Hora de luta pela derrubada dos vetos presidenciais à MP 664

Por José Geraldo de Santana Oliveira *

Segundo uma velha metáfora, os números não mentem; mas os mentirosos fabricam números.

Ao se analisar a Medida Provisória (MP) N. 676, baixada pela presidente da República no dia 17 de junho corrente e publicada no Diário Oficial da União (DOU) no dia 18, é forçoso concluir que ela se encaixa como luva na referida metáfora, com uma pequena adaptação, qual seja, ao invés de se dizer que os mentirosos fabricam números, deveria dizer que os verdugos os fabricam, sendo estes representados pelos ministros da área econômica do Governo, que, com tal MP, deram mais uma demonstração de absoluto desapreço pelo bem-estar e justiça sociais, que são os objetivos da Ordem Social, conforme preconiza o Art. 193 da Constituição Federal (CF).

A mencionada MP, com a inequívoca intenção de ludibriar os segurados do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) – que, constitucionalmente, só não abrange os servidores públicos civis efetivos da União, dos estados e dos municípios -, e fazer o chamado equilíbrio atuarial falar mais alto do que todos os apelos sociais e fundamentos constitucionais, acrescentou à Lei de Benefícios da Previdência Social – Lei N. 8.213/1991 – o Art. 29-C, com a seguinte maldosa e maléfica redação:

“Art. 29-C – O segurado que preencher o requisito para a aposentadoria por tempo de contribuição poderá optar pela não incidência do fator previdenciário, no cálculo de sua aposentadoria, quando o total resultante da soma de sua idade e de seu tempo de contribuição, incluídas as frações, na data de requerimento da aposentadoria, for:           (Incluído pela Medida Provisória nº 676, de 2015)

I – igual ou superior a noventa e cinco pontos, se homem, observando o tempo mínimo de contribuição de trinta e cinco anos; ou           (Incluído pela Medida Provisória nº 676, de 2015)

II – igual ou superior a oitenta e cinco pontos, se mulher, observando o tempo mínimo de contribuição de trinta anos.            (Incluído pela Medida Provisória nº 676, de 2015)

§ 1º  As somas de idade e de tempo de contribuição previstas no caput serão majoradas em um ponto em:           (Incluído pela Medida Provisória nº 676, de 2015)

I – 1º de janeiro de 2017;           (Incluído pela Medida Provisória nº 676, de 2015)

II – 1º de janeiro de 2019;           (Incluído pela Medida Provisória nº 676, de 2015)

III – 1º de janeiro de 2020;           (Incluído pela Medida Provisória nº 676, de 2015)

IV – 1º de janeiro de 2021; e           (Incluído pela Medida Provisória nº 676, de 2015)

V – 1º de janeiro de 2022.            (Incluído pela Medida Provisória nº 676, de 2015

§ 2º  Para efeito de aplicação do disposto no caput e no § 1º, serão acrescidos cinco pontos à soma da idade com o tempo de contribuição do professor e da professora que comprovarem exclusivamente tempo de efetivo exercício de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio. (Incluído pela Medida Provisória nº 676, de 2015).”

Esse Art. finge que ameniza os efeitos nefastos do monstro fator previdenciário (FP), instituído pela Lei N. 9876/1999, que nada mais é do que um cruel redutor dos proventos de aposentadoria das mulheres que se aposentam antes dos 60 anos de idade e dos homens antes dos 65.

A amenização desses efeitos somente é real no que resta do ano de 2015 e no de 2016, sendo que, em 2017, começará a sua reversão, a ser concluída em 2022, culminando com a volta do FP, exatamente, como era antes da FP, que só não terá incidência, para a mulher, aos 60 anos, e, para o homem, aos 65.

Faz-se necessário ressaltar que a comentada MP iguala os(as) professores(as) do nível básico de ensino, que abrange a educação infantil, o ensino fundamental e o médio – que são os mais prejudicados pelo FP -, aos demais segurados no que tange ao requisito de tempo mínimo de contribuição, como se colhe do § 2º do Art. 29-C, da comentada MP, tornando inócuo o que preconiza o Art. 201, § 7º, da CF, que exige 25 para a professora e 30 para o professor.

Pela realçada MP, a professora terá de comprovar, como as demais seguradas, no mínimo, 30 anos de contribuição de efetivo exercício de função de magistério e, o professor, 35.

Comprovados esses tempos, poderão acrescer cinco pontos à soma deles com a idade; se, para ela, resultar o total de 85, e, para ele, 95, a sua aposentadoria não sofrerá a incidência do FP. Caso contrário, sim.

Assim, a rigor, a diferença entre os demais segurados e os(as) professores(as) resume-se à idade; sendo que, para aqueles, exigem-se, no mínimo, 55 e 60, e, para estes, 50 e 55. A título de ilustração, toma-se um caso aleatório, de uma professora com 30 anos de contribuição e 50 de idade; a soma dos dois perfaz 80, aos quais serão acrescidos cinco pontos, totalizando os 85 exigidos até o ano de 2016.

Colhe-se da propositadamente capciosa leitura do § 2º do Art. 29-C, da MP em questão, que o acréscimo de cinco pontos, nele previsto, somente surtirá efeito se a professora comprovar ao menos 30 anos de contribuição e, o professor, 35.

Para se obter a exata dimensão de quão nocivos são aos(às) professores(as) do RGPS o FP e esta MP, basta que se faça comparação deles com o Art. 40 da CF, que regulamenta a aposentadoria dos (as) que trabalham nas redes públicas de ensino.

O Art. 40, da Constituição Federal (CF), em seus §§ 1º, inciso III, alínea ‘a’, e 5º, estabelece:

“§ 1º- Os servidores abrangidos pelo regime de previdência de que trata este artigo serão aposentados, calculados os seus proventos a partir dos valores fixados na forma dos §§ 3º e 17º (redação dada pela Emenda Constitucional N. 41/2003):

III- voluntariamente, desde que cumprido tempo mínimo de dez anos de efetivo exercício no serviço público e cinco anos no cargo efetivo em que se dará a aposentadoria, observadas as seguintes condições- redação dada pela Emenda Constitucional N. 20/98

a)  sessenta anos de idade e trinta e cinco de contribuição, se homem, e cinquenta e cinco anos de idade e trinta e de contribuição, se mulher.

“§ 5º- Os requisitos de idade e de tempo de contribuição serão reduzidos em 5 (cinco) anos, em relação ao disposto no § 1º, III, a, para o professor que comprove exclusivamente tempo de contribuição de efetivo exercício das funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio”.

No que tange ao RGPS, a roda da história vem girando em sentido anti-horário, ou seja, para traz; senão, veja-se:

Em 1998, o Congresso Nacional aprovou proposta de emenda constitucional (PEC), de iniciativa do então presidente Fernando Henrique Cardoso, convertida na Emenda Constitucional (EC) N. 20, de 15 de dezembro de 1998, que exige, conforme o Art. 40 da CF, a comprovação cumulativa de tempo de contribuição e idade para os servidores públicos civis, sendo, respectivamente, de 30 e 55 para as mulheres, e 35 e 60, para os homens, com a redução de cinco anos, no tempo e na idade, para os(as) professores(as) de educação infantil, ensino fundamental e médio.

Iguais regras foram propostas para os segurados do RGPS, regulamentado pelo Art. 201 da CF; entretanto, como, na Câmara Federal, são necessários 308 votos, que representam 3/5 do total, ou 60%, e o deputado Antonio Kandir errou o voto, alcançando a PEC 307 votos, número insuficiente para a sua aprovação (faltou um), não há, para os segurados do RGPS, exigência de comprovação cumulativa de tempo de contribuição e idade, como descrito no Art. 40 da CF.

Em 1999, por linhas transversas, o governo de Fernando Henrique conseguiu o seu intento, com a aprovação da Lei N. 9876/1999, que criou o FP, que contém regras mais duras do que fora proposto em 1998.

Para comprovar essa assertiva, basta que se diga que, em 1998, foram propostos: idade mínima de 55 anos e 30 de contribuição para a mulher, e de 60 e 30, respectivamente, para o homem.

O FP, muito embora não proíba a aposentadoria com idade menor, exige, para que não haja redução de aposentadoria – o que a Previdência Social chama de renda mensal inicial (RMI) -, 60 de idade e 30 de contribuição, para a mulher, e 65 e 35 para o homem.

Durante mais de 15 anos ininterruptos, o FP massacrou impiedosamente todos os segurados do RGPS, chegando a subtrair-lhe metade da RMI, para quem se aposentou antes dos 50 anos.

Pois bem. Ao votar a MP N. 664/2014, o Congresso Nacional aprovou a emenda apresentada pelo deputado Arnaldo Faria de Sá, que nada mais representava do que a volta às regras que o então presidente Fernando Henrique tentou aprovar em 1998, e não conseguiu, como já comentado. Isso significa ou não fazer a roda da história girar para traz?

Porém, nem essa volta ao passado, retrocedendo-se quase 17 anos no tempo, obteve a anuência da presidente Dilma, convencida pela sua equipe econômica, que só vê números, jamais pessoas.

Como já comentado, para não borrar ainda mais a sua já desenquadrada foto, e tentar estancar a justa revolta social com o seu nefasto veto, a presidente baixou a repudiada MP N. 676/2015, que, ao fim e ao cabo, tem a volta integral do FP, tal como era até o dia 17 de junho de 2015, a partir de 2022, e, com o aval do Congresso Nacional e sem reclamações sociais. Em uma palavra: um acinte.

Como a MP sob discussão só abre uma janela, sem veneno, até o final do ano de 2016, não há dúvidas de que os segurados que, neste período de tempo, alcançarem os números mágicos exigidos – 85 para a mulher e 95 para o homem – devem aproveitá-la, sem  se titubear, ou seja, devem aposentar-se.

Como o apelo social concentrou-se no FP, passou ao largo outro maléfico veto da presidente ao Projeto de Lei (PL) de conversão da MP N. 664/2015, oposto à alteração do Art. 32, da Lei N. 8213/1991, que mudava a regra de cálculo do salário de benefício (SB), resultante da medida aritmética simples das contribuições efetuadas à Previdência Social, para efeito de cálculo de aposentadoria por tempo de contribuição para quem contribui por mais de uma fonte.

Esse cálculo era e continuará sendo efetuado, exceto se o Congresso Nacional derrubar o veto presidencial, de forma separada, ou seja, por fonte de contribuição, o que representa significativa redução do SB. A regra vetada determinava que este fosse calculado com base na soma de todas as contribuições, o que seria benéfico a todos os que contribuem por mais de fonte, ou seja, o resultado do SB seria consideravelmente maior.

Frise-se que os segurados mais prejudicados com a regra do Art. 32 são os professores, que, de modo geral, trabalham em mais de uma escola e, em nenhuma delas, ganham salários superiores ao teto de contribuição, que é de R$ 4.663,75.

Salienta-se que a citada regra atinge, também, aqueles que são vítimas da alta rotatividade de emprego, pois, o cálculo, por sua ocasião de sua aposentadoria, leva em conta cada contrato.

Por tudo o que foi dito, não restam dúvidas de que a hora é de luta pela derrubada dos vetos presidenciais e, por conseguinte, pela rejeição da MP N. 676/2015.

*José Geraldo de Santana Oliveira é consultor jurídico da Contee

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