Jair Bolsonaro colocou seu partido contra ele em Minas Gerais – e isso pode custar a reeleição

Esta é a história de como Jair Bolsonaro sabotou os interesses do próprio partido em Minas Gerais, estado que sua campanha considera o mais importante da disputa eleitoral em 2022. E de como isso pode lhe custar a reeleição.

1 FIASCO

Faltavam dois minutos para o meio-dia de 16 de agosto, uma terça-feira, quando o presidente Jair Bolsonaro freou sua motocicleta para sair da avenida Getúlio Vargas e adentrar o calçadão da rua Halfeld, no centro de Juiz de Fora. Liderando mais uma motociata, ele pilotava uma Triumph Tiger 900 GT, inglesa – que, nova, custa a partir de R$ 68 mil. Sem capacete, como de hábito, Bolsonaro sorria, com os cabelos puxados para trás pelo vento. Apesar do calor, vestia uma jaqueta corta-vento escura que mal disfarçava o colete à prova de balas que lhe protegia o tórax e o abdômen.

A barulhenta chegada da motociata se desenrolou a menos de dois metros de nossos olhos – e não estávamos num local privilegiado ou reservado à imprensa. Vinte minutos antes, havíamos notado que sobravam lugares à beira das grades. Elas dividiam o primeiro quarteirão da Halfeld como se fosse uma via aberta ao trânsito de veículos em vez de um calçadão para pedestres. Na parte central, mais larga, um espaço vazio, reservado pela segurança às motos do presidente e seu exército de fanáticos. Nas laterais, corredores de uns dois metros de largura. Ali, imaginava-se, eleitores se amontoariam para receber Bolsonaro a apenas alguns passos de onde ele foi esfaqueado em 2018 por Adélio Bispo de Oliveira.

Só que não era preciso se amontoar. Quando Bolsonaro desceu da moto para saudar quem estava nos dois lados do gradil, já não trazia um sorriso no rosto. O desconforto presidencial com o evento pode ser visto no YouTube. Ao subir ao palco do caminhão de som alugado pelo movimento Direita Minas, ele se dirigiu às pessoas que o cercavam no trio elétrico e perguntou se alguém falaria antes dele. Ante a resposta negativa, agarrou o microfone e passou a discursar.

É verdade que tinha mais gente no quarteirão seguinte da Halfeld, para o qual Bolsonaro discursou – e que, nas imagens do YouTube, parece um público muito maior que o real. Mas quem esteve também no calçadão em 6 de setembro de 2018 – o dia do atentado contra o então candidato a presidente – nos diria que a multidão de então era maior que a do lançamento da candidatura bolsonarista à reeleição.

Ao contrário do que é usual em grandes eventos de campanha política, nenhum candidato – a deputado, senador ou governador – aproveitou as horas de expectativa até a chegada da atração principal para pedir votos e animar a plateia. O papel coube ao grudento jingle composto pelos sertanejos paulistas Mateus e Cristiano e a um mestre de cerimônias que tentava ensaiar gritos de apoio com os presentes. Não havia carros de som anunciando o evento pelas ruas, nem bandeiras e placas convocando a população para o ato.

Nada mal, estivéssemos em 2018. Os tempos mudaram. Bolsonaro está filiado a um dos grandes partidos do Centrão, o PL. Não a contragosto: ele mesmo já disse ser “um cara do Centrão” e, segundo quem está no comando da campanha à reeleição, sabe que em 2022 a (falsa) imagem de outsider, as redes sociais e a máquina de fake news são ferramentas insuficientes. Fatores como tempo na televisão e estrutura partidária contarão bastante. Mais que tudo, o eleitor quer ouvir propostas que lhe falem ao bolso. E ao estômago. Atualmente, 33 milhões de brasileiros passam fome todos os dias, conforme levantamento da rede Penssan, divulgado em junho.

