‘Vai trazer do túmulo?’, diz Mourão sobre investigar crimes de tortura na ditadura

Vice-presidente reage com ironia ao ser questionado sobre novas revelações de crimes ocorridos durante a ditadura militar

BRASÍLIA – O vice-presidente Hamilton Mourão (Republicanos) reagiu com ironia e risadas ao ser questionado sobre a possibilidade de se apurar os crimes ocorridos nos porões da ditadura militar após a revelação de áudios de sessões do Superior Tribunal Militar (STM) com relatos de tortura durante o regime. “Apurar o quê? Os caras já morreram tudo, pô. Vai trazer os caras do túmulo de volta?”, declarou, rindo, o general da reserva na chegada ao Palácio do Planalto.

As mais de 10 mil horas de gravação, analisadas pelo historiador Carlos Fico, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e pelo advogado criminalista e pesquisador Fernando Fernandes relatam, por exemplo, a tortura de uma mulher grávida que sofreu aborto após ser submetida a choques elétricos pelos agentes da ditadura. Os áudios foram revelados pela jornalista Miriam Leitão, de O Globo, e confirmados pelo Estadão.

As gravações obtidas pelos pesquisadores vão de 1975 a 1985. O acesso aos áudios demorou duas décadas anos para ser liberado.  Em 2006, Fernandes pediu acesso ao material, mas o STM negou. Cinco anos depois, a ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, determinou a entrega do material, ordem que foi cumprida apenas após o plenário do Supremo confirmar o voto da ministra, em 2015.

Em um dos áudios revelados, o general Rodrigo Octávio relata, em 24 de junho de 1977, o aborto sofrido por Nádia Lúcia do Nascimento aos três meses de gravidez. Na gravação, ele defende a apuração do caso. Ela teria sofrido “castigos físicos” em um dos Doi-Codis, órgãos de repressão política sob comando do Exército que agiam nos estados, no combate à oposição ao regime. O ministro relata ainda que Nadia e o marido sofreram “choques elétricos em seu aparelho genital”.

Outro áudio revelado mostra um ministro denunciando que uma confissão de roubo a banco foi obtida pela polícia a partir de marteladas em um preso político.

Na avaliação do vice-presidente, a tortura “é passado”. “Isso é história, já passou. É a mesma coisa de voltar para a ditadura do Getúlio. São assuntos já escritos em livros, debatidos intensamente. É passado. Faz parte da história do País”, avaliou Mourão.

Procurado, o Exército afirmou que o STM é um órgão do Judiciário e que não vai se manifestar sobre os áudios. O Ministério da Defesa não se pronunciou sobre o tema.

Mourão também tem um histórico de declarações em defesa da ditadura. Em 1º de março de 2018, na cerimônia para marcar sua passagem para a reserva, o general chamou Carlos Alberto Bilhante Ustra, um dos ditadores mais notórios do regime militar, de herói.

Pré-candidato ao Senado pelo Rio Grande do Sul, o vice-presidente ainda disse, nesta segunda-feira, que a história da ditadura teria “dois lados”, em linha com a bandeira de revisionismo histórico levantada pelo presidente Jair Bolsonaro. “A história sempre tem dois lados ao ser contada”, afirmou. “Houve excessos de parte a parte. Não vamos esquecer o tenente Alberto, da PM de SP, morto a coronhadas pelo Lamarca e os facínoras dele”, acrescentou.

No domingo, o presidente Jair Bolsonaro, que defende publicamente a ditadura, publicou foto sua no Facebook ao lado do general Newton Cruz, que morreu na última sexta-feira aos 97 anos. Cruz foi chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI) durante a ditadura militar e um dos acusados pelo atentado do Riocentro, em 1981. O coronel Maurício Garcia, morto em 2000 por um derrame cerebral, também aparece na foto.

Estadão

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