esperada regulação da educação a distância (EaD), que, há muito, acha-se fora de controle, parâmetros e limites.

Longe de ser preciso e incisivo, como se almejava, o referenciado Decreto contém normas com aplicação imediata, estabelecidas nos Arts. 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10,11,12,13,14,15,16,17,18,19,20,21,22,23,24,25,26,27,29,30,32,34,37,39 e 40; e outras que remetem ao MEC a atribuição para as baixar (norma em branco), 10, § 2º, 11, § 1º,15, § 1º, 18, § 1º, 19, Parágrafo único, 28, 33, 36 e 38.

Dentre os Arts. de aplicação imediata, os de número 20, 21 e 22 não são de boa técnica. O que dá azo a descabidas interpretações restritivas sobre a função do coordenador de curso e mediador pedagógico. Aliás, já manifestadas nas hostes de algumas IES.

Em que pesem essas reservas, o Decreto, induvidosamente, representa marco significativo e razoavelmente promissor, quanto aos parâmetros e limites que faltavam à EaD, com reconhecimento até de muitas IES que não se descuraram da necessidade de preservar a qualidade do ensino ofertado e que passavam ao largo da esmagadora maioria das 49,3% (4,9 milhões) das matrículas nessa modalidade de oferta.

Com a finalidade de se afastar, desde logo, eventuais e inoportunos questionamentos sobre a constitucionalidade e legalidade do comentado Decreto, faz-se necessário ressaltar que seus comandos acham-se autorizados e, portanto, agasalhados, pelo Art. 22, XXIV, 209, da CF, 9º, 16, 25, Parágrafo único, e 80, da Lei N. 9394/1996- Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB).

Dentre os aspectos positivos do citado Decreto destaca-se o que indica passos certeiros para o premente resgate da profissão docente, notadamente, nessa modalidade de ensino, que, sem meias palavras, vem progressivamente sendo esvaziada e achincalhada, ao menos na última década.

O simples cotejo entre os dados do Censo da Educação Superior de 2013 e 2023- publicado em outubro de 2024-, presta-se para confirmar essa assertiva.

Em 2013, havia 2090 IES privadas, que abrigavam 5.421.639 das 7.305.977 matrículas na educação superior; com 181.302 dos 321.700 professores que nela se ativavam. Já, em 2023, o número de IES privadas saltou para 2264; o de matrículas, para 7.907.652 das 9.976.782; o de professores, ao reverso, caiu para 150.367 dos 327.966 ativos.

Esses números revelam que, no período de 10 anos, o número de matrículas em IES privadas cresceu 45,85%; enquanto o de docentes decresceu 20,62%. Para que fosse mantida a mesma proporção, entre o número de matrículas e de docentes, que era de 29,9, em 2013, o número de docentes teria de ser de 264.470, em 2023. Ou seja, a proporção de alunos por professor, subiu de 29,9 para 52,59, na década sobre destaque. O que representa crescimento de 75,89%.

É de se ressaltar que essa proporção, já desmedida, fica no campo matemático. No cotidiano das IES, ela é infinitamente maior. Segundo dados divulgados pelo Inep, em outubro de 2023, a razão de alunos por professor na EaD era de 171, e de 22, no ensino presencial, fazendo-se a média entre as IES públicas, dos três entes federados, e as privadas; chegando a 500 e até a milhares, em inúmeras IES privadas.

Enquanto isso, nas IES públicas, em 2013, o número de matrículas totalizava 2.105.042 e, o de docentes, 140.398. O que representava a proporção de 15 alunos por docente. Já, em 2023, o número de alunos foi de 2.069,130 e, o de docentes, 177.599, com a proporção de 11,6. Ao contrário do que se verifica nas IES privadas, essa proporção é real e não apenas matemática.

O primeiro certeiro passo, para coibir a desmedida desproporção entre o número de alunos e o de professor, nas IES privadas, foi dado pelo comentado Decreto, que, em seu Art. 3º, I IV, estabelece, com amparo no Art. 25, Parágrafo único, da LDB, -“ IV – atividade síncrona mediada – atividade síncrona realizada com participação de grupo de, no máximo, setenta estudantes por docente ou mediador pedagógico e controle de frequência dos estudantes;”.