Disso decorre a moderação que Bolsonaro tenta – e nem sempre consegue – exibir em suas aparições públicas recentes. Pesquisas qualitativas internas da campanha apontam que ele soa como mau perdedor quando ataca as urnas eletrônicas e o Tribunal Superior Eleitoral. Em português claro, ódio e golpismo têm alcance limitado e insuficiente para ganhar a reeleição. É preciso, portanto, que o presidente aparente ser o que não é. Facilita o trabalho da máquina eleitoral do Centrão.

Em Juiz de Fora, contudo, não vimos quase nada disso. Testemunhamos um evento improvisado e compatível com o começo da campanha do presidente em Minas Gerais: pequeno, vazio de grandes lideranças políticas, falando quase que apenas aos apoiadores – o Direita Minas é, no máximo, uma versão desidratada do MBL. Justamente no estado que o PL considera chave para virar o jogo, o palanque está bambo.

‘Amadorismo da porra’, resumiu um participante das reuniões do comando da campanha.

Sem a máquina do Centrão envolvida, coube a dois jovens militantes de extrema direita montar o evento em Juiz de Fora. Tratam-se do deputado estadual Bruno Engler e Nikolas Ferreira, vereador em Belo Horizonte, que entraram no PL após a filiação de Bolsonaro e são, respectivamente, candidatos à reeleição e a deputado federal. Ligados ao Direita Minas, ambos foram a Brasília, no fim de semana anterior, ao lançamento da campanha à reeleição para discutir o roteiro com o presidente. Ao perceber o improviso com que a coisa corria, o marqueteiro do PL e de Bolsonaro, Duda Lima, enviou para Minas uma funcionária de sua equipe. Ela chegou dois dias antes do presidente para tentar dar algum profissionalismo ao evento, nos relatou uma fonte ligada à campanha.

Uma pesquisa do Datafolha realizada naquela segunda semana de agosto indicou que Lula liderava com folga no estado: 49% a 29% das intenções de voto. No quartel-general da campanha bolsonarista em Brasília, uma mansão no Lago Sul, bairro mais nobre da cidade, a frase “Minas Gerais é o estado-chave da eleição” é repetida há semanas, como um mantra. Com 853 municípios (nenhum estado tem mais), o segundo maior colégio eleitoral do país (16.290.870 votantes, ou 10,4% dos eleitores brasileiros) e profundas diversidades social, econômica e geográfica, Minas é uma espécie de Brasil em miniatura.

Não à toa, desde 1989, ano da primeira eleição presidencial pós-ditadura militar, quem ganha em Minas leva o Palácio do Planalto. É por isso que, em fim de julho, Bolsonaro e o comando da campanha – o filho 01 e senador Flávio, o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, os marqueteiros Duda Lima e Sergio Lima e o candidato a vice, o general da reserva do Exército e mineiro Walter Braga Netto – decidiram começar por lá a corrida pela reeleição.

Só que o Bolsonaro que vestiu a camisa do Centrão segue sendo o Bolsonaro de sempre. E resolveu, na última hora, implodir o acordo que o braço estadual do partido tinha alinhado com Romeu Zema, do Novo, governador e favorito à reeleição, e impor a candidatura de Carlos Viana. Trata-se de um jornalista que se elegeu senador na onda antipolítica de 2018 pelo pequeno PHS e se filiou ao PL há poucos meses, no último dia do prazo para mudanças partidárias de quem desejava estar nas urnas em outubro.

O problema reside no fato de que o PL mineiro é em grande parte um feudo de uma tradicional família política, comandado há 20 anos pelo ex-deputado José Santana de Vasconcellos, o Zé Santana. E feudos políticos não se tomam com rompantes. “Alguém botou na cabeça do Bolsonaro uma mentira. Disse que o Zema não vai trabalhar por ele. Bolsonaro é muito intempestivo, e aí…”, nos disse um experiente político mineiro que acompanhou o afastamento entre o presidente e o governador.

A rusga é chave para entender por que não havia ninguém do comando estadual do PL em Juiz de Fora, tampouco políticos graúdos do partido. Claro, ali estiveram Viana e os extremistas de direita que entraram no PL a reboque de Bolsonaro. Mas o que vimos foi um evento de um pequeno movimento radical de rua, e não o lançamento da campanha presidencial do Centrão.

Viana, àquela altura, sequer tinha uma estrutura de campanha, nem mesmo um assessor para atender à imprensa e organizar sua agenda de candidato. Quem atendia a jornalistas até a quinta-feira, 18 de agosto – dois dias depois da passagem de Bolsonaro por Juiz de Fora –, eram os assessores contratados pelo gabinete dele no Senado. Mas todos faziam questão de se separar da candidatura a governador e afirmavam não ter informações sobre a campanha, atos e eventos eleitorais.

Tudo isso ajuda a entender o discurso morno e a voz desanimada do presidente em Juiz de Fora – ele não ficou nem uma hora no centro da cidade. Antes da saída de cena, coube à esposa, Michelle Bolsonaro, levantar o ânimo da plateia, falando de improviso. “Amadorismo da porra”, resumiria depois uma fonte que participa das reuniões do comando da campanha, em Brasília.

2 CORONEL TRAÍDO

Asede do PL em Belo Horizonte ocupa três salas no décimo andar de um prédio já antigo no centro da cidade. Sentado à nossa frente, está José Santana de Vasconcellos Moreira. Aos 83 anos, Zé Santana, nome que usava na urna, teve uma carreira política longa e relevante o suficiente para ganhar um verbete no prestigioso Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro do Centro de Pesquisa e Documentação da Fundação Getúlio Vargas.

Filho e pai de ruralistas, Santana foi deputado estadual nos anos 1970 e 1980 e deputado federal de 1987 a 2011. Sempre esteve ao lado do governo do turno. Começou na Arena, o partido de sustentação do regime militar. Em 1980, foi um dos fundadores do PDS, que sucedeu a Arena e se tornou o atual PP. Mas, em 1985, bandeou-se para o PFL ao lado de políticos como Antônio Carlos Magalhães, Marco Maciel, Jorge Bornhausen e José Sarney, que farejaram o cheiro de carne podre no barco da ditadura e aderiram à candidatura presidencial de Tancredo Neves. Deixaria o PFL – atualmente rebatizado União Brasil após a fusão com o PSL – em 2003, começo do governo Lula, rumo ao PL, que foi base dos governos petistas.

No PL, se tornou imediatamente o presidente estadual e cultivou com Costa Neto uma amizade para além da política. Sempre fez parte do comando do partido em Minas. Em fevereiro passado, após um período como tesoureiro, voltou à presidência estadual da sigla a convite de Costa Neto. Substituiu um dos filhos, Bernardo Santana, um ex-deputado federal que se afastou da política. Mas ainda cuida da carreira eleitoral de outro, Gustavo. Zé Santana, em resumo, é puro suco de Centrão.

“Acho que ia somar mais para nós do PL se apoiássemos o Zema”, lamentou-se ele, um homem calvo, algo obeso, que naquela tarde de calor tinha a camisa com as iniciais JSV bordadas no bolso esquerdo aberta no colarinho – deixando entrever os dois cordões de ouro que levava no pescoço. Ele foi voto vencido.

Tendo a seu lado uma mesinha com garrafas de café, cachaça e um queijo, Santana é um político que não nega a origem – nem no sotaque mineiro carregado, nem na tendência a só falar para o gravador platitudes e frases suaves. Mas, em conversas reservadas com políticos do partido, ele não faz questão de esconder as críticas à candidatura de Viana. O cálculo é puramente eleitoral: os deputados estaduais do PL apoiam o governo Zema na Assembleia Legislativa, o governador é bem avaliado e, segundo as pesquisas, favorito para se reeleger já em primeiro turno.

Entre os deputados zemistas, está o filho do presidente do PL mineiro, Gustavo Santana. Num anúncio eleitoral postado em seu perfil no Twitter no início da tarde de 17 de agosto – o dia seguinte à passagem de Bolsonaro por Juiz de Fora –, o filho de Santana escreve o seguinte: “Trabalhei incansavelmente na busca por recursos junto ao nosso governador Romeu Zema, um parceiro fundamental em minha caminhada”. O recado não poderia ser mais claro. No dia seguinte, foi ainda mais explícito: postou uma foto ao lado de Zema em seu perfil no Instagram. Quem conhece o velho Santana garante: ele e Gustavo não pedirão um único voto para Viana – o candidato de Bolsonaro. “Agora é assim: primeiro eu, depois eu, depois os outros. Eles vão cuidar do sangue deles”, nos disse uma fonte próxima à família.

No raciocínio de Santana, Bolsonaro também sairia ganhando se deixasse seu partido embarcar na canoa de Romeu Zema. O cálculo é o seguinte: o PL estaria presente em todos os eventos de campanha do governador-candidato, levando consigo a imagem do presidente. E, como Santana repete a aliados, “nem se Jesus Cristo descer na Terra o Zema vota no Lula”. Nas contas do velho coronel, o governador vai levar a eleição em Minas “de balaiada”.

Mas aí surgiu Carlos Viana. Que se valeu da notória desconfiança de tudo e todos alimentada por Jair Bolsonaro.

3 OPORTUNISTA

Carlos Viana foi a grande surpresa da eleição em Minas Gerais em 2018. Uma das vozes mais conhecidas da rádio Itatiaia, a principal do estado, e da TV Record local, mesmo sem jamais ter disputado uma eleição na vida, ele conquistou uma das duas cadeiras em disputa no Senado, derrotando ninguém menos que a ex-presidente Dilma Rousseff. A outra ficou com Rodrigo Pacheco, então no DEM, atualmente no PSD e presidente do Senado.

Aos 55 anos, Viana viu na ojeriza pela política adubada pela Lava Jato sua grande chance. “O eleitor quer renovação”, ele disse ao jornal O Estado de Minas. Um de seus trunfos, em 2018, foi o apoio do então prefeito da capital Alexandre Kalil – atualmente, candidato a governador pelo PSD e apoiador de Lula. Outro foi ser evangélico batista e frequentador assíduo dos cultos da Igreja Evangélica Lagoinha. Fundada em 1957 em Belo Horizonte, a Lagoinha começou a crescer em 1972, quando o pastor Márcio Roberto Vieira Valadão passou a comandá-la.

Atualmente, a Lagoinha diz ter 600 unidades pelo mundo. Uma delas, na Barra da Tijuca, foi escolhida como lar espiritual pela brasiliense Michelle Bolsonaro logo após se casar com o então deputado Jair e se mudar para o Rio de Janeiro. Foi na matriz da Lagoinha, em Belo Horizonte, que a primeira-dama disse, há algumas semanas, que o Palácio do Planalto já foi “um lugar consagrado a demônios”. Em seguida, segundo a Veja, ela e o marido almoçaram com Guilherme de Pádua, assassino confesso da atriz Daniella Perez. Pádua é pastor na Lagoinha – a atual esposa dele e Michelle tiraram uma selfie juntas. A campanha bolsonarista tentou negar o almoço, mas a foto se disseminou pelas redes sociais.

No Senado, casa com apenas 81 congressistas, Viana conseguiu passar despercebido por longos quatro anos. Ele costuma exaltar o fato de ter relatado a CPI de Brumadinho, que correu longe dos holofotes: uma busca no Google resulta apenas em notícias chapa-branca produzidas pela assessoria de comunicação do Senado. Uma rara reportagem sobre ela, escrita por Amanda Rossi para a BBC Brasil, informa que a comissão pediu o indiciamento de 14 pessoas por crime de homicídio.

Viana também apresentou 22 projetos de lei, alguns deles coletivos. O único que foge da irrelevância propõe alterar o Código Penal para que o uso de armas de fogo torne mais grave o crime de homicídio. Ele foi ainda relator da medida provisória 1.089/21, aprovada pelo Congresso, que afrouxou as regras para a instalação de pistas de pouso no Brasil – e, assim, favoreceu garimpeiros que usam estruturas ilegais para pousar e decolar na Amazônia.

Antes mesmo de tomar posse no Senado, Viana anunciou, em fins de 2018, que estava de mudança para o PSD de Gilberto Kassab – um partido maior e mais estruturado que o PHS. Em dezembro de 2021, deixou a sigla rumo ao MDB com um objetivo claro: ser candidato a governador de Minas Gerais. Como senadores exercem mandatos de oito anos, ele nada tem a perder. Mesmo que seja derrotado, terá feito campanha eleitoral e consolidado seu nome na cabeça do eleitorado mineiro.

Ele mesmo admitiu isso durante sabatina promovida pelo portal G1 na terça passada, 23 de agosto. “Para mim, foi ótimo. Estou senador, continuo meu mandato e tenho possibilidade de mostrar aos mineiros como a política pode ser melhor”, falou, após reconhecer sem rodeios ter sido o plano B de Bolsonaro.

Plano B porque, no Palácio Tiradentes, a equipe do pragmático governador Romeu Zema entendeu que a má avaliação de Bolsonaro (53% de reprovação em dezembro de 2021, segundo o Datafolha) era o sinal para se afastar de quem estava grudado desde 2018. Uma pessoa que assessorava o governador nos contou que, na virada do ano, interlocutores de Zema procuraram discretamente o time de Lula para saber da possibilidade de um armistício: Zema não daria palanque a Bolsonaro e evitaria críticas ao PT. Mas os emissários voltaram a Minas com uma resposta negativa – àquela altura, o nome de Kalil já estava no radar petista.

“Bolsonaro ficou puto quando ouviu isso”, contou essa fonte, que era próxima a Zema e, por isso, pediu que seu nome não fosse revelado. A desconfiança de Bolsonaro ante o que viu como uma possível traição de Zema foi a senha para a busca de um candidato absolutamente leal à família presidencial.

Viana ainda estava no MDB quando se reuniu com políticos graúdos do PL, em meados de março de 2022, para sondar a possibilidade de ser candidato do partido. O vice-presidente da Câmara, Lincoln Portela, e o presidente nacional da sigla, Valdemar da Costa Neto, estavam lá. Mas a conversa não foi adiante, porque o PL ainda cobiçava as candidaturas a vice-governador e senador na chapa de Zema.

Um político que participou dessas conversas conta uma história um pouco diferente da narrada por Zé Santana e prefere culpar o Novo pelo final infeliz da negociação entre o bolsonarismo e o governador. Nessa versão, Bolsonaro ficou de mãos vazias ao perceber que o partido de Zema barrou a aliança com o presidente e candidato à reeleição. Assim, e como já tinha uma conversa iniciada com Viana, resolveu tocar adiante a candidatura do novato do PL. Procurada, a campanha de Zema não respondeu a perguntas sobre a negociação com o PL e a tentativa de um acordo com Lula.

Aí, entrou em campo uma figura notória do primeiro escândalo do governo Bolsonaro – que levou o presidente a dizer a um apoiador para “esquecer o PSL”, partido pelo qual foi eleito: o ex-ministro do Turismo Marcelo Álvaro Antônio, que é mineiro. Ele ajudou a influenciar Bolsonaro a se decidir pelo nome de Viana.

Álvaro Antônio é um dos pivôs das investigações sobre o laranjal do PSL, uma suspeita de uso de candidaturas femininas falsas para desvio de recursos do fundo eleitoral a nomes graúdos da legenda. Por causa disso, chegou a ser indiciado pela Polícia Federal por apropriação indébita de recurso eleitoral e associação criminosa. Ele nega irregularidades.

