Faces da desprofissionalização: Os ataques aos direitos trabalhistas

A Contee e suas entidades filiadas convocaram os professores e técnicos administrativos que atuam no setor privado em todo o país para o Dia Nacional de Paralisação que ocorre hoje,  sexta-feira, 10 de novembro, em todo o Brasil. Esta é uma data de luta, sobretudo, pela revogação da reforma trabalhista, que entra em vigor amanhã, sábado (11), mas também contra outros ataques aos direitos dos trabalhadores, como a terceirização desmedida, também aprovada, e a reforma da Previdência, ainda em pauta no Congresso Nacional.

Na educação, os golpes contra os direitos trabalhistas atingem em cheio as escolas, tanto para professores quanto para técnicos administrativos. Muito antes da sanção da Lei 13.429/17, que escancarou a terceirização, a Confederação já denunciava o impacto nocivo desse processo dentro dos estabelecimentos de ensino, tendo, inclusive, lançado, em 2013, uma campanha nacional com o mote “Terceirização na educação retira a identidade do trabalhador”. A legislação atual, contudo, é ainda mais perversa do que se discutia quatro anos atrás e aliada ao desmonte da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) promovida pela reforma trabalhista com a Lei 13.467/17 e à proposta de reforma previdenciária — que acaba com a aposentadoria diferenciada para os docentes da educação básica —  elas se assumem com uma das faces da desprofissionalização do magistério que a Contee tem alardeado e combatido com a campanha “Apagar o professor é apagar o futuro”.

De acordo com o consultor jurídico da Confederação, José Geraldo de Santana Oliveira, a criação de empresas de trabalho temporário — locadoras de mão de obra — e a autorização para a terceirização das atividades-fim pela Lei 13.429, bem como os contratos autônomos e os intermitentes pela Lei N. 13.467, “são absolutamente incompatíveis com os objetivos da educação e os princípios do ensino, respectivamente ditados pelos Arts. 205 e 206 da CF, bem assim com as condições exigidas pelo Art. 209, também da CF, para que a iniciativa privada possa oferecer o ensino” (leia a nota “A incompatibilidade da reforma trabalhista e da terceirização com o ensino). Isso implica dizer, segundo ele, que professores não podem ser terceirizados nem submetidos a contratações na modalidade autônoma ou intermitente, como permitido pela reforma trabalhista.

Entretanto, alguns exemplos bastantes escabrosos já têm acontecido na educação. No XIX Conselho Sindical (Consind) da Contee, o texto que embasou o debate educacional, assinado pela coordenadora da Secretaria-Geral, Madalena Guasco Peixoto, e pela coordenadora da Secretaria de Assuntos Educacionais, Adércia Bezerra Hostin dos Santos, destacava dois casos ocorridos neste ano que servem de alerta. Um deles é o edital aberto em abril pela Prefeitura do município de Angelina, no estado de Santa Catarina, para a contratação de “instrutor de atividades físicas” por meio de licitação, promovendo um pregão presencial mediante apresentação de “menor preço global”, sendo que o valor para 20 horas semanais não poderia ultrapassar R$ 1.200. Já o segundo é a denúncia, feita em setembro, de que o governo do Espírito Santo contratou a empresa Ensina Brasil, versão da Teach for America atuante no país, para formar professores em cinco semanas, sendo uma delas a distância, em um curso de verão em janeiro de 2018, com o compromisso de ficar no posto por dois anos.

Pode-se ainda dar um terceiro exemplo, entre tantos: em julho, um projeto da Prefeitura de Ribeirão Preto, no estado de São Paulo, foi noticiado pelo jornal O Estado de S.Paulo antes mesmo de chegar à Câmara Municipal ao pretender, em sua proposta preliminar, criar um sistema de trabalho que foi apelidado pelos servidores de “Uber da Educação” ou “Professor Delivery”. A ideia seria chamar docentes sem ligação com o município sempre que faltassem profissionais na rede municipal de ensino e pagar a eles por aulas avulsas. Sem vínculo empregatício, o professor convocado seria acionado por aplicativos, mensagens de celular ou redes sociais e, após receber a chamada, teria cerca de 30 minutos para responder se aceitaria a tarefa e uma hora para chegar à escola.

O termo “uberização” — derivado do Uber e da transformação de donos de veículos em motoristas eventuais sem proteções trabalhistas  — tem sido aplicado ao fenômeno da desregulamentação do trabalho. Esse fenômeno que, mesmo completamente incompatível com a educação, ainda assim começa a atingi-la é extremamente preocupante e guarda estreita relação com a primeira face da desprofissionalização do magistério que abordamos no Portal da Contee nesta semana: a do comércio educativo. Na verdade, embora não com essa terminologia e não com esse alcance, já vivíamos um princípio disso a cada vez que o Sistema S, por exemplo, ou outro estabelecimento de ensino, insistia em nomear um professor como ‘tutor” — num processo de desqualificação que nada mais é do que o apagamento que temos denunciado — ou com a expressiva expansão do ensino a distância (EaD), modalidade em que, além das questões concernente à qualidade, enfrentamos problemas em termos da regulamentação e valorização da função docente.

Lutar pela revogação da reforma trabalhista e contra todos os demais ataques aos direitos dos trabalhadores já aprovados ou ainda em curso no Brasil não é só um dever classista que temos de nos unir a todas as demais categorias. Esse dever, claro, é imprescindível e essa unidade é fundamental para o fortalecimento da classe trabalhadora no país e a retomada de conquistas históricas que estão sendo usurpadas. Entretanto, é necessário ter consciência de que, no caso da base da Contee, esta é uma batalha em defesa também da própria educação. Não é à toa que o lema da atual campanha da Confederação contra a desprofissionalização é “Apagar o professor é apagar o futuro”. E faz parte de não deixar apagar esse futuro estar mobilizado contra a reforma trabalhista e a destruição do presente.

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Por Táscia Souza

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