Educação médica e avaliação de egressos

Existe hoje na sociedade brasileira uma preocupação grande com a qualidade da formação médica no país. De fato, o grande aumento no número de cursos de medicina nos últimos anos, torna legítima essa preocupação. O Conselho Federal de Medicina tem patrocinado no Congresso Nacional e divulgado nas suas redes projetos que essencialmente alteram a lei dos conselhos de medicina para conferir a estes a atribuição de avaliar egressos através do chamado exame de proficiência. Uma avaliação inicial pode apontar a realização de tal “exame de ordem”, a exemplo da advocacia, como positiva, mas precisamos atentar para as relevantes diferenças entre a Medicina e demais profissões regulamentadas da área de saúde e o Direito.

Na RESOLUÇÃO Nº 586, DE 6 DE JUNHO DE 2018, o Conselho Nacional de Saúde (CNS) já apontava que “nos termos do artigo 200, inciso III, da Constituição Federal de 1988, é competência do Sistema Único de Saúde (SUS), além de outras atribuições, “ordenar a formação de recursos humanos na área de saúde”, diferentemente de “participar” ou “colaborar”, como em outras competências do mesmo artigo;”.

Acresce o CNS que “a avaliação da educação superior deve ocorrer a partir de mecanismos que verifiquem a estrutura, os processos e os resultados da formação em saúde, não podendo ser fundamentada apenas em uma única avaliação dos estudantes, ao final de sua graduação e que a qualidade da formação depende de um conjunto de dimensões que engloba desde os aspectos relacionados à gestão, aos projetos pedagógicos dos cursos, à infraestrutura de ensino e ao corpo docente”.

O CNS ainda alerta que a complexidade da realização de processos avaliativos da educação superior não pode se restringir apenas à dimensão discente, pois desresponsabilizaria o governo e as próprias IES de seu papel social na garantia da qualidade do ensino.

A avaliação da competência clínica do estudante de medicina é atribuição do curso de graduação e da instituição onde se insere. Essa avaliação deve ser realizada ao longo dos 6 anos, com diferentes instrumentos, alinhada às Diretrizes Curriculares Nacionais que definem o perfil de egresso.

A avaliação da competência do concluinte e sua aptidão para o exercício profissional não pode ser baseada apenas em provas escritas, mas sobretudo em avaliações da prática diretamente supervisionada e inserida em serviços de saúde, abordando habilidades e atitudes, como a habilidade de comunicação, o profissionalismo e a relação com o paciente, a família e a equipe de saúde.

As instituições de ensino e os cursos de medicina devem ser avaliados em um sistema nacional, o SINAES (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior), que pode e deve ser aprimorado pelo INEP/MEC. As avaliações que já existem precisam ser divulgadas, integradas e tornadas transparentes para terem maior significado para estudantes, docentes, gestores das instituições ensino e sociedade.

A responsabilidade por avaliar instituições, cursos e estudantes deve ser planejada por profissionais com conhecimento amplo na área de educação médica. Esse é um tema delicado, permeado por inúmeros interesses econômicos de grandes instituições privadas de ensino e importa sobremaneira aos estudantes e seus familiares que merecem atenção, respeito e cuidado. Criar mais uma “prova teórica”, sobretudo com vieses corporativistas, não se justifica e apenas penaliza estudantes concluintes por condições eventualmente inadequadas na oferta do curso. Tais condições inadequadas, quando existirem, devem ser corrigidas antes da admissão de estudantes e essa é uma atribuição do Estado através do MEC.

Devemos tratar o tema à luz das evidências, e inúmeros estudos, inclusive a Demografia Médica no Brasil, apontam para a complexidade que ele tem, e que devemos discuti-lo envolvendo todos os interessados e compreendendo suas dinâmicas sociais, econômicas, políticas e regionais, sempre com foco nas necessidades do SUS e da população.

Não podemos espalhar pânico, como se a proliferação de cursos por si só, pudesse destruir a medicina no Brasil. Essa é uma estratégia política rasa e que visa apenas interesses particulares e de grupos econômicos específicos.

Cristiano Gonzaga da Matta Machado, médico anestesiologista do Hospital das Clínicas da
UFMG e do Hospital da Unimed-BH-Contorno, membro da ABMMD Núcleo de Minas Gerais
e ex-presidente do Sindicato dos Médicos de Minas Gerais

Unai Tupinambás, médico infectologista. Professor Titular do Departamento de Clínica
Médica da Faculdade de Medicina da UFMG. Membro e fundador da ABMMD Nacional e do
Núcleo de Minas Gerais.

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