‘Se quiserem [tomar o PL de mim], ótimo. Esse partido deve R$ 180 mil, que coloquei ao longo de 10 anos’.

A reviravolta se confirmou em primeiro de abril passado, último dia do prazo legal para mudanças de partido de quem desejava ser candidato em 2022. O senador deixou o MDB rumo ao PL. Levou consigo a candidatura a governador. E não foi só: dias depois, foi ungido – ainda que brevemente – líder do governo Bolsonaro no Senado. É do líder a responsabilidade de coordenar a tramitação e a votação de projetos de interesse do governo – ou seja, trata-se de um cargo que exige confiança.

Nas palavras de quem acompanhou as tratativas com Viana, a entrada do senador no PL só foi fechada na última hora porque as negociações entre ele e o estafe bolsonarista se arrastaram. Mas Viana foi escolha do presidente – e do senador Flávio Bolsonaro, de quem se aproximou em 2019 – e se mudou para o PL. Coube a Costa Neto ligar a Zé Santana e avisar: “Mudou tudo. Vamos com o Viana”.

Para o senador, é uma chance e tanto. Ele almeja voos mais altos, e viu a chance de rodar o estado sob a asa de Bolsonaro como uma oportunidade, admitiu um assessor influente do senador mineiro numa conversa reservada conosco. De quebra, ele também fortaleceu o palanque do filho, Samuel Viana, candidato a deputado federal. O problema é que a decisão fraturou o PL em Minas Gerais.

Questionado se temia perder o controle do partido no estado, Zé Santana respondeu o seguinte: “Se quiserem [tomar o PL de mim], ótimo. Esse partido aqui deve R$ 180 mil, que coloquei aqui ao longo de 10 anos. O [ex-deputado federal] Bernardo [Santana], meu filho mais velho, já deve ter posto aqui uns R$ 400 mil, ou mais. Eu fiz porque eu gosto, porque o partido é deficitário”.

Pedimos ao diretório nacional do PL um posicionamento sobre a disputa em Minas Gerais. Ouvimos que não haveria comentários.

4 ‘AUMENTA O SOM!’

Ainda sem o apoio efetivo da máquina partidária no estado, coube novamente ao Direita Minas e à ainda incipiente campanha de Carlos Viana organizar a série de eventos de que Jair Bolsonaro participou na quarta passada, 24 de agosto, em Betim, na região metropolitana, e na capital.

Desta vez, os eventos tiveram mais cara de campanha. Em Belo Horizonte, ante uma considerável multidão, Bolsonaro discursou após uma sequência de políticos locais se revezarem em rápidas falas ao microfone. À frente do palco, havia um painel de led exibindo animações e o número do candidato – uma preocupação da campanha, já que o 17 do PSL ficou associado ao presidente.

Novamente, a organização foi do Direita Minas. “Em Juiz de Fora, o Direita Minas foi convidado para organizar o evento de início de campanha do presidente. Como o trabalho foi bem feito, houve o convite para fazer essa organização do cerimonial em Belo Horizonte”, congratulou-se o grupo, em mensagem enviada após perguntarmos qual o papel deles nos dois eventos. Também pedimos à campanha de Carlos Viana que explicasse seu papel. Não tivemos resposta.

A estrutura se revelou precária – ainda durante os discursos que precederam Bolsonaro, a plateia gritou algumas vezes o pedido para que se aumentasse o volume do som.

Gritantes foram as lacunas políticas. Carlos Viana esteve em Betim – onde recebeu afagos e pedidos de votos feitos por Bolsonaro – mas não deu as caras em Belo Horizonte. Justamente na capital, onde, graças ao apoio do então prefeito Alexandre Kalil, Viana colheu quase um a cada quatro votos que o tornaram senador, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral.

Falar sobre ‘ameaça comunista’ não aumenta votos, mas Bolsonaro resiste às imposições de seu time político.

