Medidas do MEC esvaziam Fórum Nacional de Educação e prejudicam fiscalização do PNE

O fórum que articula governo e sociedade civil em torno das metas educacionais do país está rachado. Divergências sobre o documento de referência para a Conferência Nacional de Educação 2018 (Conae) separam em diferentes fronts o MEC e diversas entidades participantes do Fórum Nacional de Educação (FNE). Como resultado, 20 das 42 representantes da sociedade civil que compunham o FNE foram retiradas pelo MEC ou saíram voluntariamente e agora estão organizando a Conferência Nacional Popular de Educação (Conape). Enquanto isso, o ministério garante que o FNE está em pleno funcionamento e sai “fortalecido” com as mudanças.

O governo publicou em abril uma portaria retirando várias instituições da composição do FNE e incluindo novas. A “expulsão” veio menos de um mês depois de o MEC ter sido derrotado em votação e ver aprovado um documento sobre a Conae com o qual não concordava. Por discordarem do afastamento via portaria, vários dos antigos representantes do Fórum anunciaram seu afastamento voluntário em junho, entre eles entidades de muito destaque como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Campanha Nacional pelo Direito à Educação. O grupo das entidades afastadas criou o Fórum Nacional Popular de Educação (FNPE), responsável pela Conape, prevista para o primeiro semestre de 2018.

O Fórum Nacional de Educação tem como uma de suas principais funções monitorar a implementação do Plano Nacional de Educação aprovado em 2014, com metas para a melhoria da educação até 2024, assim como redigir o próximo PNE, que terá validade pelos dez anos subsequentes.

Contatado pela reportagem, o MEC se pronunciou sobre o caso apenas por meio de nota oficial, na qual diz que “corrigiu distorções claras em medidas da gestão Dilma, tanto na organização da Conae 2018 quanto na composição do Fórum Nacional de Educação (FNE), que estava sendo usado com propósito político-partidário”. Sobre a data da Conae 2018, diz que a alteração para o segundo semestre teve o objetivo de ampliar o prazo para que estados e municípios realizem suas conferências regionais.

A respeito da exclusão das entidades, a nota informa que está sendo recuperada a “composição original do FNE” depois de mudanças feitas em 2014. “Naquele ano foram incorporadas representações de segmentos que já estavam representados, criando uma sobreposição, com a intenção de ampliar o número de votos nas decisões do Fórum e fortalecendo o viés político-partidário”, diz o MEC.

No entanto, cinco das nove entidades excluídas pela atual gestão do MEC faziam parte do Fórum desde sua criação em 2010: Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped), a Federação de Sindicatos de Trabalhadores de Universidades Brasileiras (Fasubra), a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee), Fórum de Professores das Instituições Federais de Ensino (Proifes) e a Confederação Nacional do Comércio (CNC).

Além das entidades excluídas, várias outras que tinham cadeiras garantidas passaram a disputar vagas umas com as outras, sendo que o ministro ficou incumbido de escolher entre os nomes indicados.

Independência

O coordenador de educação da Fasubra, Rafael Pereira, garante que a federação que representa os funcionários de universidades sempre agiu livre de motivações partidárias. “A Fasubra não batia no governo por ele ser “golpista”. Já tínhamos posturas duras contra políticas da presidente Dilma – chegamos até a ocupar o MEC durante o governo dela”, diz. Segundo Pereira, a Fasubra sempre se manteve aberta ao diálogo. “Nós participamos de todas as instâncias democráticas, continuamos no Conselho Nacional de Saúde. Não é uma troca de governo que nos faria sair, porque temos de dialogar com o Estado. Mas somos uma entidade que faz um enfrentamento duro às políticas deste governo.”

Heleno Araújo, coordenador do FNE e secretário de assuntos educacionais e presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação (CNTE), ressalta que, no formato atual, o órgão perdeu sua independência, pois na prática o MEC fica responsável por avaliar e fiscalizar as ações do próprio ministério para o cumprimento do PNE. “Ele desestruturou o FNE para ter uma maioria, um domínio. Além de reduzir a participação da sociedade, o governo baixou um decreto que colocou o FNE sob a supervisão e orientação do MEC, ou seja, subordinado ao seu comando”, diz ele. Em princípio, Heleno será o coordenador do Fórum até dezembro de 2018, apesar da discordância com os rumos que ele tomou.

A situação desagradou até a entidades que poderiam permanecer no FNE. O Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Conif) foi uma das entidades que optou por sair, mas que se compromete a manter seu papel de fiscalização do Plano Nacional de Educação de forma independente. “O Conif assinou a carta de saída coletiva do fórum por não concordar com a redefinição feita pelo MEC, excluindo órgãos da composição original, que representavam a sociedade civil organizada. As entidades que deixaram o FNE criaram o Fórum Nacional Popular de Educação, que promoverá conferências para discutir o ensino do país, mas sem vínculo com o Ministério da Educação”, afirmou a coordenadora da Câmara de Ensino do Conif, Sônia Fernandes, reitora do Instituto Federal Catarinense (IFC).

Apesar do esforço para manter a mobilização em prol da educação, a divisão do Fórum é uma ameaça extra ao PNE. “A medida desconstrói a avaliação do PNE e também a preparação do próximo Plano. O prejuízo é imenso, porque o FNE é o norteador das políticas educacionais, serve para controle e fiscalização social”, afirma Daniel Cara, coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, entidade que perdeu o direito à cadeira no Fórum, mas poderia indicar um nome para uma seleção do ministro entre indicados.

