Sinpro/RS: Calamidade pública pode virar desastre trabalhista

Em clima de final de mandato, governo e parlamentares governistas correm pra fazer passar a toque de caixa mais flexibilizações de direitos

Daqui pra frente, graças ao Congresso Nacional – leia-se Câmara dos Deputados e Senado – e ao Governo Federal, os trabalhadores brasileiros pagarão parte da conta das tragédias ambientais e dos desastres naturais que resultem em calamidade pública decretada pelas autoridades. Tudo isso, via perda de direitos trabalhistas.

Trata-se das Medidas Provisórias (MPs) 1.108 (teletrabalho e vale-alimentação) e 1.109 (que flexibiliza direitos trabalhistas durante situações de calamidade pública) emitidas pelo Governo Federal. Segundo a oposição, elas formam um pacote de maldades contra os trabalhadores ao apagar das luzes da atual legislatura.

A MP 1.108, aprovada na Câmara nesta quarta, 3, ainda deve ser avaliada no Senado antes do final de semana, quando perde a validade. A MP 1.109 passou a toque-de-caixa pelas duas casas e sendo aprovada respectivamente nos dias 3 e 4 de agosto com ampla maioria.

Vantagens só para os patrões

“A Câmara e o Senado estão correndo contra o tempo para fazer passar o que puderem da boiada antes que o governo e os mandatos legislativos e executivos acabem”, sintetiza o presidente da CUT/RS Amarildo Cenci.

Para o dirigente sindical, tanto Governo Federal como o Congresso Nacional estão apurando o passo para consolidar as reformas que eles consideram importantes para baratear a mão de obra, para flexibilizar direitos e para favorecer ainda mais o setor do capital e aos empresários.

“Está dentro da mesma lógica da Reforma Trabalhista e da Reforma da Previdência realizadas após o Impeachment, no governo Temer e consolidadas sob Bolsonaro. No atual governo, os congressistas não têm escrúpulos para fazer passar medidas que num ambiente mais democrático não passariam. Eles sabem que uma parte desses deputados e senadores não estarão na próxima legislatura e que o governo possivelmente mude de mãos e para norte político mais progressista”, argumenta o cutista.

“Isso atingirá as mesas de negociação. Não bastasse a legislação ser restritiva, isso indica uma maior resistência dos negociadores patronais na hora de estabelecer direitos como vale-refeição e home office, dificultando regulamentações e avanços. Mais uma vez o estado brasileiro e os legisladores prestando serviços a um lado só da sociedade, dos empregadores”, explica Amarildo.

Dupla calamidade

No caso da MP 1.109, caso ocorram novos episódios de calamidade como os de Brumadinho e Mariana, das recorrentes secas do Rio Grande do Sul, das cheias da Bahia e Santa Catarina ou desmoronamentos do Rio de Janeiro, eles resultarão em retirada de direitos do trabalhador arbitrariamente e sem cláusula de negociação coletiva, ao sabor das vontades das empresas contratantes.

Entre os direitos trabalhistas que passam a ser alteráveis durante calamidades estão o teletrabalho ou home office, antecipação de férias individuais, concessão de férias coletivas, antecipação de feriados, banco de horas e recolhimentos do FGTS.

Além disso, os contratos de trabalho poderão ser suspensos temporariamente em caso de calamidade, com redução proporcional da jornada e salário. A MP usa as mesmas regras do Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, adotado durante a pandemia.

Trabalhador mais vulnerável do que já estava

No Senado, a MP 1.109 é vista pela oposição como mais uma iniciativa de precarização das condições de trabalho, sob desculpa de atender a situações de calamidade pública. A senadora Zenaide Maia (Pros-RN) definiu como “desumano”. O Senador Jean Paul Prates (PT-RN), líder da minoria classificou a MP como um “cheque em branco em pleno período eleitoral” que altera a legislação. “Essas coisas são objetos de planos de governo. É claramente um projeto que não teve discussão. Não é hora de discutir isso. Não há urgência nenhuma”, bradou.

Já o senador Paulo Paim (PT-RS) entende que agora, uma flexibilização ainda maior das leis trabalhistas deveria ser objeto de um projeto de lei, e não uma medida provisória, principalmente em ambientes de calamidade pública. Para ele, a MP “torna ainda mais vulnerável a parte que já é a mais fraca da relação de emprego, o trabalhador”.

Ele lembrou que a proposta vai prejudicar ainda mais os trabalhadores que recebem os menores salários, que ficarão submetidos a suspensão do contrato, trabalho intermitente, salário-hora, acordo individual unilateral, redução do Fundo de Garantia, redução da jornada e do salário em até 70%, entre outras perdas.

“Nós estamos falando de um país onde a riqueza fica na mão de 1% da população. Estes serão beneficiados. Um país em que 70% da população ganha até dois salário mínimos. É esse povo que vai perder o seu direito. Não tem limite aqui”, lamentou.

O parlamentar citou, entre outros, o artigo 3º do texto, sobre teletrabalho ou home office. Segundo esse item, o empregador poderá, “a seu critério”, alterar o regime de presencial para remoto, além de determinar o retorno ao regime inicial, “independentemente da existência de acordos individuais ou coletivos, dispensado o registro prévio da alteração no contrato individual de trabalho”.

MP da calamidade é Reforma antecipada

“Na verdade, é uma reforma trabalhista antecipada. A medida provisória não é instrumento adequado para regulamentar as relações de trabalho em caso de edição de novos decretos de calamidade pública, que nós não sabemos nem o que é. Nós estamos bancando aqui os futurologistas. É quase que uma mágica: ‘Olha, não importa o que for decretado lá no município, cortem a cabeça dos trabalhadores’”, reagiu, indignado, o senador Paulo Paim (PT-RS).”