A campanha de Viana chegou a anunciar, em material enviado a jornalistas naquela manhã, que ele participaria do ato em Belo Horizonte. Mas ele não apareceu. Pior, não foi lembrado por Bolsonaro, que sequer o citou durante o discurso de 17 minutos. Uma fonte próxima ao candidato a governador nos contou que ele precisou ir às pressas a um estúdio em Belo Horizonte gravar peças para o programa eleitoral de rádio e televisão.

Como a candidatura foi decidida no atropelo, e o horário eleitoral gratuito começou na sexta, dia 26, não teve outro jeito. Ficou claro, novamente, o improviso da campanha que ainda se estrutura e, a pouco mais de 30 dias para o primeiro turno, ainda não conseguiu juntar os candidatos a presidente e a governador do PL num palanque na capital mineira.

Sem Viana, o candidato a vice Braga Netto ou a primeira-dama Michelle, Bolsonaro se cercou de políticos bem a seu estilo: extremistas, truculentos e paranóicos. Se revezaram ao microfone figuras como os deputados federais candidatos à reeleição Junio Amaral – que gravou vídeo ameaçando Lula com uma arma de fogo – e Marcelo Álvaro Antônio, o do laranjal, além de um policial militar da reserva que busca a reeleição a deputado estadual e um vereador em Uberlândia e líder do Direita Minas que quer chegar à Assembleia Legislativa mineira. Além, é claro, de Bruno Engler e Nikolas Ferreira. Para coroar o festival de radicalismo, a youtuber de extrema direita e comentarista do jornal bolsonarista Gazeta do Povo Bárbara Te Atualizei. Do Centrão, apenas o deputado federal Lincoln Portela, vice-presidente da Câmara dos Deputados.

Retirar Bolsonaro de sua bolha de radicais é uma obsessão da campanha à reeleição. O Centrão sabe que falar sobre “ameaça comunista”, armas de fogo ou ameaçar o Supremo Tribunal Federal não rende a Bolsonaro voto algum além dos que ele já tem. Mas o presidente resiste ao formato que seu time político quer lhe impor.

Apesar de mencionar rapidamente ter triplicado o valor do antigo Bolsa Família (mas esconder que isso só vale até o fim do ano) e a redução no preço dos combustíveis, Bolsonaro só se inflamou quando retomou a convocação para os atos de 7 de setembro, defendeu o excludente de ilicitude para que “os policiais possam trabalhar” (ou seja, possam matar à vontade sem precisar responder pelo crime de homicídio, mesmo em casos de abuso de poder) e falou que na Presidência, hoje, não está sentado um comunista. São argumentos que dificilmente irão seduzir quem vive em situação de insegurança alimentar – como bem sabe o Centrão.

“Minas Gerais é decisivo em qualquer eleição. Aqui é a semente de nossa independência”, cravou Bolsonaro, ao fim de sua fala. Em seguida, soltou seu conhecido grito de locutor de rodeio. Zé Santana, que é fã de vaquejadas, e o filho e candidato a deputado estadual, Gustavo, não foram avistados durante o périplo presidencial pela capital mineira.

Na sexta passada, dia 26, o presidente foi a São Paulo ser adulado no Pânico, programa da Jovem Pan. Em dado momento, Rodrigo Constantino, vestindo uma camiseta da seleção brasileira com a gola toda abotoada, falou de Romeu Zema e do Novo em tom jocoso. Bolsonaro tratou de botar panos quentes. “Eu gostaria de estar com ele desde o primeiro momento. Mas o partido dele, o tal de partido Novo, resolveu lançar uma candidatura própria”, lamentou, referindo-se ao inexpressivo Felipe D’Ávila. Então, cravou: “Não vamos fazer oposição, nem criticar o Zema. O Viana não vai ficar com ciúmes porque estou falando isso aqui”.

Naquele dia, as peças de estreia da propaganda de Viana no horário eleitoral na televisão – que ele gravou na hora do comício de Bolsonaro em Belo Horizonte – não foram ao ar. A campanha garante ter entregue os programas a tempo.

The Intercept Brasil

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