Niède Guidon vai desbravar as pinturas rupestres do céu…
Dicas da Contee de filmes e livros sobre a arqueóloga que fez da ciência um ato de amor ao Brasil

Na véspera do Dia Mundial do Meio Ambiente, celebrado em 5 de junho, o Brasil se despediu de uma de suas maiores defensoras da ciência, da cultura e da natureza: a arqueóloga Niède Guidon, que faleceu aos 92 anos, no Piauí — terra onde semeou, por mais de meio século, um legado de descoberta, resistência e amor.
Foi ali, em meio à caatinga agreste e luminosa da Serra da Capivara, que Niède revelou ao mundo as mais antigas pinturas rupestres das Américas. Seus olhos, atentos às pedras e à história escondida nos paredões, reescreveram a narrativa do povoamento do continente, colocando o Brasil no coração da arqueologia mundial.
Com coragem e persistência, identificou mais de 700 sítios pré-históricos — 426 deles com pinturas milenares — que transformaram para sempre o mapa do conhecimento humano.
Fundadora da FUMDHAM (Fundação Museu do Homem Americano), Niède não apenas protegeu um patrimônio inestimável, mas também plantou oportunidades onde antes havia abandono.
Fez da ciência uma ponte com a vida: contratou mulheres da região para trabalhar no parque, defendeu o meio ambiente quando poucos o faziam, e foi essencial para a criação da primeira universidade federal em São Raimundo Nonato. Sua visão era ampla: sabia que preservar o passado era também projetar um futuro mais igualitário.
Ao longo da carreira, foi laureada com os mais altos reconhecimentos científicos: o Prêmio Almirante Álvaro Alberto 2024, a Ordem do Mérito Científico, o Prêmio Príncipe Claus (Holanda), o Green Prize, e a Légion d’Honneur (França).
Mas talvez seu maior prêmio tenha sido o carinho e o respeito do povo da caatinga, que viu, por meio dela, a ciência descer do pedestal e tocar a terra, as mãos e os corações.
Seu legado vai além da arqueologia. Como escreveu Adriana Abujamra, autora da biografia “Niède Guidon – Uma Arqueóloga no Sertão”, a cientista realizou uma verdadeira revolução feminina e ambiental no sertão brasileiro — inspirando novas gerações de mulheres, pesquisadoras e defensoras da vida.
Agora, Niède parte para desbravar as pinturas rupestres do céu — com o mesmo olhar curioso, amoroso e resistente com que leu cada traço gravado nas pedras da terra.
Obras sobre o legado de Niède Guidon para o fim de semana
1 – Documentário – “Niède” (2019) – Direção: Tiago Tambelli
Um retrato intimista da arqueóloga, sua trajetória científica, sua militância ambiental e sua relação visceral com a Serra da Capivara. Uma aula de coragem, sensibilidade e resistência.
2 – Livro – “Niède Guidon: Uma Arqueóloga no Sertão” – Adriana Abujamra
Biografia envolvente que retrata o impacto social, cultural e ambiental da atuação de Niède no semiárido nordestino, com sensibilidade e profundidade.
3 – Coletânea – “O Brasil Antes dos Brasileiros” – Niède Guidon e colaboradores
Obra fundamental que reúne as principais descobertas da Serra da Capivara e os debates científicos que desafiaram paradigmas sobre o povoamento das Américas.
Para refletir nas escolas e universidades:
-Qual é o papel da educação científica no desenvolvimento social e regional?
-Como o legado de Niède Guidon dialoga com a luta das mulheres e a defesa do meio ambiente?
-Que políticas públicas hoje protegem — ou ameaçam — o patrimônio histórico, ambiental e cultural do Brasil?
A CONTEE convida todas as entidades filiadas a levarem essa memória para os espaços de formação. Que o exemplo de Niède inspire nosso compromisso com uma educação crítica, transformadora e profundamente conectada com o Brasil real — mais justo e mais humano.
Por Romênia Mariani