Segundo o porta-voz da Campanha, a atuação do MEC tem ainda outras consequências graves: “Acaba ferindo o princípio de autonomia da sociedade civil. A gestão democrática da educação é prevista na Constituição. O resultado vai ser um isolamento do MEC no debate educacional”, avalia.

Três anos de PNE

Na visão dos que saíram do Fórum oficial, o PNE ficou comprometido mesmo antes da confusão atual. O problema maior foi a promulgação da Emenda Constitucional 95 (antes designada PEC 55/241), conhecida como a lei do teto de gastos. “Com a emenda 95, eles inviabilizaram o PNE atual e também o próximo, porque o congelamento é de 20 anos”, avalia Cara.

A meta 20, de financiamento, é um dos pontos do PNE diretamente atingidos: o Brasil deveria destinar no mínimo 10% do PIB à educação até 2024. E, da meta 20, dependem diversas outras metas. “Educação exige capital, tanto em infraestrutura como em recursos humanos. Não vamos conseguir cumprir o PNE se não houver investimento público”, diz Sônia Fernandes, da Conif.

Para direcionar os gastos para onde são mais necessários, o Custo Aluno-Qualidade (CAQ) deveria ter sido definido este ano, mas as discussões sobre a metodologia dos cálculos não progrediram para um modelo concreto. A definição da metodologia do CAQ está a cargo do MEC. Em 2015, um grupo de trabalho do ministério apresentou um relatório apontando a inviabilidade do mecanismo que havia sido proposto na Conae 2014, fazendo recomendações, mas nada saiu do papel.

“A emenda 95 até abre uma exceção: a complementação que a União faz ao Fundeb. Mas o montante não é suficiente para garantir o CAQ. Ainda nem existe um valor oficial, mas olhando para os estudos, essa complementação não é suficiente”, explica Caio Callegari, economista do movimento Todos pela Educação. Antes com vaga garantida do FNE, agora o TPE vai disputar uma cadeira com outras entidades, mas optou por permanecer no Fórum. Segundo Callegari, ainda há um longo trabalho pela frente até que seja estabelecido o valor adequado por aluno. “Os estudos não têm tanta ancoragem no panorama de custos atuais nas redes de ensino. São da década passada. Outro ponto sem consenso é se os insumos levantados têm de fato relação com a aprendizagem.”

O país está deixando de cumprir muitas outras metas, além do financiamento. Um levantamento do Observatório do PNE indica que apenas seis dos 30 dispositivos relacionados à educação básica que deveriam ter sido cumpridos em 2017 foram realizados total ou parcialmente. Os desafios persistem até nas metas de acesso à escola, que deveriam ter sido cumpridas em 2016. Ainda há 2,5 milhões de crianças e jovens de 4 a 17 anos fora da escola, indica o Observatório.

A meta 18, que trata da carreira docente, previa que até 2017 90% dos docentes e 50% dos funcionários não docentes da educação fossem contratados de forma efetiva. Mas dados do IBGE mostram que o país está bem abaixo da meta: somente 68,9% dos contratos de docentes da rede pública são de concursados, efetivos e estáveis. Não há dados sobre os demais funcionários.

Num cenário em que as políticas educacionais precisam avançar rapidamente, polarização política, divisões e poucos recursos financeiros ameaçam o processo. Ainda que as condições pareçam desfavoráveis, há razões para continuar o trabalho, defendeu Binho Marques, que trabalhou na Secretaria de Articulação com os Sistemas de Ensino do Ministério da Educação (SASE/MEC) e foi membro do FNE, durante um debate promovido pelo TPE. “Fico feliz por termos o Plano, um plano que foi tão debatido e que virou lei. Nesta crise, sem plano, a situação teria sido bem pior”, avalia. Ele enfatiza que o PNE não se concretiza apenas na esfera federal, mas de forma sistemática e articulada em todo o país: “O que acontece em cada município e estado contribui para o êxito do PNE. A população tem de se manter mobilizada”.

Problemas começaram em 2016

As desavenças entre a atual gestão do MEC e entidades do Fórum começaram já no ano passado. Na preparação das duas edições anteriores da Conae, o MEC contratou um grupo de consultores para elaborar o documento inicial, que era posteriormente avaliado pelo FNE. Isso, contudo, não foi feito a tempo para a conferência de 2018, conta Heleno Araújo, coordenador do FNE. Para dar andamento no processo a tempo, um grupo de participantes do Fórum se voluntariou para redigir o documento. Mas o texto desagradou ao MEC.

“Fui chamado para uma reunião com a Maria Helena Guimarães (secretária executiva da pasta) e na hora fiquei sabendo que o ministro Mendonça Filho também participaria. Eles questionaram o documento de referência para a realização da Conae. Eu expliquei que o documento foi construído em conjunto, que o MEC poderia participar da reunião do Fórum e propor suas mudanças”, relata Araújo. Representantes do ministério de fato participaram da reunião do FNE, pediram diversas mudanças, mas acabaram derrotados na votação.

“O ministro me falou que, se o documento fosse aprovado, o Fórum seria abandonado. Eu respondi que isso já estava acontecendo, que já estávamos sem estrutura para fazer o trabalho. Então fez uma segunda ameaça, de que iria formar um outro fórum. É o que está acontecendo”, afirma o coordenador.

Da Revista Educação

Artigos relacionados

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo