Grupo pró-vida constrange vítimas de estupro em frente a hospital

Na manhã da última segunda-feira (21), a assistente de produção J., de 31 anos, que pediu para não ser identificada, foi ao Hospital Pérola Byington, no centro de São Paulo, para uma consulta psiquiátrica. Vítima de violência sexual, há cerca de 20 dias ela frequenta a unidade estadual, considerada centro de referência na assistência a mulheres que sofreram estupro. Antes de entrar no prédio, se deparou novamente com algo que há dias a assombrava: na praça do outro lado da rua havia uma tenda de manifestantes “pró-vida”, como se autodenominam os ativistas contrários ao aborto, cheia de placas condenando a interrupção da gravidez, fotos de bebês, além de uma mesa com imagens de santos católicos e miniaturas fetos.

J. os viu todas as vezes em que esteve ali para atendimento porque, desde 25 de setembro, o grupo católico “40 dias pela vida SP” monta diariamente sua tenda em frente à entrada do hospital, com o objetivo de persuadir mulheres que foram estupradas, que estão em gestações de fetos anencéfalos ou em gravidez com risco de vida a não abortar – únicos casos em que o aborto é permitido no Brasil. Com origem nos Estados Unidos e filiais em diversos países, a campanha também tem como alvo profissionais que atendem essas mulheres, como médicos, enfermeiros e psicólogos.

“Minha família é muito religiosa, muito cristã, isso mexe muito comigo inconscientemente. Fico tendo pesadelos com as crianças da foto, até porque não saíram os resultados dos exames, então ainda não sei se a violência resultou em gravidez”, diz J. Por isso, ela decidiu se aproximar e iniciar uma conversa. “Você conhece o significado de empatia?”, conta ter perguntado a uma das mulheres. “Sim, com todos os seres humanos”, teria respondido a integrante do grupo. “Posso te contar a minha história então?”, questionou J. Ela relataria que, no fim de setembro, durante uma viagem ao Rio de Janeiro, foi levada a um cativeiro e estuprada enquanto estava inconsciente. Acordou num quarto escuro e só foi libertada quando um homem apareceu e lhe entregou R$ 5 para que fosse embora. Caminhou bastante até tomar um ônibus e parar na casa de uma amiga, a quem pediu ajuda.

Mas ela afirma não ter conseguido contar sua história, porque antes disso sua interlocutora teria começado a xingá-la e um homem teria surgido de dentro da tenda e a imobilizado com um mata-leão. Enquanto isso, segundo J., uma segunda mulher lhe dava tapas no rosto, peito e braços, e a agressão era filmada com um celular pela manifestante com quem havia conversado no início. A polícia logo chegou e levou o caso à delegacia, onde foi registrado um boletim de ocorrência por lesão corporal.

O documento traz também a versão de Celene Salomão de Carvalho, de 54 anos, autointitulada coordenadora do movimento e única do grupo a ir para a delegacia – as outras pessoas envolvidas não estão relacionadas no B.O. À polícia, Celene disse que era J., “muito alterada e nervosa”, quem gritava “que aquelas pessoas eram a favor do estupro e apoiavam o estuprador”, além de tentar “tirar a tenda do local”. Relatou ainda que J. a teria agredido com tapas no rosto e chutes na perna.

Essa, entretanto, não é a versão da advogada Adriana Gragnani, que passava de carro pelo local exatamente no momento em que tudo aconteceu. “Abandonei meu carro quando vi o homem que tinha saído da barraca dando um ‘pescoção’ na J., enforcando ela. Comecei a gritar ‘larga, larga e chama a polícia’”, conta. Só quando a polícia chegou foi que Adriana conversou com J. e tomou conhecimento da sua história. Ela acabou acompanhando a jovem à delegacia e a ajudou com os trâmites legais, como a realização do exame de corpo de delito. “Entendo que esse grupo está fazendo um assédio aos profissionais do Pérola Byington e às mulheres que, em razão de um crime perverso que é o estupro, têm que recorrer ao atendimento”, afirma Adriana.