Assim, o próprio Paim apresentou emenda, a única a ser votada, condicionando eventuais mudanças a um processo de negociação coletiva. A proposta foi rejeitada por 39 a 19.

A MP 1.109 havia sido aprovada pela Câmara com 249 votos, recebendo 111 contrários. Os destaques da oposição foram todos rejeitados.

Liberais e governistas saúdam medidas

O deputado Alexis Fonteyne (Novo-SP) afirmou que a medida provisória moderniza as relações trabalhistas e pode gerar emprego e renda.

O deputado Kim Kataguiri (União-SP) ressaltou que as medidas adotadas na pandemia garantiram a manutenção de mais de 20 milhões de empregos formais.

O deputado Paulo Marinho Jr (PL-MA) lembrou que o índice de desemprego está em queda, com 9,3 milhões de desocupados no último trimestre segundo o IBGE, o menor número desde 2016. “As medidas em vigor têm surtido efeito, e a economia está melhorando”, avalia. O deputado, no entanto, não informa, por exemplo,  que este aumento de vagas de trabalho é  sem carteira assinada, e que a maioria dos trabalhadores exerce atividades informais.

Vale-alimentação poderá ser sacado em dinheiro

Inicialmente a MP 1.108, do governo de Jair Bolsonaro (PL), que muda regras do pagamento do auxílio alimentação e regulamente o teletrabalho, era diferente; o dinheiro voltaria para a empresa se o trabalhador não utilizasse seus vales.

De acordo com o secretário de Assuntos Jurídicos da CUT Nacional, Valeir Ertle a decisão do uso dos vales cabe ao trabalhador. “É um direito dele definir o que vai fazer com esse recurso”, diz.

Antes de definir o prazo, o relator da MP na Câmara deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP), propôs liberar o saque em dinheiro independentemente do prazo em que o trabalhador deixou de utilizar os vales.

Porém, devido a um acordo entre as lideranças dos partidos, ficou definido os 60 dias prazo para o saque em virtude de insegurança jurídica, como, por exemplo, se o valor em dinheiro deveria incidir desconto de imposto de renda e contribuições do INSS, entre outros tributos.

“O perigo seria as empresas colocarem o valor dos vales como se fosse um salário maior, o que seria prejudicial ao trabalhador por não incorporar na conta do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), da aposentadoria, férias, 13º salário, entre outros benefícios. Mas, a inclusão do prazo dá mais liberdade de uso, sem que o trabalhador possa ser enganado como se os vales fossem salários”, argumenta o dirigente da CUT.

Regulamentação do teletrabalho 

Entre outros pontos, a MP considera o teletrabalho ou trabalho remoto aquele que é prestado fora das dependências do empregador de maneira preponderante ou não, com tecnologias de informação e comunicação e que não se configure trabalho externo.

O texto apresentado pelo relator, deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP), prevê que o regime de teletrabalho se dará por jornada, produção ou tarefa. Contudo, a proposta excluiu a previsão de aplicação da jornada diária de trabalho de até oito horas, do pagamento de horas-extras, pagamento de valor adicional por trabalho noturno, conforme consta na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Negociações individuais

Se passar no Senado e for sancionada pelo presidente Bolsonaro, a MP 1.108 prevê que empregados em regime de teletrabalho ficam submetidos às disposições previstas na legislação local e nas convenções e acordos coletivos de trabalho na base territorial onde o empregador contratou o trabalhador.

Aprendizes e estagiários também poderão fazer teletrabalho. A MP diz ainda que o uso de ferramentas, como e-mails, fora do horário de trabalho não será considerado como sobreaviso e que os empregadores terão que dar prioridade para o regime remoto aos empregados com filhos até quatro anos.

Além disso, A MP diz que a negociação da jornada de trabalho ocorrerá individualmente, entre o trabalhador e o empregador. “Acordo individual poderá dispor sobre os horários e meios de comunicação entre o empregador e o empregado, desde que assegurados os repousos legais”, diz o texto.

O relator chegou a defender que as regras do trabalho remoto fossem definidas em negociação coletiva entre sindicatos e empresas, mas acatou a previsão de contrato individual, defendida pelo governo no texto original da MP original.

As centrais sindicais divulgaram nota defendendo a participação dos sindicatos no tema. O próprio Paulinho disse ser a favor. “Eu imagino que quem entende melhor de cada uma das categorias são os trabalhadores e o empresários do setor, e a negociação coletiva poderia resolver. Estamos fazendo uma lei que daqui um tempo teremos que corrigir.”

O líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR), reconheceu o trabalho do relator para chegar a um parecer consensual. “O governo é pelo texto original, mas reconhece o esforço que foi feito”, disse Barros.

Deputados da oposição criticaram o texto, argumentando que a medida representa um retrocesso para os direitos dos trabalhadores, por não considerar o que prevê a CLT.

“Vai ser uma superexploração, uma máxima precarização do trabalho e vai ser um regime muito próximo à escravidão, criticou o deputado Bira do Pindaré (PSB-MA). “Isso é andar para trás. É voltar aos primórdios do capitalismo onde não havia jornada de trabalho, férias, não havia nada. Foi preciso que os trabalhadores se unissem no mundo inteiro para conquistar esses direitos”, acrescentou.

 Do jornal Extra Classe, do Sinpro/RS

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