Ao falar de economia, ‘JN’ perdoou Bolsonaro e o fiasco Paulo Guedes

JN usou pandemia e guerra para relevar erros do governo e gastou tempo de Lula para explicar governo Dilma. Assim, poupou a própria Globo de debater o fracasso do neoliberalismo e discutir o futuro

São Paulo – As entrevistas de presidenciáveis ao Jornal Nacional, da Rede Globo, não permitiram ao expectador saber de onde vem a crise econômica que assola o Brasil, nem como sair dela. No questionamento ao candidato à reeleição Jair Bolsonaro sobre economia, o apresentador William Bonner já isenta o presidente de qualquer responsabilidade pela crise ao introduzir como “desculpas” a pandemia e a guerra na Ucrânia.

Bonner começa a pergunta lembrando da campanha de Bolsonaro de 2018, em que ele falava em reduzir juros, conter a inflação e a alta do dólar. São temas em que o atual governo colhe fracassos retumbantes mas, antes de concluir a pergunta, o apresentador do JN já “absolve” Bolsonaro. Além disso, deixa-o discursar por três minutos, inclusive mentir muito, sem nenhuma interrupção ou pedido de explicação. O próprio Bonner encerra a questão sem mais delongas dizendo a Bolsonaro que “então, se reeleito”, vai retomar o programa que “não conseguiu” executar. O recorte da entrevista do JN com Bolsonaro pode ser visto aqui.

Já na vez do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o tema economia durou cerca de oito minutos de JN. Uma parte da pergunta, sobre como cumprir promessas (sem citar nenhuma delas) em cenário ruim, durou menos de três. Lula falou sobre o país quebrado que pegou em 2003 e sobre o êxito de seus oito anos de governo. Em outros quase cinco minutos, Bonner induziu Lula a explicar erros do governo Dilma. Questões sobre combate à fome e à miséria, revogação da “reforma” trabalhista, criação de empregos formais ou como incluir os pobres no orçamento não entraram no roteiro dos apresentadores do telejornal. O recorte da entrevista do JN com Lula sobre economia pode ser visto aqui.

Simplificação

As avaliações correntes em relação à entrevista de Bolsonaro ao JN são de ele foi bem apenas com seu público, mas não ganhou pontos fora de sua bolha. Com relação à entrevista de Lula, manifestações generalizadas nas redes apontam para um vultoso sucesso do ex-presidente. Entretanto, o principal problema do país – a economia, segundo todas as pesquisas de opinião – foi calculadamente sufocado.

Assim, o telejornal de maior alcance na TV aberta e em horário nobre exigiu de Bolsonaro 10 minutos para explicar seu discurso golpista. Contra o STF, as urnas eletrônicas e a favor dos ataques às instituições nas redes. Nos três minutos dedicados a corrupção, nenhuma questão sobre falta de investigações. Nada sobre Carlos e Flávio Bolsonaro, Fabrício Queiroz, rachadinhas. Nada sobre o Brasil ter se tornado um “ninguém” no mundo, com uma política externa de dar vergonha.

Na questão das relações de trabalho, o presidente falou em alta velocidade sobre revisão de NRs. Tratam-se de Normas Regulamentadoras de Saúde e Segurança no trabalho que foram “simplificadas” para que empresas pudessem “economizar” R$ 200 bilhões. Pelo menos é o que diz o programa do candidato à reeleição. Ou seja, as empresas embolsaram mais lucros sem contrapartida na criação de empregos. Isso porque os poucos empregos “criados” nos últimos anos são informais e precários. Em sintonia com a filosofia de Paulo Guedes e Bolsonaro: “Você escolhe: quer empregos ou quer direitos?”

Mídia quer o segundo turno

Desse modo, alternativas ao modelo neoliberal – sagrado para os meios de comunicação corporativos – não estão em questão. Tanto na entrevista de Bolsonaro ao JN, quanto na de Lula, o assunto direitos trabalhistas ficou de fora. Mesmo tendo a proposta de revogação ou revisão da “reforma” trabalhista ocupado a agenda de Lula, inclusive com empresários, há meses. Foram menos de três minutos para propostas de gestão de economia, cinco pra explicar Dilma, e outros quase 15 minutos sobre corrupção.

Torcidas de ambos os lados ficaram com a convicção de que a entrevista de seus respectivos candidatos pegou mais leve com um do que com outro. Entretanto, para além da constatação de que Bolsonaro foi bem para seu público e Lula, ótimo fora do seu, escaparam às análises a escapada da Globo do tema de maior interesse da nação. Fica a impressão de que para a emissora, como de resto para a imprensa comercial, interessa haver um segundo turno.

Primeiro, por uma razão comercial, já que uma segunda disputa traz mais polêmicas, mais audiência e mais relevância para a imprensa. Segundo porque, para os donos da mídia, grupo em que estão alguns dos bilionários do país, tanto faz se o governo é de direita ou de esquerda. E terceiro porque, ainda que Lula seja favorito para levar, até lá ele se obrigaria a ampliar seus diálogos ao centro.

Então, tudo bem no quesito economia a entrevista “deixar” que Lula falasse sobre parâmetros do mercado (inflação, juros, responsabilidade fiscal). Mas não sobre o que ele mais sabe. Ou seja, como mudar a vida real das pessoas, desfazendo coisas que o modelo neoliberal vem fazendo desde o golpe de 2016.

Rede Brasil Atual

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