Na tarde de quarta-feira (23), a Agência Pública tentou conversar pessoalmente com os integrantes do “40 dias pela vida SP”. Celene, outras três mulheres e um homem com colar de crucifixo em volta do pescoço conversavam sentados debaixo da tenda. Havia cartazes pendurados com mensagens como “a vida começa na concepção”. A maior das faixas, instalada em frente à barraca, trazia o nome do grupo acompanhado pelo slogan “rezando pelo fim do aborto”. Havia ainda, atrás desse grande banner, uma mesa plástica que servia como uma espécie de altar, sobre a qual estavam imagens de Nossa Senhora e outros santos, um crucifixo dourado e miniaturas de fetos.

“Minha família é muito religiosa, muito cristã, isso mexe muito comigo inconscientemente. Fico tendo pesadelos com as crianças da foto, até porque não saíram os resultados dos exames, então ainda não sei se a violência resultou em gravidez”, diz J. Por isso, ela decidiu se aproximar e iniciar uma conversa. “Você conhece o significado de empatia?”, conta ter perguntado a uma das mulheres. “Sim, com todos os seres humanos”, teria respondido a integrante do grupo. “Posso te contar a minha história então?”, questionou J. Ela relataria que, no fim de setembro, durante uma viagem ao Rio de Janeiro, foi levada a um cativeiro e estuprada enquanto estava inconsciente. Acordou num quarto escuro e só foi libertada quando um homem apareceu e lhe entregou R$ 5 para que fosse embora. Caminhou bastante até tomar um ônibus e parar na casa de uma amiga, a quem pediu ajuda.

Mas ela afirma não ter conseguido contar sua história, porque antes disso sua interlocutora teria começado a xingá-la e um homem teria surgido de dentro da tenda e a imobilizado com um mata-leão. Enquanto isso, segundo J., uma segunda mulher lhe dava tapas no rosto, peito e braços, e a agressão era filmada com um celular pela manifestante com quem havia conversado no início. A polícia logo chegou e levou o caso à delegacia, onde foi registrado um boletim de ocorrência por lesão corporal.

O documento traz também a versão de Celene Salomão de Carvalho, de 54 anos, autointitulada coordenadora do movimento e única do grupo a ir para a delegacia – as outras pessoas envolvidas não estão relacionadas no B.O. À polícia, Celene disse que era J., “muito alterada e nervosa”, quem gritava “que aquelas pessoas eram a favor do estupro e apoiavam o estuprador”, além de tentar “tirar a tenda do local”. Relatou ainda que J. a teria agredido com tapas no rosto e chutes na perna.

Essa, entretanto, não é a versão da advogada Adriana Gragnani, que passava de carro pelo local exatamente no momento em que tudo aconteceu. “Abandonei meu carro quando vi o homem que tinha saído da barraca dando um ‘pescoção’ na J., enforcando ela. Comecei a gritar ‘larga, larga e chama a polícia’”, conta. Só quando a polícia chegou foi que Adriana conversou com J. e tomou conhecimento da sua história. Ela acabou acompanhando a jovem à delegacia e a ajudou com os trâmites legais, como a realização do exame de corpo de delito. “Entendo que esse grupo está fazendo um assédio aos profissionais do Pérola Byington e às mulheres que, em razão de um crime perverso que é o estupro, têm que recorrer ao atendimento”, afirma Adriana.

Na tarde de quarta-feira (23), a Agência Pública tentou conversar pessoalmente com os integrantes do “40 dias pela vida SP”. Celene, outras três mulheres e um homem com colar de crucifixo em volta do pescoço conversavam sentados debaixo da tenda. Havia cartazes pendurados com mensagens como “a vida começa na concepção”. A maior das faixas, instalada em frente à barraca, trazia o nome do grupo acompanhado pelo slogan “rezando pelo fim do aborto”. Havia ainda, atrás desse grande banner, uma mesa plástica que servia como uma espécie de altar, sobre a qual estavam imagens de Nossa Senhora e outros santos, um crucifixo dourado e miniaturas de fetos.

