Paulo Freire vive na nossa resistência

Este ano registra o centenário de nascimento do educador brasileiro Paulo Freire. Entidades e organizações voltadas para a cultura programaram atividades para lembrar, divulgar e colocar em prática o pensamento do autor da Pedagogia do Oprimido. A Contee saúda e se soma a essas atividades. Durante o ano, o Portal da Contee está publicando textos relativos à vida, obra e pensamento de Paulo Freire. O texto a seguir é a apresentação do coordenador-geral Gilson Reis, feita para a Agenda da Contee 2021, que homenageia o educador.

Na obra “Filhos dos dias”, do escritor uruguaio Eduardo Galeano, há um trecho marcado como “Setembro 8” e intitulado como “Dia da Alfabetização”, que conta assim:

“Sergipe, Nordeste do Brasil: Paulo Freire começa uma nova jornada de trabalho com um grupo de camponeses muito pobres, que estão se alfabetizando.

— Como vai, João?

João se cala. Amassa o chapéu. Longo silêncio, e finalmente ele diz:

— Não consegui dormir. A noite inteira sem fechar os olhos.

Mais palavras não saem da sua boca, até que ele murmura:

— Ontem, eu escrevi meu nome pela primeira vez.”

No pequeno fragmento se lê a grandeza de dois alvos atacados pelo atual governo brasileiro. O primeiro, Paulo Freire, o educador sob cuja liderança um grupo de professores ensinou 300 adultos a ler e escrever em menos de 40 horas na cidade de Angicos, no Rio Grande do Norte, em 1963; o professor cujo método propunha um modo de educar intrinsecamente ligado à vida cotidiana — e, consequentemente, também à política; o pensador que tem seu nome e seu trabalho entre os mais citados em pesquisas acadêmicas pelo mundo afora e cujo livro “Pedagogia do oprimido” é a única obra brasileira na lista das cem mais pedidas nas universidades de língua inglesa; o homem descrito no inquérito divulgado logo depois de partir para o exílio (após ser preso pela ditadura civil-militar) como “um dos maiores responsáveis pela subversão imediata dos menos favorecidos”.

O segundo alvo é a potência transformadora e cidadã da educação.

No ano do centenário de nascimento de Paulo Freire, que se completa no dia 19 de setembro de 2021, homenageá-lo é também homenagear a própria educação. Homenageá-la e defendê-la. O patrono da educação brasileira, falecido em 1997, não viveu para assistir ao novo golpe que tomou de assalto o país. Nem a eleição e a ascensão ao poder de um projeto protofascista. Nem essa nova fase, parelha da ditadura que ele combateu, de perseguição a educadores. Nem o acirramento cada vez maior da sanha privatista e das tentativas de desmoralização e de desmanche das escolas e universidades públicas. Nem a pandemia que já matou mais de 1 milhão de pessoas ao redor do mundo e que levou, num repente, a sala de aula para dentro de nossas casas.

Sobre este último ponto — e também sobre todos os outros —, chama a atenção um trecho do livro Pedagogia da indignação Cartas pedagógicas e outros escritos em que ele diz que “a formação técnico-científica de que urgentemente precisamos é muito mais do que puro treinamento ou adestramento para o uso de procedimentos tecnológicos. No fundo, a educação de adultos hoje como a educação em geral não podem prescindir do exercício de pensar criticamente a própria técnica. O convívio com as técnicas a que não falte a vigilância ética implica uma reflexão radical, jamais cavilosa, sobre o ser humano, sobre sua presença no mundo e com o mundo. Filosofar, assim, se impõe não como puro encanto mas como espanto diante do mundo, diante das coisas, da História que precisa ser compreendida ao ser vivida no jogo em que, ao fazê-la, somos por ela feitos e refeitos”.

Paulo Freire não viveu para assistir, mas, ainda assim, vive: nesta agenda que nos acompanhará nos desafio e batalhas deste ano; na defesa da educação pública gratuita, inclusiva, democrática e socialmente referenciada, bem como da devida regulamentação do setor privado; na nossa certeza de que educação não é mercadoria; na nossa resistência.

Gilson Reis
Coordenador-geral da Contee

A Agenda está disponível em . PDF para ser baixada no Portal da Contee

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