Especialistas da ONU e CIDH manifestam preocupação com a denúncia criminal contra o jornalista Glenn Greenwald

A denúncia foi rejeitada pelo juiz Ricardo Leite, da 10ª Vara de Justiça Federal de Brasília, nesta quinta-feira (6/2)

Washington DC, Genebra – Especialistas em direitos humanos* manifestaram séria preocupação com a denúncia apresentada pelo promotor brasileiro contra Glenn Greenwald, editor fundador e jornalista do site The Intercept Brazil, por uma suposta colaboração com o hacking de dispositivos de juízes e promotores. A denúncia foi rejeitada pelo juiz Ricardo Leite, da 10ª Vara de Justiça Federal de Brasília, nesta quinta-feira.

“Ameaças legais desse tipo comprometem qualquer possibilidade de denúncia no Brasil. Jornalistas que investigam casos de corrupção ou ações impróprias por autoridades públicas não devem ser submetidos a assédio judicial ou qualquer outro tipo de assédio em retaliação por seu trabalho”, disse David Kaye, relator especial das Nações Unidas para a promoção e proteção do direito à liberdade de opinião e expressão.

“Esse tipo de imputação também pode ter um efeito inibitório geral nas investigações da imprensa. Diante de qualquer medida que possa afetar o exercício da liberdade de expressão, os Estados devem garantir que as restrições sejam impostas por lei, que sirvam a um dos interesses legítimos reconhecidos pelo direito internacional e necessários e proporcionados para proteger esse interesse”, disse Edison Lanza, Relator Especial para a Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).

The Intercept publicou vários artigos sobre conversas entre promotores e juízes relacionados à chamada “Operação Lava Jato”, que mostraria irregularidades e supostas falhas no devido processo de alguns réus. Essas conversas teriam sido vazadas para Greenwald por uma fonte confidencial.

A Polícia Federal teria identificado um grupo de pessoas que estaria relacionado à interferência nas comunicações desses funcionários, mas descartaria qualquer participação de Greenwald. No entanto, em 21 de janeiro, o promotor Wellington Divino Marques de Oliveira apresentou uma queixa contra Greenwald por associação criminosa e alegou que ele “ajudou, incentivou e dirigiu” o grupo de hackers durante as intervenções por telefone celular.

Os relatores especiais lembram que em julho de 2019, o presidente da República, Jair Bolsonaro, após a publicação dos artigos acima mencionados, afirmou que Greenwald poderia acabar preso e sugeriu que o jornalista se casasse com um cidadão brasileiro para evitar Deportação. Após ameaças de morte contra Greenwald, os relatores emitiram uma declaração na época declarando a gravidade dos ataques e instando o governo a tomar medidas para “prevenir, proteger, investigar e punir a violência” contra ele, sua família e outros jornalistas. Além disso, o Relator Especial das Nações Unidas enviou uma comunicação ao governo brasileiro em julho de 2019 sobre a campanha de assédio online e as ameaças à vida de Greenwald e seu parceiro, bem como o editor executivo da The Intercept Brasil. O especialista solicitou informações sobre as medidas tomadas para investigar essas reclamações e garantir a segurança das pessoas mencionadas. Embora o governo brasileiro tenha respondido que a Polícia Federal havia iniciado uma investigação e descrito os programas de proteção disponíveis no país, não especificou nenhuma medida específica adotada em relação a este caso.

Os relatores especiais insistem que as investigações criminais não devem ser usadas como uma ameaça ao trabalho jornalístico. As autoridades devem se abster de iniciar um processo contra jornalistas com base em acusações genéricas ou desproporcionais que criminalizam a circulação de informações de interesse público, protegidas pelo direito à liberdade de expressão, disseram eles.

Ambos os especialistas chamam a atenção para a conexão que esses processos podem ter com o direito à proteção de fontes jornalísticas, dado seu valor inestimável para a sociedade acessar informações de interesse público. Sem essa proteção, informações de alto interesse dificilmente assumiriam o status público. Os relatores especiais estão em contato com as autoridades brasileiras, que forneceram informações adicionais sobre uma investigação oficial em andamento sobre as ameaças relatadas por Greenwald e seu parceiro.

Os especialistas

David Kaye, como relator especial da ONU para a promoção e proteção do direito à liberdade de opinião e expressão, é parte dos chamados Procedimentos Especiais do Conselho de Direitos Humanos. Os Procedimentos Especiais, o maior órgão de especialistas independentes do sistema de Direitos Humanos da ONU, é o nome genérico dado aos mecanismos independentes de investigação e monitoramento do Conselho. Os detentores de mandato dos Procedimentos Especiais são especialistas independentes em direitos humanos, nomeados pelo Conselho de Direitos Humanos para tratar de situações específicas em países ou questões temáticas em todo o mundo. Eles não fazem parte da equipe da ONU e são independentes de qualquer governo ou organização. Eles agem individualmente e não recebem salário por seu trabalho.

Edison Lanza é o Relator Especial para a liberdade de expressão da CIDH. A Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão foi criada pela CIDH para promover a defesa hemisférica do direito à liberdade de pensamento e expressão, em virtude do papel fundamental que esse direito tem para a consolidação e o desenvolvimento do sistema democrático.

FNDC

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