O Art. 20, baixado como norma pendente de ato do MEC, para o regulamentar, dispõe: “A composição do corpo docente e dos mediadores pedagógicos deverá ser compatível com o número de estudantes matriculados na unidade curricular, conforme ato do Ministro de Estado da Educação”.

Não obstante se caracterizar como norma de eficácia limitada, condicionada à regulamentação pelo MEC, de quem se espera a fiel observância de padrão de qualidade social (Art. 206, VII, da CF), que jamais pode prescindir dessa compatibilidade; este dispositivo reveste-se de grande relevância, por, pela primeira vez na história recente da EaD, estabelecer que o número de docentes, neles incluídos o regente, o conteudista e o mediador pedagógico, seja compatível com o de estudantes, tanto nas atividades presenciais, quando nas síncronas e assíncronas.

Certamente, as maiores dificuldades serão enfrentadas na regulamentação das atividades assíncronas; hoje, ministradas, puramente de maneira formal, sem o menor zelo com o padrão de qualidade, envolvendo centenas e até milhares de alunos por sala.

Outras dificuldades a serem enfrentadas pelo MEC, com a autoridade e o rigor que lhe cabem, dos quais até agora prescindiu, diz respeito ao enquadramento do coordenador de curso e do mediador pedagógico. Isso decorre da recalcitrante ganância patronal e da falta de boa técnica dos Arts. 18, 19 e 21 do Decreto sob comentários.

Porém, tais controvérsias não podem prevalecer, dada à imperiosidade de se relevar, na aplicação das normas, o conjunto delas, em detrimento daquela (s) que com ele conflitar. Ora, o todo do Decreto, quanto às atividades de natureza e dimensão pedagógicas, não deixa margem de dúvidas acerca do caráter de magistério das atividades exercidas pelo coordenador de curso e pelo mediador pedagógico.

Nos termos da Ementa do Acórdão da ADI- ação direta de inconstitucionalidade- 3772, proferido pelo STF, em 2009, ficou assentado que “I – A função de magistério não se circunscreve apenas ao trabalho em sala de aula, abrangendo também a preparação de aulas, a correção de provas, o atendimento aos pais e alunos, a coordenação e o assessoramento pedagógico e, ainda, a direção de unidade escolar. II – As funções de direção, coordenação e assessoramento pedagógico integram a carreira do magistério, desde que exercidos, em estabelecimentos de ensino básico, por professores de carreira, excluídos os especialistas em educação, fazendo jus aqueles que as desempenham ao regime especial de aposentadoria estabelecido nos arts. 40, § 5º, e 201, § 8º, da Constituição Federal. III – Ação direta julgada parcialmente procedente, com interpretação conforme, nos termos supra”.

Para que não se suscite discussão impertinente a respeito da parte final do item II, do realçado Acórdão, é de se esclarecer, desde logo, que a limitação aos estabelecimentos de ensino básico, cinge-se ao direito de aposentadoria com tempo reduzido, que não alcança aos que exercem funções de magistério no ensino superior, a partir da Emenda Constitucional N. 20/1998; em nada afetando o enquadramento como de função de magistério para os demais fins.

Por derradeiro, neste momento, há de se registrar que o Decreto sob análise representa apenas os alicerces e as bases para a devida e moralizadora regulação da EaD; achando-se, portanto, totalmente abertos o debate e o jogo democrático para tanto; não remanescendo dúvidas de que as IES já estão em campo, em jogo duro e faltoso, para fazer prevalecer seus interesses, que, não raras vezes, passam longe do que preconiza a CF, nos seus Arts. 205 e 206, para a educação e o ensino.

Desse modo, cabe às entidades sindicais de profissionais da educação escolar fazer coro com as de natureza estudantil e com quem mais queira e se disponha a mudar os rumos da EaD.

A luta é agora e sem vacilo, cochilo ou pausa!

*José Geraldo de Santana Oliveira é consultor Jurídico da Contee

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