Além do dinheiro do PSL, a campanha de Celene recebeu outros R$ 10 mil de Caio Augusto Lemos Cardoso, que atua no mercado de investimentos. Além de doar para Celene, Caio doou para o deputado estadual do PSL Arthur Moledo do Val, o youtuber “Mamãe Falei”, e para o deputado federal Kim Kataguiri, do Democratas (DEM).

Essa não foi a única tentativa de Celene em eleições: curiosamente, em 2012, ela havia concorrido pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) ao cargo de prefeita de São Lourenço, no sul de Minas Gerais. Com o nome de Celene Carvalho, não foi eleita, obtendo apenas 370 votos.

Além das duas tentativas frustradas em eleições, Celene atuou como a “guardiã do Pixuleco”, o boneco inflável do ex-presidente Lula, utilizado durante as manifestações a favor do impeachment de Dilma Rousseff em 2015. Era ela quem providenciava os consertos do bonecão, atingido por facadas em Caxias do Sul e pelo vento em São Paulo.

Celene também esteve à frente dos atos que hostilizaram a filósofa americana Judith Butler na sua vinda a São Paulo em 2017. Ela chegou a ir ao aeroporto de Congonhas para enfrentar Butler, e terminou injuriando racialmente uma mulher negra, a quem disse: “você é feia, olha esse seu cabelo, olha essa sua cor, vai arrumar esse cabelo”. A injúria levou à condenação de um ano de reclusão em regime inicial aberto.

Organização americana, filial brasileira

Embora se autointitule coordenadora da única filial brasileira do “40 Dias Pela Vida”, o site oficial do grupo – que em inglês se chama “40 Days for Life” – aponta outras pessoas como lideranças no Brasil: constam na página os contatos de Lyege Ornellas Pires Carvalho e Maria Jocelina de Azevedo Pires Barreto Fonseca, ambas ativistas pró-vida. A primeira participou, em 2015, de um seminário sobre “ações e programas que visam a valorização da vida” na Câmara dos Deputados, falando sobre “origem da ideologia de gênero”, além de assinar uma ideia de proposta legislativa do vereador de Recife pelo DEM que buscava “tornar crime o ensino de ideologia de gênero (sic) nas escolas brasileiras”. A segunda foi coordenadora da edição de 2016 do “40 Dias Pela Vida” em São Paulo, realizada também em frente ao hospital Pérola Byington.

O Brasil é um dos 61 países que o “40 Days for Life” diz ter alcançado desde 2004, quando a campanha surgiu em College Station, no estado norte-americano do Texas, em reação à criação de um centro de promoção ao aborto na cidade alguns anos antes. Em 2007, aconteceu a primeira campanha nacionalmente coordenada nos Estados Unidos, que, segundo os organizadores, atingiu 89 municípios em 33 estados.

Hoje, o grupo diz ter atuação mundial: em seu site, há registros de filiais em praticamente todos os continentes, com presença maciça na América Latina, sobretudo em países como México e Colômbia, e também na Europa. Nos comunicados ao fisco dos Estados Unidos, a organização declarou em 2017 uma receita de mais de 2,3 milhões de dólares, cerca de R$ 7,5 milhões à época — o “40 Days for Life” é obrigado a enviar essas informações ao governo por pedir isenção de taxas federais.

O grupo pró-vida pretende manter as atividades em frente ao Pérola Byington até dia 03 de novembro, quando a campanha internacional completa 40 dias. Enquanto isso, J. aguarda o andamento das investigações sobre a agressão que registrou na delegacia e tem recebido assistência jurídica do Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres (Nudem) da Defensoria Pública de São Paulo.

Agência Pública

Artigos relacionados

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo